Novo Ensino Médio e itinerários
Novo Ensino Médio: como preparar os alunos para escolher itinerários formativos
Criar espaços de diálogo e reflexão e oferecer vivências práticas são estratégias possíveis
POR: Camila Cecílio
O Novo Ensino Médio, criado em 2017, deverá ser realidade em todas as escolas brasileiras até 2021. Ficou estabelecido que 60% do currículo dos três anos do Ensino Médio será definido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em dezembro de 2018, e os outros 40% serão flexíveis, de acordo com o contexto e necessidades locais. Dentre as muitas mudanças previstas, a elaboração dos itinerários formativos, que é a parte flexível do currículo na nova proposta, tem mobilizado redes de ensino de todo o país. Mas, até que se ganhe forma de fato, uma dúvida cresce entre gestores e professores: como preparar os alunos para escolher o que vão fazer ao longo do Ensino Médio?
O que são os itinerários formativos?A flexibilidade do currículo proposta pela reforma do Ensino Médio implica que os alunos terão a oportunidade de escolher em qual área do conhecimento desejam se aprofundar. São cinco itinerários formativos possíveis: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Formação Técnica e Profissional. Porém, as escolas não são obrigadas a oferecer todos os percursos, nem disponibilizar a escolha de aprofundamento logo no 1º ano. Elas poderão escolher o que vão ofertar de acordo com a relevância para o contexto local e as possibilidades das redes de ensino a qual pertencem. Caso uma unidade educacional ofereça mais de um percurso, o estudante poderá optar por cursar mais de um de maneira concomitante ou sequencial.
O que o estudante deve considerar nessa escolha?
Para tomar qualquer decisão é essencial ter informações. Assim, cabe à equipe escolar apresentar aos alunos, de maneira detalhada, as explicações sobre os itinerários: quais a instituição oferece e o que cada um envolve. Isso pode ser feito de diversas maneiras. No Colégio Santa Maria, em São Paulo, uma das opções é promover rodas de conversa com estudantes e responsáveis separadamente, uma vez que as dúvidas são diferentes. “Cada escola vai encontrar o seu formato, afinal, é importante considerar as realidades distintas”, diz Silvio Soares Moreira Freire, diretor da escola. Para ele, as informações podem ser transmitidas aos jovens gradativamente, para que eles tenham tempo de compreender o que está ocorrendo.
Ciente das informações, os estudantes devem refletir sobre seus interesses, aptidões e objetivos. “É importante o aluno optar por aquilo que se identifica e gosta de estudar. Se o jovem gosta de políticas e de questões ligadas ao social, o itinerário ideal para ele é Ciências Humanas. Se ele for mais tímido e sentir a necessidade de se colocar no mundo, Linguagens pode ser uma boa opção”, diz Roberta Edo, coordenadora pedagógica da área de Linguagens e Códigos do Ensino Médio do Colégio Santa Maria.
Vale ressaltar que, de um ano para o outro, é possível mudar de itinerário.
Qual o papel da equipe escolar nesse processo?
Gestores e professores têm papel de orientadores na etapa de escolha dos itinerários formativos. Para isso, podem ser criados tempos e espaços de diálogo e reflexão para que os alunos se sintam acolhidos e seguros para entender melhor as opções e os próprios anseios. “Acredito que os gestores podem dar subsídios para que os estudantes possam pensar por si só, discutir e problematizar as opções, levar em consideração a própria vontade e não atender a desejos de terceiros, como pais ou responsáveis”, defende Roberta.
Além de ouvir os alunos, é indispensável que a escola considere o seu Projeto Político Pedagógico (PPP) e seu contexto para propor ações que façam sentido para aquela comunidade escolar. Uma estratégia, diz Roberta, é promover uma semana de experiência, com vivência prática de como serão as aulas já no formato dos itinerários formativos.
A atuação da equipe escolar, no entanto, começa antes. Tanto gestores quanto docentes devem participar ativamente da definição e da construção dos itinerários que serão oferecidos pela escola, bem como da estruturação e do planejamento. “As novas propostas para o Ensino Médio são desafiadoras e exigem, também, uma mudança de cultura e na maneira de olhar. Isso não acontece via decreto. Os professores têm que participar do processo todo”, comenta o diretor Silvio. Cabe ao diretor promover o diálogo entre todos na equipe para que as decisões sejam coletivas e, assim, reflitam as opções pedagógicas, os valores e as possibilidades da escola.
É importante também acompanhar as ações das redes de ensino para verificar como contribuir. Em Pernambuco, uma equipe de redatores do Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC), do Ministério da Educação (MEC) está elaborando os itinerários formativos. Segundo Ana Selva, secretária executiva de Desenvolvimento da Secretaria Estadual de Educação e Esportes de Pernambuco, o processo inclui consultas a estudantes e professores.
Como as eletivas podem ajudar?
Um ponto de partida para os estudos do que considerar na construção dos itinerários pode ser a criação de disciplinas eletivas. Esta é a estratégia da rede pernambucana, em que todas as escolas de tempo integral e as 105 de turno único oferecem opções.
Ana Selva diz que as escolas divulgam a ementa das eletivas e colaboram no processo de escolha dos estudantes conforme estratégias que entendam mais pertinentes – como palestras de apresentação e conversas em sala de aula. “As eletivas têm, de fato, dialogado com o interesse dos jovens”, conta a secretária. Segundo ela, os gestores são orientados a fazer uma escuta dos temas de interesses dos alunos. Com base nessas informações, e também considerando as formações dos professores, as eletivas são planejadas.
Exemplo disso é a Escola de Referência em Ensino Médio Ginásio Pernambucano, que oferece cinco eletivas por série – 1º e 2º anos. Cada aluno deve fazer uma disciplina por semestre e, para ajudá-los a escolher, os professores passam de sala em sala para explicar o que é sua eletiva. Eles falam da ementa da disciplina e do planejamento, e tiram dúvidas. Só depois disso é iniciado o período de inscrições.
“Como são disciplinas obrigatórias, mas que não têm notas, a gente orienta o estudante a optar por algo que possa ajudá-lo na vida de forma geral. Desenvolver habilidades como criatividade, por exemplo”, sugere Mariana Rabelo Valença, professora de Geografia e de História, que também dá aulas de Iniciação Científica. Segundo ela, isso é fundamental para que o aluno faça uma escolha consciente daquilo que possa facilitar sua vida escolar.
Outro caminho é procurar algo que possa sanar uma dificuldade. Se o estudante tem problemas para aprender Matemática, por exemplo, é bom ele saber que a escola oferece a disciplina eletiva Jogos Matemáticos, que explora os conteúdos dessa área de conhecimento de maneira lúdica.
Esse exercício de autonomia, em que o aluno reflete sobre dificuldades, aptidões e objetivos para escolher, pode servir de experiência para quando for preciso definir qual itinerário ele irá cursar. Para a equipe escolar, é uma maneira de mapear as necessidades e interesses dos estudantes e também a capacidade da instituição. Mesmo depois que a escola estiver oferecendo os itinerários, ela pode manter a política de eletivas no currículo.