O Brasil bateu um recorde trágico

O Brasil bateu um recorde trágico

Brasil tem em 1 dia mais mortes por covid-19 do que 133 países em 1 ano de pandemia

  • Matheus Magenta   Da BBC News Brasil em Londres     7 abril 2021
Parentes participam de velório de vítima da covid

CRÉDITO,FABIO TEIXEIRA/ANADOLU AGENCY VIA GETTY IMAGES

Legenda da foto,   Brasil teve mais de 4 mil mortes diárias pela covid-19 pela primeira vez desde início da pandemia - mais que o dobro do recorde registrado há um mês

Em 6 de abril de 2021, o Brasil bateu um recorde trágico na pandemia, com 4.195 mortes por covid registradas em 24 horas. É mais que o dobro do registrado um mês antes. Apenas os Estados Unidos superam essa marca. O patamar brasileiro de mortes em apenas um dia é tão alto que supera o que 133 países registraram, separadamente, durante um ano inteiro de pandemia.

O Brasil tem 212 milhões de habitantes. Estes 133 países somam 1,9 bilhão de pessoas.

Nesse grupo há de tudo um pouco. Em comparação ao Brasil, há nações com quase a mesma população (Nigéria, com 206 milhões), 30 países com mais de 20 milhões de habitantes, 44 com maior índice de desenvolvimento humano (IDH), 33 com mais idosos, 49 com mais diabéticos. São dados oficiais levantados pelo site Our World in Data, da Universidade de Oxford.

Um dos principais argumentos de quem nega a gravidade da pandemia no Brasil passa pelo tamanho da população. Muitos afirmam que não seria justo comparar com países com menos habitantes em números absolutos.

Vamos então aos números relativos: quantas mortes são registradas a cada 1 milhão de habitantes? Atualmente, o Brasil é o sexto do ranking mundial, superado apenas por Hungria, Bósnia e Herzegovina, Macedônia do Norte, Bulgária e Montenegro. Todos têm menos de 10 milhões de pessoas.

Se essa comparação levar em conta todas as mortes ocorridas na pandemia inteira, e não apenas a taxa atual, o Brasil está em 18º no ranking, atrás de nações como Bélgica, Itália, Reino Unido, Estados Unidos e México.

Mas a situação brasileira está piorando rapidamente: em janeiro, o país ocupava a 24ª posição.

Hoje, o Brasil tem 2,7% da população mundial, mas concentra 37% das mortes que ocorrem no mundo. Morre-se mais no Brasil de covid-19 do que em continentes inteiros: Europa, Ásia, África, Oceania ou no restante da América.

Covid mata mais no Brasil do que em todos os continentes inteiros. Brasil atingiu marca de 4.195 mortes em um dia, e concentra 37% dos óbitos no mundo.  *Oceania ficou de fora por não ter registrado mortes.

Segundo o Ministério da Saúde, o número de mortos por covid-19 no Brasil totaliza 336 mil. A cifra, no entanto, é desatualizada e incompleta. Por outro lado, dados também oficiais de hospitais brasileiros apontam que o número de pessoas que morreram com casos confirmados ou suspeitos de covid-19 já se aproxima hoje de 500 mil.

Em março, haviam morrido mais pessoas de covid-19 no Brasil do que em 109 países juntos durante a pandemia inteira. E o mês de abril sinaliza ser pior.

Todos os indicadores de saúde do país indicam que a tragédia brasileira deve continuar piorando, com sistema de saúde em colapso, vacinação lenta, número de casos graves aumentando e centenas de pessoas morrendo em filas diariamente à espera de vagas em hospitais.

A situação socioeconômica também tem se agravado, com desemprego e inflação crescentes. Ainda: pela primeira vez em 17 anos, mais da metade da população não sabe se conseguirá ter comida no prato todos os dias. Há 19 milhões de pessoas passando fome hoje no país, segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar.


Gráfico mostra mortes diárias no Brasil

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) afirma ainda que a transmissão do vírus e a letalidade da doença estão em alta no país. Falta de leitos, medicamentos e profissionais de saúde tendem a ampliar o número de mortos.

Segundo a Fiocruz, 19 Estados e o Distrito Federal têm ocupação dos leitos de UTI superior a 90%. Isso levando em consideração que a oferta de camas hospitalares já é muito maior do que no início da pandemia.

Para tentar conter a crise, a instituição defende a adoção de restrições rígidas à circulação de pessoas por pelo menos duas semanas e de forma coordenada por governo federal, Estados e municípios.

"Coerência e convergência são fundamentais neste momento de crise, para que as medidas de bloqueio sejam efetivamente adotadas, de forma a sair do estado de colapso de saúde e progredir para uma etapa de medidas de mitigação da pandemia, diminuindo o número de mortes, casos e taxas de transmissão e efetivamente salvando vidas", afirma a Fiocruz em boletim.

Gráfico comparativo das mortes no Brasil e em outros países

Vacinação lenta

Há diversas formas de comparar o ritmo de vacinação entre os países. Em números totais, o Brasil estaria na quinta posição, com 21 milhões de doses distribuídas, atrás de EUA (168 milhões), China (142 milhões), Índia (83 milhões) e Reino Unido (37 milhões).

Mas, como mencionado acima, mesmo aqueles que minimizam a gravidade da situação defendem que as comparações levem em conta o tamanho da população.

E aí, nesse caso, o Brasil cai para a 15ª posição global, com 8,1% da população imunizada com pelo menos uma dose. O líder é Israel, 61%.

A vacinação no mundo

Ver a tabela

Mundo
8,7
677.781.107
Estados Unidos
50,0
167.187.795
China
9,9
143.435.133
Índia
6,0
83.110.926
Reino Unido
55,4
37.013.749
Brasil
10,3
21.960.953
Turquia
20,1
16.993.574
Alemanha
17,2
14.374.088
Indonésia
4,6
12.649.124
França
18,2
12.405.899
Rússia
8,4
12.215.342
Itália
18,6
11.252.066
Chile
57,9
11.060.230
Israel
117,1
10.139.337
México
7,2
9.287.405
Espanha
18,7
8.743.694
Emirados Árabes Unidos
86,9
8.596.722
Marrocos
22,5
8.303.056
Polônia
17,6
6.658.909
Canadá
17,4
6.555.389
Bangladesh
3,4
5.539.494
Arábia Saudita
14,7
5.114.583
Argentina
9,4
4.260.808
Hungria
34,7
3.355.199
Romênia
17,2
3.307.636
Sérvia
38,1
2.593.838
Colômbia
4,7
2.381.049
Holanda
13,9
2.378.552
Bélgica
17,9
2.073.551
Portugal
18,7
1.907.551
Grécia
18,1
1.886.370
República Tcheca
17,0
1.818.756
Áustria
19,5
1.758.620
Suécia
16,5
1.666.783
Nepal
5,5
1.600.000
Suíça
17,7
1.536.186
Cingapura
25,9
1.518.000
Japão
0,9
1.196.884
Dinamarca
20,5
1.184.973
República Dominicana
10,2
1.101.528
Finlândia
19,2
1.063.870
Coreia do Sul
2,0
1.027.561
Eslováquia
18,7
1.019.523
Noruega
18,2
989.062
Catar
32,4
934.843
Azerbaijão
9,1
924.813
Sri Lanka
4,3
924.479
Irlanda
18,7
923.878
Peru
2,7
895.486
Austrália
3,3
844.309
Bahrein
49,2
836.788
Filipinas
0,8
826.607
Uruguai
23,7
823.477
Nigéria
0,4
818.865
Paquistão
0,4
800.000
Malásia
2,4
787.504
Kuwait
14,2
604.861
Lituânia
20,9
568.777
Croácia
12,6
517.112
Bulgária
7,3
510.049
Gana
1,6
500.000
Butão
60,7
468.297
Mongólia
12,6
414.382
Jordânia
4,0
409.203
Eslovênia
19,4
403.815
Panamá
9,0
387.580
Costa Rica
7,5
384.355
Mianmar
0,7
380.000
Ruanda
2,7
348.926
Bolívia
2,8
321.807
Ucrânia
0,7
304.682
Senegal
1,8
302.857
Camboja
1,8
296.149
Estônia
22,3
296.031
Tailândia
0,4
294.881
Equador
1,6
283.106
África do Sul
0,5
269.102
Maldivas
45,1
243.749
Líbano
3,4
235.303
Malta
48,9
215.700
Albânia
7,2
206.708
Quênia
0,4
196.435
Omã
3,3
171.055
Chipre
18,4
161.526
Malauí
0,8
154.801
Egito
0,1
148.987
Letônia
7,8
146.752
El Salvador
2,1
133.330
Zimbábue
0,9
132.915
Angola
0,4
130.750
Irã
0,1
124.193
Guatemala
0,6
116.221
Cazaquistão
0,6
109.995
Iraque
0,3
103.006
Territórios Palestinos
2,0
102.755
Seicheles
103,8
102.080
Luxemburgo
15,9
99.356
Tunísia
0,8
98.057
Venezuela
0,3
98.000
Uganda
0,2
90.196
Argélia
0,2
75.000
Islândia
21,9
74.603
Nova Zelândia
1,4
68.666
Bielorússia
0,7
66.618
Guiné
0,5
66.439
Guiné
0,5
66.439
Barbados
22,2
63.738
Gibraltar
180,8
60.907
Moçambique
0,2
57.305
Ilha de Man
64,6
54.923
Afeganistão
0,1
54.000
Honduras
0,5
52.772
Vietnã
0,054
52.335
Ilhas Cayman
77,2
50.763
Costa do Marfim
0,2
47.968
Moldávia
1,2
47.524
Paraguai
0,6
45.494
Togo
0,5
42.092
Jamaica
1,4
41.901
Laos
0,6
40.732
Guiana
5,1
40.468
Bermuda
60,7
37.788
Guernsey
49,8
33.400
Serra Leoa
0,4
31.889
Montenegro
5,0
31.631
Suriname
4,7
27.760
Antigua e Barbuda
27,0
26.424
Santa Lúcia
12,3
22.554
Belize
5,5
22.067
Mônaco
52,3
20.510
Taiwan
0,072
17.078
Dominica
22,3
16.058
Guiné Equatorial
1,0
14.080
San Marino
39,7
13.475
Ilhas Turks e Caicos
33,4
12.935
Andorra
16,1
12.440
Macedônia do Norte
0,6
12.052
Geórgia
0,3
11.603
Ilhas Faroe
22,0
10.770
São Vicente e Granadinas
9,5
10.519
Granada
8,7
9.821
São Tomé e Príncipe
4,4
9.724
São Cristóvão e Nevis
16,1
8.573
Bahamas
1,8
7.000
Liechtenstein
16,0
6.100
Anguilla
35,6
5.348
Gâmbia
0,2
5.345
Groenlândia
9,0
5.130
Maurício
0,3
3.843
Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha
51,2
3.107
Kosovo
0,000
2.500
Gabão
0,1
2.433
Ilhas Malvinas ou Falkland
62,8
2.187
Cabo Verde
0,4
2.184
Namíbia
0,082
2.094
Mauritânia
0,029
1.366
Montserrat
26,1
1.306
Trinidade e Tobago
0,071
991
Mali
0,003
643
Brunei
0,078
340
Armênia
0
0
Benin
0
0
Bósnia-Herzegóvina
0
0
Botsuana
0
0
Burkina Fasso
0
0
Burundi
0
0
Camarões
0
0
Chade
0
0
Comores
0
0
Congo
0
0
Coreia do Norte
0
0
Cuba
0
0
Djibuti
0
0
Eritreia
0
0
Eswatini
0
0
Etiópia
0
0
Fiji
0
0
Guiné-Bissau
0
0
Haiti
0
0
Iêmen
0
0
Ilhas Cook
0
0
Ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul
0
0
Ilhas Pitcairn
0
0
Ilhas Salomão
0
0
Ilhas Virgens Britânicas
0
0
Kiribati
0
0
Lesoto
0
0
Libéria
0
0
Líbia
0
0
Madagascar
0
0
Nauru
0
0
Nicarágua
0
0
Níger
0
0
Niue
0
0
Papua Nova Guiné
0
0
Quirguistão
0
0
República Centro-Africana
0
0
República Democrática do Congo
0
0
Samoa
0
0
Síria
0
0
Somália
0
0
Sudão
0
0
Sudão do Sul
0
0
Tadjiquistão
0
0
Tanzânia
0
0
Território Britânico do Oceano Índico
0
0
Timor Leste
0
0
Tonga
0
0
Toquelau
0
0
Turcomenistão
0
0
Tuvalu
0
0
Uzbequistão
0
0
Vanuatu
0
0
Vaticano
0
0
Zâmbia
0
0

Na América Latina, quem está à frente é o Chile, com 37%. E mesmo com o avanço expressivo da vacinação por lá, o país sul-americano também tem enfrentado um colapso no sistema de saúde, o que indica que a contenção da pandemia precisa ser associada a medidas eficazes de distanciamento social e uso universal de máscaras capazes de evitar a infecção.

A estratégia de lockdown e vacinação acelerada juntos foi adotada por Israel e Reino Unido, dois dos países mais bem-sucedidos até aqui em reduzir o número de mortes e imunizar rapidamente a população.

O ritmo de vacinação no Brasil tem melhorado, mas está longe da capacidade instalada do país, reconhecido internacionalmente por programas massivos e eficazes de imunização.

Desde 17 de janeiro de 2021, o Brasil só superou duas vezes a marca de 1 milhão de vacinados por dia. Mas isso ainda é menos da metade da meta brasileira. "Nós temos 37 mil salas de vacinação no Brasil, que podem vacinar até 2,4 milhões de brasileiros todos os dias. Esse é o objetivo", afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em audiência na Câmara dos Deputados em 31 de março de 2021.

A aceleração das aplicações esbarra em um problema mundial: a falta de vacinas.

No caso brasileiro, isso se agravou porque o governo Bolsonaro recusou sucessivas ofertas da Pfizer, apostou todas as fichas na vacina AstraZeneca-Oxford, boicotou a Coronavac por disputas políticas com o governo de São Paulo e só decidiu comprar outras vacinas quando a fila de países compradores já "dobrava a esquina".

O cronograma atual do Ministério da Saúde prevê a entrega de 154 milhões de doses no primeiro semestre de 2021, considerando apenas vacinas aprovadas pela Anvisa: Coronavac, AstraZeneca-Oxford e Pfizer.

Isso seria suficiente para imunizar o grupo prioritário inteiro, mas não significa que todas essas 78 milhões de pessoas estariam vacinadas antes de julho — o Brasil tem conseguido aplicar apenas metade das doses disponíveis e há um intervalo de semanas entre a primeira e a segunda dose.

Além disso, em razão dos atrasos recorrentes de importações e entregas e da alta demanda internacional por vacinas, parte dos especialistas vê com ceticismo o cronograma de 154 milhões de doses no primeiro semestre.

"Com o pé no chão, até o meio do ano você vai ter uma vacinação provavelmente de quem tem mais de 60 anos e provavelmente pode avançar um pouco mais na faixa dos 50 anos, incluindo também outros profissionais em risco. É isso que nós vamos ter até o meio do ano. Estamos falando de 40 ou 50 milhões de pessoas. E 100 milhões de doses de vacinas", afirmou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, em entrevista ao jornal Valor Econômico em 4 de abril de 2021.

Cronograma previsto de entregas mensais de vacina contra covid-19. Em março, governo Bolsonaro mudou cinco vezes previsão de doses abaixo, em milhões.  .

É importante ter em mente que tudo pode mudar.

A tendência, até o momento, é que o início da vacinação dos adultos não prioritários deva acontecer pelo menos em meados do segundo semestre de 2021, enquanto a de jovens com menos de 25 anos deve acontecer só em 2022.

 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56661590 




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