O Brasil não quebrou
O Brasil não quebrou, mas está a caminho e Bolsonaro precisa ser contido
"O que Jair Bolsonaro busca é um álibi preventivo para o plano que vem conduzindo de destruição nacional", diz o jornalista Leonardo Attuch, editor do 247
Carteira de trabalho, Bolsonaro com Paulo Guedes e fila por emprego (Foto: Rafael Neddermeyer/Fotos Publicas | Reuters)
A expressão "Brasil quebrado" não é algo que surpreenda. O Brasil quebrou nos anos 80, com o colapso da dívida externa, quebrou no início do governo Collor, com o calote na poupança, e quebrou três vezes no governo Fernando Henrique Cardoso, com sucessivas idas ao Fundo Monetário Internacional.
Quebrado estava, portanto, em janeiro de 2003, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo com muitas apostas, no mercado financeiro, de que seria "Lula, o breve". Apostava-se que ele levaria o País a um novo calote internacional – o que jamais aconteceu. Ao contrário, Lula e sua equipe econômica acabaram com a dívida pública dolarizada, organizaram as contas externas, acumularam reservas e o Brasil viveu seu maior ciclo de prosperidade econômica com democracia. O resultado foi a conquista do "grau de investimento", selo de bom pagador, em consequência da solidez tanto nas contas internacionais, como nas contas internas.
Após seu governo, a sucessora Dilma Rousseff enfrentou um quadro internacional mais desafiador, mas, ao contrário da farsa propalada pela imprensa corporativa, que foi parte decisiva no golpe de 2016, esteve longe de "quebrar o Brasil". No período em que efetivamente conseguiu governar, entre 2011 e dezembro de 2014, Dilma manteve produziu superávits primários, manteve a dívida interna estabilizada e reforçou a política de acumulação de reservas internacionais. Seus "pecados" foram entregar a menor taxa de desemprego da história e vencer uma reeleição presidencial contrariando as expectativas do empresariado nacional e de grandes interesses internacionais – notadamente no setor do petróleo. A recessão a ela atribuída nos anos seguintes deve-se a dois fatores: Lava Jato e sabotagem no Congresso.
O Brasil começou a quebrar, efetivamente, a partir do governo Temer/FHC, instalado em maio de 2016, e este processo se aprofundou a partir do governo Bolsonaro/Maia, que tomou posse em janeiro de 2019. Governo "Temer/FHC" porque Michel Temer foi, na verdade, fantoche do PSDB, num golpe orquestrado por Fernando Henrique Cardoso. Foi FHC quem indicou Pedro Parente para o comando da Petrobrás, de onde resultou a maior crise do período: a greve dos caminhoneiros, que foi consequência da mudança de preços de combustíveis – uma exigência das petroleiras internacionais que foram aquinhoadas com a entrega do pré-sal e dos campos nacionais de petróleo. Além disso, com o "teto de gastos", o Brasil praticamente zerou o investimento público, ampliando ainda mais o desequilíbrio fiscal por ter se tornado incapaz de crescer e, portanto, de aumentar a arrecadação fiscal. A mágica retórica de Temer para se proclamar "responsável fiscal" foi ampliar sua margem de manobra. Se a meta do País era pesar 100 quilos, com Temer passou a ser 200 quilos e bastava chegar a 199 para estar "dentro da meta" aprovada pelo Congresso.
O resultado da desastrosa gestão Temer/FHC foi o aumento significativo da dívida interna e a continuidade da estagnação econômica. A prometida "volta da confiança" continuou a ser uma promessa. No entanto, alguns caíram no conto do vigário de que a confiança voltaria então no governo do consórcio Bolsonaro/Maia. Sim, um consórcio, porque Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia são cúmplices no projeto de destruição do estado brasileiro. Bolsonaro por interesse, Maia por convicção ideológica. Ambos dão sustentação a Paulo Guedes, que defende a tese de que o avião Brasil deve voar com apenas uma turbina: a do setor privado, desligando-se completamente a do setor público. O resultado está aí: desemprego recorde, estagnação econômica e a inflação rondando perigosamente.
Ah, mas houve uma pandemia no meio do caminho. É fato, mas foi ela que salvou o governo de seu próprio fracasso. Sem a covid-19, Bolsonaro não teria um álibi para atribuir sua própria incompetência. E mesmo assim ele ainda não conseguiu quebrar completamente o Brasil. Recebeu mais de US$ 380 bilhões em reservas e ainda tem cerca de US$ 350 bilhões. O Brasil, mesmo mal administrado, é uma economia extremamente dinâmica e resiliente. Mas se Bolsonaro e Maia não forem contidos, o projeto de destruição nacional iniciado por Temer e FHC será consumado, com o Brasil voltando aos braços do Fundo Monetário Internacional ou aos calotes de dívida do passado.