O Brasil que foi às ruas
O Brasil que foi às ruas no Sete de Setembro é o que tomou 7 a 1 e gostou
O maior vexame da seleção fez com que a extrema direita abraçasse seu figurino e dissesse: esse país sou eu
Gregorio Duvivier, FSP, hoje
Se tem uma coisa com que todo mundo concorda, é que teve um momento preciso em que tudo começou a degringolar.
Não que nossa história já não fosse, desde o início, uma grande degringolada. Mas houve uma época em que o dia de hoje parecia melhor que o de ontem, e amanhã, então, nem se fala. A tranquilidade se via no pagode: deixa acontecer naturalmente, deixa a vida me levar, deixa estar, até que...
Até que alguma coisa aconteceu —e não foi naturalmente. Foi ali nos anos 2010, durante o governo Dilma. Tem gente que acha que foi o próprio governo Dilma. Tem gente que culpa o Aécio, não reconhecendo a vitória da Dilma; tem gente que culpa o impeachment da Dilma. Tem gente que culpa as manifestações de junho de 2013. Tem gente que culpa o fim do Exaltasamba em 2012.
Desculpem, mas sei precisamente o dia em que tudo mudou. Teve um dia em que o Brasil inteiro parou para assistir ao mesmo espetáculo, e foi tão épico quanto trágico, tão inacreditável quanto irreversível.
Foi no dia oito do mês sete, precisamente às 17 horas. Faz sete anos que o Brasil parou pra ver a seleção brasileira tomar sete gols da Alemanha. Foi ali que alguma coisa se quebrou, pra sempre, como um espelho, e deu início a, pelo menos, sete anos de má sorte.
O mais curioso é que foi a partir dali que uma parcela do país adotou o uniforme da seleção —o mesmo do sete a um— como o seu avatar.
Até então, a camisa amarela não tinha ideologia: todo brasileiro tinha orgulho dela, até quem não gostava de futebol, até quem odiava a CBF (o país inteiro).
Depois do sete a um, o uniforme foi abraçado por quem votaria, curiosamente, no 17. O maior vexame da seleção fez com que a extrema direita abraçasse seu figurino e dissesse: esse Brasil sou eu, e seu uniforme será meu manto.
Faz sentido. Dizem que o fascismo nasceu da humilhação que os italianos sofreram na Primeira Guerra: é uma ideologia dos derrotados, daqueles que encontraram um gozo na própria humilhação, daqueles que disseram: “Perder uma guerra? Eu acho é pouco”.
A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa, depois como GIF, teria dito Marx (não sei se Groucho ou Patricia). O Brasil que foi às ruas neste Sete de Setembro é o Brasil que tomou uma goleada —e gostou.
Sete gols? Eu acho é pouco. Então aplaude a volta da fome, celebra a inflação, cultua o incêndio, espalha o vírus, boicota a vacina e ri dos enlutados. 600 mil mortos? Eles acham é pouco.