O desastre escolar
O desastre escolar
Há 130 anos o ensino no país segue “quase o mesmo”, escreve pesquisador. Por quê?
08/07/2023
Por Norton F. Corrêa
Doutor em Antropologia, autor de “O Batuque do RS” (1992) e “7 Mentiras sobre a Escola Brasileira” (2004)
Abordo, aqui, com um olhar antropológico, o Ensino Fundamental e Médio brasileiros. São ideias extraídas do meu livro 7 Mentiras sobre a Escola Brasileira (Ed. Cultura e Arte). Mentiras, graças à velha, constante e inútil produção de maquiagens, truques e reformas, por parte do oficialismo, para tentar eliminar as perenes e altas taxas de reprovação, repetência e abandono dos alunos quanto à escola.
Antropólogo, em 1969 iniciei pesquisas de campo intensivas sobre o batuque do Rio Grande do Sul, o que me proporcionou considerável experiência profissional. A partir de 1973, lecionei durante 16 anos em escolas públicas, o que me permitiu fazer observações em várias salas de aula, conviver com alunos e professores, acompanhar muitas reformas do ensino e ações do Ministério da Educação (MEC). Em 1990, fui lecionar na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís, onde pude constatar reflexos do desastre da escolar.
O filósofo Auguste Comte propôs, em 1842, uma metodologia com base em minuciosa e sistemática observação e experimentação para dar explicações reais (por isso positivas) para os fenômenos naturais. Esses seriam classificados em categorias identificáveis para criar uma linguagem científica universal, o que revolucionou a ciência da época. Indispensável, para ele, pois vista como alicerce do saber, era a Matemática, seguida da Física e da Biologia. Comte defendia que fossem “organizadas” as sociedades humanas para que houvesse “progresso”. Por suas ideias, alta inteligência, domínio de várias áreas do conhecimento, foi literalmente endeusado por muitos intelectuais do Ocidente, na época, incluindo o Brasil. Exemplo da enorme força do positivismo, aqui, é a frase inscrita no que é visto como maior símbolo de nossa nacionalidade, a bandeira brasileira: “Ordem e Progresso”.
Após a proclamação da República, Benjamin Constant, seu principal articulador, foi nomeado Ministro da Instrução (Educação). Positivista ferrenho, implantou a doutrina no sistema de ensino. Da herança positivista escolar temos a obsessão pela Matemática, com sua montanha de operações altamente complexas, fórmulas, classificações, nomenclaturas. Em Biologia, ênfase em classificações. Em Português, idem, sendo mais importante decorar dados gramaticais do que aprender a ler e a escrever. Ao que parece, a intenção do construtor desses currículos foi fazer dos alunos “novos Comtes”. Efetivamente, há muito espaço para decorar e pouco para criar.
A escola brasileira não prepara o aluno para a vida, pois, após 12 anos de estudo, ele não consegue emprego com o que foi obrigado a aprender. O discurso constante, escrito e falado, tipo “preparar o aluno para o exercício da cidadania”, “inseri-lo na sociedade”, “educação crítica e libertadora” etc. é catártico, pois impossível de realizar face à feição paquidérmica, retrógrada e de imobilidade do sistema de ensino brasileiro. É, pois, um sonho que pode ser o suficiente para inibir ações.
A maciça maioria dos conteúdos inúteis aprendidos vão para os porões do cérebro e são esquecidos com tempo. A tão elogiada Matemática – pois tida como indispensável para desenvolver a inteligência – é a campeã desses conteúdos e a que mais reprova. Não é ser contra isso, mas, isso sim, questionar em que nível são exigidos quanto ao público escolar. Se complexos, que vão para a universidade, onde o ingresso é voluntário, enquanto que a escola, por lei, é obrigatória.
Dos 10% mais pobres da população brasileira, 80% são negros, e a maior parte deles não tem renda para pagar professores e faculdades particulares. Sem diploma de nível Superior, só empregos mal pagos, o que gera um círculo vicioso de pobreza do qual é muito difícil sair. Eis as grandes vítimas da ineficiência da escola brasileira.
O núcleo duro da escola brasileira tem 130 anos, e quase tudo continua no mesmo. Vale perguntar as razões de as coisas permanecerem como estão. Faltou e falta coragem das sucessivas autoridades educacionais para resolver efetivamente o problema? Ou as dificuldades oferecidas pelo inútil são na verdade barreiras para impedir a ascensão social dos pobres?
Afinal, as crianças estão mais inteligentes do que antes? Especialistas dizem que sim
Acesso a informação e qualidade de estímulos são apontados como motivos para os pequenos estarem mais espertos do que nunca
10/6/2023 PEDRO ZANROSSO
Há poucos dias a pequena Celina Boff, de três anos e dois meses, pedia “guava” para a mãe, que não entendia o que a filha queria. Com a fala já bem desenvolvida, era estranho que a criança apontasse para a goiaba e não pronunciasse o nome da fruta corretamente.
— Disse para que ela falasse direito, pois já é grande para isso e sabe dizer perfeitamente. Foi quando botou as mãos na cintura e me questionou como eu não sabia que “guava” significava goiaba em inglês — conta a mãe, a dermatologista caxiense Camila Boff, 35.
A surpresa de Camila com o conhecimento precoce da filha é compartilhada por pais que presenciam crianças com menos de dois anos contando até dez, reconhecendo cores primárias e ensaiando palavras em outro idioma, por exemplo. Entre o orgulho e o deslumbre de familiares com a rápida evolução do aprendizado, o comportamento dos pequenos tem motivado um questionamento: estariam eles mais espertos do que nunca?
Para pais, avós e especialistas em educação infantil, a resposta é que sim. E isso passa, entre diversos outros fatores, por aspectos que vão da evolução da sociedade à própria nutrição das crianças.
— Minha mãe já disse que eu não era assim, então, acho que realmente as crianças estão mais espertas. Ela (a Celina) nos coloca no bolso. Quer explicações elaboradas que, às vezes, não estamos preparados para tanto — diz a dermatologista.
A sagacidade de Celina no alto dos seus três anos está ligada, segundo o doutor em psiquiatria especializada em infância e adolescência e ciência do comportamento Thiago Rocha, de Caxias do Sul, ao acesso facilitado a informação e ao conhecimento adquirido e repassado entre as gerações. Além disso, a menina atravessa o período da pré-infância e o momento é de grande plasticidade cerebral, que registra evoluções rápidas e que encantam quem tem o privilégio de observar.
– Nessa fase, as crianças estão muito abertas a receber e absorver os estímulos. Ganhamos em média 3,5 pontos de Q.I (quociente de inteligência) por década. Temos um acesso mais precoce ao conhecimento que antes tínhamos só através do professor ou da família. A possibilidade de aprender está mais dinâmica – afirma Rocha.
Fundamental para a evolução cognitiva dos bebês, a conexão afetiva também evoluiu nos últimos anos. Pais mais atentos e emocionalmente disponíveis para os filhos contribuem para o despertar intelectual dos bebês.
— As interações ganharam em qualidade e estão dando uma base mais forte para o desenvolvimento. É um período de avanço, os pais estão mais preocupados com a repercussão de suas ações, quando no comparativo com outras épocas esse papel ficava mais concentrado na figura materna — explica o médico.
CONEXÃO AFETIVA
Descer ao nível da criança, sentar-se no chão e desacelerar o tempo à espera de criativas respostas. O cuidado e o olhar atento ao ser que se desenvolve a cada dia aumenta a perspectiva sobre a educação das crianças e a percepção delas estarem crescendo rápido demais.
A psicopedagoga caxiense Salete Anderle concorda que a comunicação afetiva esteja alterando a capacidade emocional dos pequenos e dando base para um desenvolvimento ágil e saudável.
— As crianças passaram a ser observadas de uma outra forma. Todos, sem exceção, são mais espertos e autônomos atualmente porque “pegam no ar”. A dificuldade está no adulto entender que a criança dá conta do seu crescimento e quer ser estimulada a solucionar seus problemas — afirma Salete.
Mudanças na educação e olhar mais atento
Vista como um adulto em escala reduzida até o início dos anos 1990, a criança era diferente dos mais velhos apenas no tamanho e na força. A importância dada a ela era de que crescesse para enfrentar a vida adulta. Foi a mudança de tais percepções que possibilitaram dar identidade a um indivíduo frágil que precisa ter suas necessidades físicas, cognitivas e psicológicas atendidas.
Criado em 1998, o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) norteia o trabalho realizado com crianças de zero a seis anos de idade na Educação Infantil. O objetivo é integrar duas ações que representam o maior desafio de educadores que atuam com crianças dessa faixa etária: o cuidar e o educar. Tratamentos que são estudados por pedagogos como Marcela Muller, diretora da Escola Infantil Xodó da Vovó, no bairro Cinquentenário, em Caxias do Sul, que presencia a transformação da comunicação dos adultos com os mais novos.
— As crianças se comunicam porque nos comunicamos de uma forma diferente com elas. Antigamente, o tratamento dado a elas era para alimentar, brincar e trocar as fraldas. A escola era assistencialista, existia para suprir a demanda das mulheres no mercado de trabalho. Perceber a criança como sujeito e brincar com o propósito também de ensinar, muda tudo — explica a pedagoga.
Mãe da Helena, três, Ariane Pistorelo, 33, se surpreende diariamente com a evolução da filha em diversos aspectos. Do relacionamento com os colegas ao desfralde, tudo aconteceu, segundo ela, mais rápido que o esperado. A escola, na visão da mãe, foi fundamental para o avanço das habilidades de Helena. E acompanhar em casa o que é proposto no ambiente escolar tem auxiliado no progresso da menina.
— Aprendemos junto com a escola e, em função dessa educação mais respeitosa, de ouvir e validar os sentimentos, deixamos que ela se desenvolva e crie seus argumentos. É surreal, podemos conversar de igual para igual com ela, e em alguns momentos, inclusive, ela nos ganha, porque traz um raciocínio imbatível — conta.
Cuidado com a qualidade do estímulo
A inteligência, de uma forma global, é definida pela capacidade de adquirir conhecimento, resolver novos problemas e se adaptar às situações. Para o psiquiatra Thiago Rocha, a sensação de que as crianças estão mais rápidas em raciocínio ocorre naturalmente com o passar das gerações. No entanto, o estímulo para atingir o máximo da capacidade deve ser respeitado e ocorrer de forma leve.
— As crianças estão melhores de uma maneira geral, mas há outra situação que precisa ser levada em conta: elas nunca foram tão estimuladas, e isso pode ser um problema, a depender do conteúdo ofertado. Crianças aprendem a partir da interação com outras pessoas — explicou.
Se afinal até os adultos estão em constante construção a partir da convivência com as pessoas, porque não, então, preservar e estar alerta ao entorno da criança, que a cada dia surpreende com algo novo? Para Salete Anderle estaremos, assim, diante de uma troca, onde o adulto oferece o ambiente e a criança devolve em aprendizado.
— É preciso ser mediador e ter flexibilidade mental para permitir, naquilo que é possível, que a criança faça do seu jeito. O aprender está ligado a memorização, não tem como tirar deles a tecnologia, porque ela é fabulosa, mas é preciso dosar o assistir com o fazer. O mundo virtual é um mundo mágico, mas o mundo real exige pensamento e autorregulação de emoções, é preciso colocá-los também nessas situações — ensina.
Ensino bilíngue facilita o raciocínio lógico
A valorização da autonomia da criança é vista de perto em escolas bilíngues que proporcionam o contato com outra língua, que se não a materna, a partir dos 18 meses. Com professoras que conversam em inglês, crianças no auge da sua plasticidade cerebral chegam ao período de alfabetização com o idioma já familiarizado e pronto para ser explorado também por meio da escrita.
Para além das vantagens de dominar a língua estrangeira, ser alfabetizado em dois idiomas é, para a psicopedagoga Roberta Rauch, da escola Maple Bear, no bairro Santa Catarina, em Caxias, uma forma de desenvolver o raciocínio lógico e a tomada de decisões.
— Eles não compreendem desde o início o que está sendo dito, mas com linguagem visual passam a entender o universo da língua estrangeira. A criança que tem essa oportunidade de imersão consegue desenvolver muitas habilidades de forma mais tranquila. Quem aprende o inglês mais tarde, por exemplo, tem um esforço maior para traduzir, diferente da criança que faz no automático — explica.
Programe-se
A partir de 29 de junho, Caxias recebe dois eventos voltados à educação de crianças e direcionados a pais e educadores. Confira:
- Organizado pela psiquiatra Cristina Conte e pela psicóloga Daiane Gava, o “Quem ama, se orienta” tem extensa programação com quatro encontros para pais (29/06, 03/08, 09/11 e 07/12). Profissionais discutirão práticas clínicas sobre transtornos da infância nos dias 31 de agosto e 16 de setembro. A programação ainda inclui capacitação para professores nos dias 21 e 28 de outubro. As inscrições podem ser feitas pelo linktree, no perfil @projetoseorienta do Instagram.
- No dia 1º de julho, o Sindicato das Instituições Pré-Escolares Particulares de Caxias do Sul (Sinpré) realiza o 1º Simpósio de Educação Infantil. O evento que discutirá saúde mental e emocional na primeira infância traz os psiquiatras Felipe Kalil e Thiago Rocha. O simpósio ocorre no Teatro São Carlos, a partir das 9h, e tem custo de R$ 65. Ingressos pelo Sympla.