O gênio que a mediocridade odeia
PAULO FREIRE, O GÊNIO QUE A MEDIOCRIDADE ODEIA
Exatamente no dia de hoje, cem anos atrás, nascia Paulo Reglus Neves Freire, na cidade de Recife. Ele viria a se tornar um grande educador e filósofo, sendo considerado no mundo todo como um dos mais notáveis pensadores na história da pedagogia. Digno merecedor do título de Patrono da Educação Brasileira, seu trabalho se fundamenta na crença de que a real assimilação do conhecimento por parte do educando depende do uso de uma prática dialética, um contato efetivo dele com a sua realidade. Esse seria o contraponto ao ensino tradicional, que é tecnicista e se torna alienante. Explicando de uma forma absolutamente simplificada, o educando criaria a sua própria educação, seguindo caminhos próprios e não um daqueles que são entregues prontos. Ou seja, a aquisição do conhecimento se tornaria uma forma de libertação, de escapar do que sempre foi alienante ao desconsiderar especificidades e homogeneizar tudo.
Filho de um capitão – parece ironia – e de uma dona de casa, mesmo sendo da classe média, ele passou dificuldades sérias, em especial no período da depressão de 1929, vivenciando pobreza e até fome naquela época. Superando expectativas, conseguiu ingressar na Faculdade de Direito em 1943. Na universidade, aproveitou para ainda se dedicar aos estudos de linguagem e de filosofia. Depois de graduado, optou por trabalhar como professor numa escola de segundo grau, onde lecionava língua portuguesa. Mas suas primeiras experiências, que lhe deram o merecido reconhecimento, ocorreram em 1961. Ele conseguiu alfabetizar 300 adultos cortadores de cana, num prazo de 45 dias, ao aplicar o método inovador que havia desenvolvido. A partir disso, tal recurso foi multiplicado pelo Governo Federal, numa iniciativa batizada de Plano Nacional de Alfabetização. A previsão era ampliar a formação de educadores, com a rápida implantação de 20 mil núcleos espalhados pelo país. O esforço foi abortado pelo golpe ocorrido em 1964 e ele foi considerado um “traidor” pelo governo militar. Acabou preso por 70 dias e depois exilado, primeiro na Bolívia e depois no Chile, onde trabalhou por cinco anos, inclusive para a Organização das Nações Unidas.
Ainda no exílio, escreveu o primeiro dos seus livros: Educação Como Prática da Liberdade (1967). No total foram 20 livros como autor único e outros 13 em coautoria. Entre os que apenas ele assinou se pode destacar ainda Pedagogia do Oprimido (1968) – que foi traduzido para 21 idiomas e vendeu mais de 500 mil exemplares –, Cartas à Guiné-Bissau (1975), Educação e Mudança (1981), A Importância do Ato de Ler (1982), Pedagogia da Esperança (1992), Política e Educação (1993), À Sombra Desta Mangueira (1995) e Pedagogia da Autonomia (1997). Estão liberados na internet pelo menos 17 de suas obras, em PDF. Ele também lecionou em Harvard, nos EUA, e trabalhou como consultor especial na Suíça.
Paulo Freire sempre defendeu a ideia de que o objetivo primordial da escola é “ensinar o aluno a ler o mundo, para poder transformá-lo”. Para tanto, os educadores deveriam fazer com que os alunos tivessem acesso a diversos conteúdos, mas nunca os apresentando como verdades absolutas. Se por um lado dizia que ninguém ensina ninguém, também afirmava que ninguém aprende sozinho. Ou seja, acreditava na educação como uma via de duas mãos, com professores e alunos aprendendo juntos, em relações afetivas e democráticas. Nas suas aulas, a expressão era sempre garantida e incentivada. Ele faleceu em 02 de maio de 1997, no Hospital Albert Einstein, após ataque cardíaco. Seis anos antes já havia sido fundado, também na capital paulista, um instituto que leva seu nome. O objetivo era estender as ideias do educador no Brasil e no exterior, manter protegidos os seus arquivos e realizar atividades que fossem relacionadas com o seu legado.
Paulo Freire foi o brasileiro mais homenageado de toda a história, com o recebimento de nada menos do que 34 títulos de Doutor Honoris Causa em vida e outros cinco in memoriam, de universidades da Europa e das Américas. Em 1986 a UNESCO lhe concedeu o prêmio Educação para a Paz. Amado pela intelectualidade, pela academia e por todos que acreditam que a educação é um dos mais importantes instrumentos de desenvolvimento humano e social, mesmo assim ele virou alvo de ataques gratuitos e ferozes, nos últimos tempos. Mas, considerando quem faz isso, tal atitude enaltece ainda mais a figura do educador. A estupidez dos negacionistas é rasteira demais para que eles tenham sequer noção da real dimensão desse gênio e de sua obra. A mediocridade, além de tudo, é narcisista: só reconhece a pequenez que vê refletida. Os que vão além disso – e não importa o quanto além –, segundo eles, são todos “radicais”.
A “radicalidade” de Freire foi a valorização da nossa cultura, dos saberes do povo, de racionalidade e matrizes próprias da nossa gente. Justo das pessoas que, pela lógica dominante, precisam ser inferiorizadas, “postas em seu lugar”, para que a sua dominação continue acontecendo. Se ser radical é mostrar que há valor, que enfrentamentos devem acontecer no campo do conhecimento, da identidade, da memória e do entendimento do sujeito, tudo bem. De fato, Freire entendia que educação era um ato político, uma vez que permite a leitura do mundo. Mas essa nunca foi uma referência à política partidária e sim ao seu aspecto filosófico, de decisão consciente sobre a vida e sobre o mundo que queremos. Ele defendia a vida, seus detratores apostam sempre na morte.
19.09.2021
Paulo Freire
FONTE:
https://virtualidades.blog/2021/09/19/paulo-freire-o-genio-que-a-mediocridade-odeia/