O “herói” escravocrata
A farsa farroupilha: Bento Gonçalves, o “herói” escravocrata
Segundo artigo sobre a mitologia entorno da Guerra dos Farrapos. A verdade nua e crua sobre seus líderes deificados no imaginário gaúcho
Cassius Vinicius terça-feira 4 de abril de 2017
NOTA AO LEITOR: as palavras que denotam o significado de propriedade em relação a seres humanos foram colocadas em itálico para melhor destacar a repulsiva ideologia da época.
Este é o segundo artigo intitulado Farsa Farroupilha, que tem como objetivo desmascarar o heroísmo fajuto dos líderes farrapos, utilizando como base a perspectiva dos negros escravizados daquela época. Até quando sustentaremos uma mitologia entorno da Guerra dos Farrapos? Até quando os livros didáticos do país, especialmente no estado do Rio Grande do Sul ensinarão os jovens que o combate entre 1835 e 1845 foi um conflito abolicionista e libertário? Até quando os senhores escravagistas serão deificados como libertários do povo gaúcho e de seus negros?
Durante muitos anos o africano escravizado inexistiu na história do Rio Grande do Sul. Muitos historiadores a serviço daqueles que “escrevem a história oficial” fazem seus jovens acreditarem que os escravos eram pouco utilizados na região, e quando falam desses negros sempre tentam ressaltar que no sul, se algum dia houve escravismo, ele se deu de maneira paternal e benigna. Acreditam que o sangue africano tem contribuição insignificante na formação da população sul-rio-grandense. Criaram assim o espantoso mito da “Província libertária”, obra do braço livre, inocente, branco e quase independente da escravidão. Essa ideia corroborou para que os líderes farroupilhas fossem deificados após o conflito que prometia liberdade aos negros, mas que os exterminou sem pensar duas vezes, tudo em nome da paz. Paz entre brancos ricos tanto gaúchos, como apoiadores do império.
Quem foi Bento Gonçalves?
No imaginário gaúcho e nas biografias Bento Gonçalves foi “guerreiro durante a maior parte de sua vida e defensor de ideias liberais, pelas quais lutou durante os quase dez anos”. Essa figura é praticamente cultuada por muitos grupos tradicionalistas do sul do país, e seu nome é lembrado cotidianamente em ruas, praças, museus e etc. Mas quem foi esse líder “libertário e abolicionista” que presidiu a República Rio-Grandense?
Bento Gonçalves era filho de estancieiros ricos. Seu pai possuía terras na Piedade, Triunfo e no Cristal, próximo ao passo de Camaquã. Já sua mãe era neta de Jerônimo de Ornellas, nada mais nada menos que o dono da sesmaria sobre a qual Porto Alegre foi fundada. Com a morte do pai, essas enormes terras foram divididas entre Bento e suas irmãs, Ana Joaquina e Antônia.
A decisão de iniciar um conflito
Os grandes estancieiros (futuros líderes farroupilhas) não queriam o separatismo. O objetivo era conseguir mais autonomia para a Província – em outras palavras, mais lucro e menos impostos para os ricos –, através de um Federalismo Monárquico. A ideia de república já existia em várias regiões do Brasil, o Rio Grande do Sul não foi o precursor dessa ideia. Queriam depor o presidente da província e colocar outro em seu lugar que atendesse melhor às exigências dos ricos fazendeiros.
No dia 18 de setembro de 1835, o Venerável-Mestre (título maçom), Bento Gonçalves da Silva reuniu-se com outros ricos estancieiros na Loja Maçônica Philantropia e Liberdade, onde por unanimidade decidiu-se que dali a dois dias, tomariam militarmente a capital, Porto Alegre e destituiriam o presidente provincial, Fernandes Braga. E assim o fizeram na madrugada de 20 de setembro, sem encontrar resistência. Alguns dias depois, nosso “herói da liberdade” leria um manifesto, deixando claro a intenção daquele golpe:
“(...) não nos propusemos outro fim que restaurar o império da lei, afastando de nós um administrador inepto e faccioso, sustentando o trono do nosso jovem monarca e a integridade do império (...)Viva o Sr. D. Pedro I, imperador constitucional do Brasil!”.
Ou seja não havia nenhuma intenção de “revolução” contra o Império do Brasil, não existia nenhuma linha do manifesto pregando a liberdade para todos os homens, e se houvesse, a palavra “homem” significava branco. Fica claro que, Bento Gonçalves era um fiel servo do império do Brasil. A proclamação da Republica Rio-Grandense foi feita por Antônio de Sousa Neto. No entanto, o objetivo principal nunca foi proclamar um estado-nação próprio, e, portanto, separado do Estado brasileiro, mas sim mostrar ao Império do Brasil que as oligarquias gaúchas não estavam nem um pouco satisfeitas com os altos impostos.
Enquanto isso nas terras de Bento Gonçalves...
Como vimos no artigo anterior, a maioria dos negros que lutavam ao lado dos farrapos eram trabalhadores escravizados que fugiram de seus antigos donos (apoiadores do império) e que guerreavam sob a promessa de receberam sua liberdade. Mas como sabemos, para que o trem da guerra pudesse continuar a funcionar, era preciso ter dinheiro para comprar armamentos e comida. O líderes farroupilhas possuíam enormes extensões de terras e nessas estâncias (fazendas) o trabalho das charqueadas – produção de carne seca e couro – era feita exclusivamente pela mão-de-obra escrava. Ou seja, esses trabalhadores escravizados permaneceram nas fazendas dos líderes durante todo o período de guerra, e a promessa de liberdade não se estendia a eles. Nenhum dos líderes farroupilhas cogitou um dia libertar seus escravos. A promessa era falsa e eram muito pouco os que de fato apoiavam a libertação dos negros. O folclore farroupilha dita que o “herói” Bento Gonçalves libertou os negros que com ele trabalhavam. Mas o documento a seguir prova o contrário.
No Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre, é possível obter uma cópia do inventário do líder gaúcho. Um documento onde ele deixou a seus filhos os seus maior pertences. E nesse documento o abolicionista deixa mais de 30 escravos como herança para seus filhos.
Em um inventário o valor total dos bens avaliados é denominado de monte-mor, que
no exemplo dado equivale a 57:760$960 (cinquenta e sete contos, setecentos e sessenta mil e novecentos e sessenta réis). Os escravos representam 48% de toda a fortuna do “herói da liberdade”. Por esses dados, fica evidente que o maior patrimônio deixado por Bento Gonçalves não era constituído pela terra nem pelo gado. Eram seus escravos. Os escravos eram bens móveis importantes. Aqui estabelecemos então uma forte relação entre os líderes farroupilhas e o regime escravocrata. Deixando claro que a abolição nunca foi pauta de reunião dos ricos fazendeiros, nem antes nem depois da guerra. A mitologia entorno desse episódio é tão grande que quase nenhum dado dos livros de história poderiam ser encarados como verdade sobre seus personagens. Os negros novamente são relegados ao esquecimento e sua história inventada para limpar a imagens dos senhores brancos.
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