O magistério nos envelhece

O magistério nos envelhece

O magistério nos envelhece.

O texto abaixo é de 19 de dezembro de 2020. Exatamente um ano depois, ainda estou preso na plataforma preenchendo notas, como fiz na da rede municipal de Rio Grande. A política de aprovação em massa faz a alegria do Mercado. acalma gestores e agrada familiares. O Brasil sentirá o efeito nefasto disto, e do nosso cansaço, em uma década.


O magistério nos envelhece.

Há alguns anos, eu nutria o hábito de, ao receber o meu salário, ir direto numa banca de revistas ou sebos, e gastar parte do que eu ganhava em papel. Eu dizia sempre que estava investindo em mim, e sobretudo me qualificando, me tornando melhor naquilo que me propus a ser: educador

Eu embarcava no ônibus, naquelas tardes de sexta, folhando Le Monde Diplomatique, Caros Amigos, Revista de História da biblioteca Nacional, História Viva, Bienart, Forum e algumas outras publicações que achava pertinente.

Neste tempo todo, andando sempre com uma mochila e livros debaixo do braço, nunca fui chamado nas secretarias de educação (estado e município) para um programa de aperfeiçoamento. Nunca me fora oferecida uma oportunidade de mostrar o quanto eu havia melhorado enquanto educador, no que concerne meu domínio de sala de aula. Também nunca vi nenhuma formação política institucional de médio ou longo prazo do SINTERG ou do Cpers nascer.

Hoje, com a imposição de uma plataforma digital pelo município de Rio Grande, que não agradou nenhum professor, e tornou-se regra para estatísticas e números e para "avaliar o professor" sob critérios nada claros para mim, o que eu percebo é que perdi parte do meu tempo. E o meu tempo, infelizmente, não tem volta.

Não falo de mim enquanto ser humano e não me arrependo da década que fiquei numa universidade federal, entre graduações, especialização e mestrado e mais dezenas de seminários, cursos de extensão e formações.

Ficar dez anos conciliando trabalho e estudo não foi perda de tempo, e sim, um investimento duro naquilo que eu acreditava. Eu estava e sempre estive comprometido em me tornar um educador e não apenas mais um professor concursado.

Muitos (a imensa maioria) dos meus colegas de graduação nunca publicaram uma linha nas redes sociais: escreveram para a academia, redigiram para teses e construíram ou tentaram construir, lucrativas carreiras no ensino superior. Eu sempre escrevi e sempre vou escrever nas redes sociais por obrigação de devolver à sociedade, parte do que ela investiu em mim desde 1982, quando entrei na escola pública. Eu acredito e provo que acredito em Educação Popular, e acesso democrático ao conhecimento.

Para além disto, me considero sim, um ótimo professor de História, um bom professor de Arte e funcional enquanto professor de Sociologia, quando me oferecem esta disciplina.

Por que eu estou escrevendo isto? Porque mais uma vez, como em todo o fim de ano, tenho gastado meu tempo realizando uma função que não é a minha: a burocracia. Cadernos de chamada, notas, informações, avaliações, e no caso do município de Rio Grande, que ainda é de uma pobreza pedagógica imensa, uma plataforma não funcional, que em nada garante a melhoria da qualidade do serviço prestado na sala de aula, mas que aumentou em 20% o trabalho de cada professor.

Enquanto deveríamos ser poupados por sobrevivermos a um ano difícil, a SMED (de Rio Grande) e o governo municipal esperaram passar as eleições para lançar uma plataforma imposta, impopular, paquidérmica, inútil e burocrática, e que esta massacrando os professores. Não pense que houve debate, construção coletiva. Foi no grito e na anuência com muitos colegas da burocracia escolar das próprias escolas, que se construiu este elefante branco disfuncional. Coisa de burocrata que nada entende de educação para a vida e de professor deslumbrado que se acha o dono da Casa grande. Com o silêncio do nosso sindicato (SINTERG) sobre a plataforma imposta há 16 dias, completou-se o clico da incestuosa relação de poder daqueles que não veem professores como gente: ou são só máquinas, ou são apenas votos na urna para sustentar mandatos umbilicais.

Na nossa carreira, não são somente os baixos salários. É tudo o que nos envolve: sindicatos hermeticamente fechados e burocratizados com as mesmas direções por 20 ou 30 anos. Secretários de educação sem visão de longo prazo e que quando tem esta visão, montam uma equipe dos mais terríveis burocratas escolares, que agora teorizam sobre aquilo que nunca conseguiram fazer: educar. Quando a equipe administrativa é boa (e tem gente boa sim), há o problema do conservadorismo da rede: professores sem nenhuma formação política, mantidos na ignorância política propositalmente para eleger a mesma direção sindical no cabresto.

Nas escolas, gestores que não enxergam que perderam o seu comprometimento com a sua classe, a trabalhadora, completam a desgraça.

O magistério tornou-se enfim um campo perfeito para quem não acredita em educação. O baixo salário é apenas mais um detalhe da lista infindável de problemas e de coisas inomináveis que vivenciamos, engolimos e não digerimos. Por isto, por esta indigestão que não cessa, o magistério nos envelhece.

Não precisamos de plataformas digitais paquidérmicas e ineficazes. Isto o mercado faz, a FIESP e a FIERGS aplaudem e a RBS elogia. Precisamos de professores lendo, debatendo, aprendendo e ensinando e sim, se aperfeiçoando para ensinar. Não somos dados, nem ferramentas de algoritmos, muito menos máquinas

Somos seres humanos: temos emoções, sentimentos, e diferente de qualquer burocrata da gestão ou do sindicato, enxergo alguma alegria na vida. Eu sou um ser humano, tenho noção de que sou um ser vivo na busca do prazer de viver e comprometido com uma educação que é educar para a vida. Eu espero que muitos pais, responsáveis por crianças e adolescentes, educandos, e sobretudo professores, consigam sentir o quanto eu lamento tudo isto.

A burocracia e os burocratas nos matam. Eles matam a educação, matam a alegria, matam o sorriso, mas eu insisto: eu sobrevivo.

Fabiano da Costa.

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“Cabe a nós refazermos o rumo.

(...) E quanto à velha burocracia sindical? Ela já escolheu seu rumo: coexistir com a Casa grande e com os patrões, ocupando o nada nobre cargo de capataz da fazenda escravagista”.

Uma pessoa pedindo comida é um absurdo, sobretudo em um país que produz 15% da alimentação global.

Quando os militares, a mando de Washington, deram um Golpe em João Goulart, derrubando um presidente democraticamente eleito e com amplo apoio popular, eles também golpearam simultaneamente três soberanias: a nacional, a popular e a alimentar. Desde os Golpes de 1954 e 1964, e com a não implementação das reformas de base, nosso povo passa por ondas sazonais de fome.

Ao ver, hoje pela manhã, um rapaz (com os seus quase 40 anos) e sua mãe (uma senhora idosa e com sérias limitações de mobilidade) pedindo comida nas casas, o sentimento que nutro, é o da revolta. Não por termos de exercer a solidariedade e assumir o papel do Estado. Mas a revolta por termos ausência de Estado, num país onde o alto oficialato recebe proventos de até 66 mil mensais e a Classe política, que se tornou carreira, é sem dúvida, a mais corrupta do mundo.

É preciso ter a distinção, muito clara, de quem realmente quer mudar este país. Falo de mudar sua História, radicalizar sua democracia, para enfim, construir suas três soberanias. É necessário abrir mão de qualquer ideia umbilical em prol de um bem maior. Tenho plena convicção que a grande maioria da Esquerda institucional não está aberta a isto, como a Direita nunca esteve.

Quem frauda eleições sindicais, ou torna o processo viciado, quem se institucionaliza na política, querendo benefícios que não os da Classe trabalhadora, que não os que assegurem o bem para os trabalhadores, não quer mudar este país e nem o mundo. A velha burocracia sindical e os velhacos institucionais da Esquerda tradicional (estes mesmos de sempre) não querem mudar este país. Talvez, quiçá, nunca tenham tido esta intenção. Querem, enfim, o mesmo que o Alto oficialato, a grande magistratura e a nata do Crime Organizado do Colarinho Branco querem: assegurar ganhos pessoais.

Vou repetir aqui, o que afirmei em uma carta aberta em 1999: é preciso refundar a Esquerda brasileira.

Refundar com os anarquistas, com os religiosos ecumênicos, com os setores de Centro da sociedade civil, e até (pasmem) com a pequena burguesia democrática e progressista que compreende as causas identitárias.

Precisamos dos jovens, precisamos das minorias, mas precisamos sim dos velhos comunistas, dos saudosos trabalhistas, da eterna contracultura.

Ao ver, um rapaz e sua mãe pedindo comida nas casas, outro sentimento que nutro, é o da indignação. O da indignação de quem conhece a História deste país, e por conseguinte, a sua história de massacres aos indígenas, exploração da mão de obra cativa e da repressão aos trabalhadores assalariados. A miséria dialoga não só com o terrível mandato de Jair Bolsonaro, e a sua política de entrega ao Capital privado, mas com a tradicional ausência de políticas públicas que visem erradicar a miséria e socializar a riqueza gerada pelo trabalho.

Um país que entrega um poço de petróleo por 6 milhões, um terminal portuário por 200 mil e uma empresa de energia por 100 mil reais, não só entrega o patrimônio do seu povo aos interesses escusos do Capital privado e redistribui a fome: ele decreta a miséria das próximas gerações que virão, que nascerão sem nada.

No dia 20 de novembro, dia da Consciência negra, vale lembrar que no Brasil, só houve uma forma de “democracia racial”: a da Casa Grande. Esta democracia, a das oligarquias, socializou a miséria, generalizou a exclusão e expandiu a falta de moradia, alimento e dignidade a todos e todas. O racismo institucional dialoga perfeitamente com a aporofobia, a misoginia, e o etarismo do governo Bolsonaro.

Cabe a nós refazermos o rumo. Cabe a nós refundarmos a Esquerda, para que ela seja humana, animal e ambiental.

E quanto à velha burocracia sindical? Ela já escolheu seu rumo: coexistir com a Casa grande e com os patrões, ocupando o nada nobre cargo de capataz da fazenda escravagista.

Fabiano da Costa.

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