O Mercado impaciente
POR QUE O MERCADO ESTÁ IMPACIENTE
Da esperança em privatizações e simplificação tributária, segmentos agora assistem, parados, ao processo de aprovação da reforma da previdência
Ana Paula Ribeiro
09/05/2019
O setor produtivo brasileiro segue fora do ranking da consultoria A.T. Kearney que lista os 25 países preferidos dos investidores internacionais. Foto: Paulo Fridman / Bloomberg / Getty Images
Ganhador do Nobel de Economia, o russo naturalizado americano Simon Kuznets, um dos precursores do estudo do desenvolvimento econômico, costumava dizer para seus alunos na Universidade Harvard, nos anos 60, que havia quatro tipos de países: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão — famoso na época pelo rápido crescimento — e a Argentina — que tinha batido nas portas do Primeiro Mundo nas primeiras décadas do século XX e vinha caindo ladeira abaixo. Se estivesse vivo, é possível que Kuznets ficasse tentado a incluir o Brasil em sua lista, como exemplo de país em câmera lenta. Sob os efeitos das decisões de Dilma Rousseff, a economia brasileira teve em 2015 e 2016 sua contração mais profunda em mais de 100 anos, considerando o período de dois anos consecutivos. A recuperação de 2017 e 2018, já com Michel Temer, foi pálida, para dizer o mínimo. E, quando tudo parecia caminhar para um ano melhor, com a agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, o clima de otimismo do mercado com o governo de Jair Bolsonaro foi azedando. Primeiro, porque a aprovação da proposta de reforma da Previdência começou a andar a passos de tartaruga e, mais recentemente, porque ficou claro que o governo tem uma capacidade inata de fabricar uma crise interna atrás da outra. Não precisou de muito mais para que as previsões de crescimento econômico para 2019 começassem a cair e firmassem uma tendência de queda.
O Banco Central publica semanalmente um resumo das expectativas de economistas e analistas de instituições financeiras sobre diferentes índices. A média das projeções de aumento do PIB para 2019 estava em 2,53% na primeira semana de janeiro, um percentual considerável para um país que cresceu 1,1% em 2017 e repetiu o número medíocre em 2018. De lá para cá, a estimativa caiu para 1,49%, após dez semanas consecutivas de revisões para baixo. O Bradesco é uma das instituições que vêm reduzindo as previsões de crescimento. No final do ano passado, o banco esperava que, em 2019, o PIB fosse ter uma expansão de 2,8%. O número já passou por dois cortes neste ano e está em 1,9%. Uma nova revisão, de novo para baixo, será divulgada na sexta-feira 10.
A farmacêutica Roche anunciou que vai fechar uma fábrica no Brasil, mas a justificativa é uma mudança na política global da empresa. Foto: Fábio Rossi / Agência O Globo
Na quarta-feira 8, Guedes esteve pela segunda vez na Câmara para reforçar junto aos deputados a necessidade de aprovação da proposta de reforma da Previdência. A reação imediata dos investidores, tendo o índice da Bolsa de Valores e as taxas de câmbio como parâmetro, foi levemente positiva, mas a visita do ministro da Economia passou longe de desanuviar o clima de desconfiança. O problema não é de mérito. A maioria dos economistas de instituições financeiras concorda com a urgência da reforma. Hoje os brasileiros com mais de 65 anos representam 10% da população. Em 2060, a expectativa é que cheguem a 25,5% do total. Dito de outra forma, atualmente há dez trabalhadores para cada aposentado. No longo prazo, esse número cairá para quatro. Em outras palavras, vai faltar gente para pagar a conta se nada for feito logo. Essa linha de raciocínio é quase uma unanimidade no meio privado.
O que parte dos economistas começa a dizer é que a estratégia do governo talvez tenha sido equivocada. Uma crítica é que o governo errou ao propor uma reforma muito ampla — alterações que devem render uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos. Uma versão menos ambiciosa, como a proposta do governo Temer, poderia ter tido um trâmite mais rápido. A outra crítica é que o governo está esperando a aprovação da Previdência para colocar em prática outros pontos importantes da pauta econômica. “Temos de andar com as privatizações e concessões, com a simplificação tributária e a abertura comercial. Temos uma agenda complementar à Previdência e é o que vai produzir o crescimento sustentável, mas essa discussão está bloqueada”, afirmou Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco. No front externo, o cenário tampouco é promissor. A crise econômica na Argentina já está afetando as exportações do setor automobilístico brasileiro. E as pesquisas que mostram Cristina Fernández de Kirchner com chances de vencer Mauricio Macri nas eleições presidenciais de outubro deste ano estão longe de ser positivas para parceiros comerciais.
“O MERCADO ESPERAVA DESENROLAR TEMAS IMPORTANTES, COMO PRIVATIZAÇÕES, SIMPLIFICAÇÃO TRIBUTÁRIA E ABERTURA COMERCIAL. ESTÁ TUDO EM COMPASSO DE ESPERA ATÉ A APROVAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA”
Com a conjuntura no Brasil ainda incerta, chega a ser surpreendente o fato de o investimento estrangeiro direto, aquele feito na expansão ou construção de novas fábricas, estar crescendo tanto em termos absolutos como em relação ao PIB. Nos 12 meses até março deste ano, o Brasil atraiu R$ 88,5 bilhões (valor equivalente a 4,72% do PIB), ante R$ 68,2 bilhões nos 12 meses anteriores a março de 2018 (3,4%). O dado mais recente não chega a ser alentador. A consultoria A.T. Kearney elabora um ranking com os 25 países preferidos dos investidores, chamado de Índice Global de Confiança para Investimentos Estrangeiros (FDI Global Index, na sigla em inglês). No último, o Brasil nem aparece na lista. Mas os números do Banco Central tampouco são desesperadores. A situação atual do Brasil é consequência da transição de um modelo econômico para outro. O crescimento deixou de ser guiado pelo gasto público e por subsídios, e o país agora procura criar o ambiente para que o protagonista seja o setor privado. “Esse é um movimento que começou com o governo Temer, ao criar o teto de gastos. Para mobilizar o setor privado, é preciso uma redução da incerteza. Por isso é importante a agenda de reformas, para dar um dinamismo maior”, disse Honorato.
Em fevereiro, a Ford anunciou o fechamento de sua fábrica em São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo, o berço da indústria automobilística do país. O desempenho econômico brasileiro certamente não ajudou, mas a iniciativa de vender a fábrica teve a ver com a decisão da montadora americana de encerrar a produção de caminhões na América do Sul. Nessa mesma linha, o grupo farmacêutico suíço Roche anunciou, em março, o fechamento de sua fábrica no Rio de Janeiro num prazo de quatro a cinco anos. O motivo é uma mudança no portfólio de medicamentos da companhia. A fábrica no Rio produz remédios considerados de baixa complexidade. Interpretar essas saídas como um êxodo de empresas do Brasil neste momento é um erro. Mas, caso o Congresso não passe uma reforma da Previdência que retire o país da rota da ruína fiscal, ninguém pode garantir que não haverá um movimento de “Bye bye, Brazil”.
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