O mundo caducou

O mundo caducou

O mundo recente caducou

Hoje partilhamos coletivamente uma sensação de perda, já que a pandemia mudou tudo

MÁRIO CORSO

Casais que se separam fazem normalmente uma nova tentativa. Voltam por não querer acreditar que algo que foi tão grande e importante possa ter acabado. Voltam apostando que podem reacender a chama do amor. Querem que as boas memórias sobressaiam sobre o presente. Raramente dá certo.

Ninguém consegue viver do passado. Se algo acabou, tinha suas razões e elas voltam para encerrar de vez um ciclo. O casal terá que assumir que o romance já não funciona mais e se separar de vez. Terão, cada um por si, que enfrentar a dor da separação, porque o passado não move moinhos.

E assim é com tudo. Queremos voltar aos anos dourados da infância, aos bons tempos da juventude, da grande família reunida. Queremos viver outra vez dias perdidos. Os humanos são saudosistas na essência. Temos uma enorme dificuldade de admitir que o passado viverá apenas na lembrança.

Hoje partilhamos coletivamente uma sensação de perda. O mundo do verão e o ano de 2019 parecem ter sido em outra vida. A pandemia mudou tudo. Gostemos ou não, assim é que é.

Temos uma enorme dificuldade de admitir que o passado viverá apenas na lembrança

Assisti a uma carreata no último fim de semana que pedia a volta da normalidade. A questão é: quem não iria querer? Estamos encerrados e aborrecidos em casa, quem não quer sair para trabalhar e depois tomar um chope com os amigos?

O drama dessas pessoas, que fazem essa exigência, é não se dar conta de que se tudo reabrir, além de ser um risco absurdo para a saúde, não voltará à antiga normalidade. Conseguem imaginar quem vai sair para comprar um sapato? Ou para trocar de carro? Ou ainda encher um restaurante? Quem vai gastar e fazer dívidas se não sabe como vai pagar? O futuro é incerto, as pessoas só vão gastar no essencial.

Mesmo se abrir, as pessoas estão com medo. Aliás, as pessoas da carreata estavam com máscaras e dentro dos seus carros, portanto, com medo também. Acreditaria mais em uma passeata a pé e sem as medidas preventivas. Embora não ache que deva ser feita.

A economia já sofreu o terremoto. A pandemia instalou uma catraca, para trás gira em falso. Não é no Brasil, é no mundo. Portanto, não adianta fazer a roda girar ao contrário, pois não teremos o cenário anterior. Não adianta fingir que o ontem está disponível.

Vai se sair melhor quem primeiro se der conta e fizer o luto. Quem entender que o momento é outro tem mais condições de inventar algo novo. O empresário brasileiro gosta de falar de empreendedorismo, de motivação e desafio, pois bem, é a hora. É momento de reinventar, de ser criativo e descobrir como produzir na e apesar da crise, como se adaptar aos novos tempos.

A história humana é assim, temos inúmeros momentos de ruptura. Guerras, revoluções, perseguições, pandemias e desastres naturais arruínam nossa vida e temos que reconstruí-la. Nos tocou esta crise, vamos pensar em como sair dela. Juntos conseguiremos."

 




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