O novo Fundeb 2021

O novo Fundeb 2021

Uma política consolidada de enfrentamento das desigualdades educacionais

A promulgação, em 20 de dezembro de 2020, da lei de regulamentação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB, na forma da Lei Federal nº 14.113/2020, é a marca de inauguração de um novo capítulo do financiamento da educação brasileira. Alicerçada na Emenda Constitucional nº 108/2020, aprovada em agosto do mesmo ano, a lei de regulamentação dá novas configurações a uma política pública consolidada nas últimas décadas, com reflexos diretos na oferta de ensino em todo o país. Contudo, mesmo que seja inegável a promoção de equidade educacional com as novas regras, há ainda uma série de indefinições que precisarão ser resolvidas nos próximos dois anos e que vão requerer ação dos movimentos sociais em defesa da educação pública de qualidade.

Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada (IBSA) apresenta um novo estudo de estimativas das receitas e regras básicas de uso dos recursos do FUNDEB para os municípios paulistas no ano de 2021 (com quadros demonstrativos para cada rede municipal). Adicionalmente, neste texto introdutório, são discutidas também as principais mudanças ocorridas no funcionamento do FUNDEB com base na explicação pormenorizada dos novos mecanismos dispostos na Lei nº 14.113/2020, bem como o conjunto de decisões que ainda precisarão ser tomadas até 2023, e que podem nos aproximar ou nos distanciar dos nortes manifestos no Plano Nacional de Educação.

Em primeiro lugar, cabe registrar que o novo FUNDEB é, sobretudo, uma conquista dos movimentos sociais da área da educação, apesar do Governo Federal que vem se opondo, sistematicamente, às garantias constitucionais que vinculam recursos tanto para a Educação quanto para a Saúde. Sua inserção na agenda de votação no Congresso Nacional teve como força motriz a mobilização de diversas entidades representativas da educação de todo o território brasileiro. Entre 2018 e 2020, a votação do FUNDEB na Câmara dos Deputados foi o eixo central de luta dos trabalhadores da Educação. Sob qualquer ângulo de análise da formação dessa agenda, é nítido perceber que enquanto os movimentos sociais pressionaram pela votação de um texto pró-equidade e pró-educação pública, o Governo Federal e parte de sua base parlamentar atuaram como um “freio de desarrumação”, com representantes do Ministério da Economia chegando a defender o fim do FUNDEB e das garantias constitucionais de recursos para a Educação. No momento em que a votação do FUNDEB era uma realidade inadiável, o Governo Bolsonaro atuou pela desidratação da complementação da União, pela retirada de preceitos educacionais medulares e pela inclusão de mecanismos perversos como vouchers para a educação particular e como o incentivo para matrículas em instituições religiosas. 

A crescente pressão política para a votação do novo FUNDEB deu-se, principalmente, em função do caos educacional que sua descontinuidade produziria. O ciclo constitucional do FUNDEB, iniciado em 2006 com a EC nº 53, tinha validade apenas até 31 de dezembro de 2020. Portanto, salvo votação de renovação, o FUNDEB acabaria e cessariam todos os mecanismos redistributivos inaugurados com o FUNDEF em 1996. Concretamente, a extinção da política de fundos, que durante duas décadas foi a base para os avanços educacionais do país, levaria a uma queda abrupta das condições de financiamento dos municípios mais vulneráveis. Os 1.220 municípios de mais baixo nível socioeconômico (onde estudam 7,5 milhões de alunos), perderiam, em média, metade da capacidade de investimento por aluno. A desigualdade entre o município com mais recursos por aluno (considerando também as outras receitas componentes do Valor Aluno/Ano Total – VAAT) para aquele com menos recursos por aluno saltaria dos atuais 570% para 13.800%. Entre municípios paulistas, essa desigualdade passaria dos atuais 187% para 2.158%. Um dos municípios mais pobres do Estado de São Paulo, Francisco Morato, perderia recursos no montante de R$ 3.275 por aluno (ou 55% do seu VAAT atual) – beneficiando municípios relativamente mais ricos e o governo estadual.

Isso ocorreria porque o funcionamento do FUNDEB é, grosso modo, a redistribuição de recursos vinculados à educação em cada Estado de acordo com o número de matrículas ponderadas em cada rede de ensino. Redes com relativamente mais matrículas que impostos vinculados à educação são recebedores líquidos, enquanto redes com relativamente mais impostos arrecadados que matrículas transferem parte de seus recursos para os demais. Vale lembrar que tais recursos do FUNDEB só podem ser destinados a despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), parte delas para remuneração de profissionais da educação (conforme será discutido a seguir).

A aprovação do novo FUNDEB significou, portanto, um alívio para as redes municipais de ensino mais vulneráveis, que puderam manter os níveis de remuneração dos profissionais da educação e os orçamentos dedicados às escolas públicas. Mais do que isso, sua inserção na parte permanente da Constituição Federal, sem prazo de validade, garantiu a perenidade da política pública – que será aprimorada ao longo do tempo e não poderá mais ser extinta sem que haja uma profunda mudança na Constituição.

Como enunciado anteriormente, o novo FUNDEB não é uma cópia do antigo. Ele mantém os mecanismos existentes até 2020, mas traz 15 inovações que alteram seu funcionamento e, em alguns casos, mudam os fluxos de impostos vinculados à educação, elementos para os quais os gestores públicos e profissionais da educação devem estar atentos. Abaixo, são elencadas tais transformações principais, a começar daquelas com efeitos já a partir de 2021:

– Alteração da cesta de impostos redistribuídos pelo FUNDEB: foram excluídos da redistribuição os recursos relativos à Lei Kandir e incluídos os recursos relativos às alíquotas adicionais de ICMS para os Fundos de Combate à Pobreza (no Estado de São Paulo, adicional de 2% na alíquota do ICMS de bebidas alcóolicas e de fumo e seus sucedâneos manufaturados);

– Matrículas contabilizadas na distribuição de recursos dos FUNDEBs estaduais e da complementação da União: inclui matrículas em instituições privadas conveniadas na educação profissional técnica de nível médio (excluídas aquelas do Sistema S), o que tende a beneficiar os governos estaduais em detrimento dos municípios, uma vez que matrículas de nível médio só são contabilizadas em redes estaduais (conforme Art. 211 da Constituição Federal);

– Fatores de ponderação das matrículas para distribuição de recursos dos FUNDEBs estaduais e da complementação da União: cria contabilização de dupla matrícula para a educação profissional técnica de nível médio articulada ao ensino regular. A dupla matrícula era computada, até 2020, apenas para atendimento educacional especializado. Isso significa uma vantagem para as redes estaduais; efetivamente, as projeções do IBSA para 2021 apontam que a rede estadual de São Paulo deve ampliar sua fatia no FUNDEB paulista de 45,2% para 45,7%, o que significará um ganho comparativo de R$ 212 milhões e, consequentemente, igual perda para os municípios. Adicionalmente, a Lei do novo FUNDEB vincula conceitualmente a definição dos fatores de ponderação à definição do Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Quatro conceitos diferentes de valor aluno/ano – VAAF, VAAT, VAAR e CAQ

VAAF – O valor aluno/ano FUNDEB (VAAF) foi a métrica fundamental do financiamento da educação no Brasil ao longo das últimas décadas. Trata-se da divisão dos impostos constituintes de um fundo estadual do FUNDEB pela soma de matrículas ponderadas de todas as redes, resultando em um VAAF igual para todos os municípios de um estado. Ela continua válida: estados com VAAF inferior ao VAAF mínimo definido nacionalmente recebem complementação da União. É também a métrica de referência para o Piso Salarial do Magistério (PSPN).

VAAT – O valor aluno/ano total (VAAT) é a métrica que passa a ser a nova referência da distribuição da complementação da União ao FUNDEB e que também será a unidade comparativa de disponibilidade fiscal entre municípios de um mesmo estado. O VAAT é a soma de todos os impostos e transferências vinculados à educação em rede de ensino (incluindo os impostos fora do FUNDEB, o salário-educação, os royalties do petróleo e gás e as transferências universais do MEC), dividida por sua soma ponderada de matrículas na educação básica. Isso significa que cada rede de ensino possui seu próprio VAAT.

VAAR – O termo VAAR diz respeito à nova complementação da União por resultados educacionais, que será discutida mais adiante. O “R”, portanto, refere-se a resultados. A fórmula dessa transferência ainda não está definida, mas contemplará nível e avanço dos resultados de aprendizagem (ponderado por equidade e taxa de participação), taxas de aprovação e taxas de atendimento na Educação Básica.

CAQ – O conceito de Custo Aluno Qualidade (CAQ) está presente no debate educacional desde a década de 80 e reflete ao necessário investimento por aluno para garantir condições de qualidade do ensino. Seu valor é uma referência de “mínimo existencial”, o que difere dos conceitos anteriores, guiados por indicadores da realidade objetivamente observada nas redes de ensino (VAAF e VAAT) e por uma métrica definida a posteriori pela “reserva do possível” (VAAR).

– Mínimo de recursos que devem ser destinados à remuneração de profissionais da educação e vedação de uso para pagamento de inativos: estipula que pelo menos 70% dos recursos recebidos do Fundeb em cada rede precisam ser gastos com remuneração de profissionais da educação na ativa, sendo estes os pertencentes às categorias definidas no Art. 61 da LDB e às equipes multiprofissionais compostas por psicólogos e assistentes sociais escolares. Antes, a subvinculação era de 60% para profissionais do magistério na ativa. A alteração tende a possibilitar valorização de categorias para além do magistério, sem que já seja possível estimar o efeito específico na remuneração dos professores.  Se em 2020 pelo menos R$ 22,3 bilhões precisavam ser dedicados à remuneração de professores em todo o Estado de São Paulo, em 2021 esse número passa a ser (na soma de rede estadual e redes municipais) R$ 28,8 bilhões.

Além disso, o novo FUNDEB veda explicitamente o uso de recursos vinculados à educação para pagamento de inativos – o que no Governo do Estado de São Paulo significará bilhões de reais adicionais para investimento educacional.

– Prazo para uso de resíduos do FUNDEB no exercício seguinte: passa a ser autorizado o uso de 10% do FUNDEB do exercício anterior no primeiro quadrimestre do ano seguinte; antes, essa autorização era de 5% no mês de janeiro do ano seguinte.

– Instâncias de fiscalização e controle: poderá haver litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados para a fiscalização da aplicação dos recursos dos Fundos que receberem complementação da União. No caso do Estado de São Paulo, não há previsão de qualquer ente federativo receber recursos de complementação da União em 2021 ou 2022.

– Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS-FUNDEB): inclui-se 2 representantes de organizações da sociedade civil nos CACS, 1 representante das escolas indígenas, 1 representante das escolas do campo e 1 representante das escolas quilombolas. O mandato dos membros dos conselhos do Fundeb será de 4 anos, vedada a recondução, e se iniciará no 3º ano de mandato do Poder Executivo. Os CACS deverão se reunir no mínimo trimestralmente e o Poder Executivo Federal poderá criar e manter redes de formação e conhecimento dos Conselheiros. Os novos conselhos dos Fundos estão sendo instituídos por leis de cada ente federativo no primeiro semestre de 2021 e essa é uma oportunidade para a APEOESP integrar os novos CACS, uma vez que há abertura para 2 representantes de organizações da sociedade civil.

Se desejarem, os Municípios poderão integrar, nos termos da legislação local específica, o Conselho do FUNDEB ao Conselho Municipal de Educação, instituindo câmara específica para o acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos do Fundo.

Siope e monitoramento dos dados: passa a ser obrigatório o registro bimestral no sistema de informações sobre orçamentos públicos em educação (Siope), mantido pelo MEC e com acesso dos CACS e dos Tribunais de Contas, sob pena de suspensão de transferências voluntárias. O Sistema terá interoperabilidade e a integração de dados com os demais sistemas eletrônicos de dados contábeis, orçamentários e fiscais no âmbito do Poder Executivo federal e dos Tribunais de Contas. Trata-se de outra oportunidade para os movimentos e organizações sociais que poderão utilizar as novas bases de dados para elaborar relatórios bimestrais de execução dos recursos pelo Governo do Estado de São Paulo.

Comissão Intergovernamental do FUNDEB: passa a ter nova composição, com 5 representantes da UNDIME, 5 do CONSED, 3 do MEC, 1 do INEP e 1 do FNDE, cada qual com seu suplente. A Comissão deliberará sobre o conjunto de fatores de ponderação, levando em conta o CAQ e os estudos do INEP sobre custos médios das etapas, modalidades e tipos de ensino, nível socioeconômico dos estudantes, disponibilidade de recursos vinculados à educação e potencial de arrecadação de cada ente federado. A Comissão também avaliará as condicionalidades da complementação-VAAR e aprovará as metodologias de cálculo do VAAR, do VAAT-EI e dos fatores de ponderação de equidade – elementos que serão discutidos a seguir.

Todas as 9 alterações acima alteram o funcionamento do FUNDEB já em 2021. Do ponto de vista das relações federativas, as mudanças expostas melhoram a posição relativa dos governos estaduais em função da valorização das matrículas na educação profissional. Contudo, a compreensão do potencial redistributivo do novo FUNDEB precisa considerar as mudanças sensíveis na complementação da União, cujos efeitos já começam a ser sentidos no ano de 2021 em algumas regiões do Brasil e serão intensificados ao longo dos próximos anos. Essas mudanças se dão no valor da complementação e também nos formatos de distribuição dos recursos – que passam a ser três, no lugar do modelo único que vigorou entre 1998 e 2020.

Além disso, é necessário entender que a perspectiva de equidade se expande a partir de novos fatores de ponderação das matrículas relacionados a critérios socioeconômicos e de equalização fiscal – terreno fértil para incidências de movimentos sociais, uma vez que ainda não há propostas técnicas consensuais. Estes ainda não terão vigência em 2021, uma vez que ainda não estão definidos.

Em seguida, destacamos as outras 6 inovações fundantes do novo FUNDEB:

Valor da complementação da União ao FUNDEB: uma das grandes inovações do novo FUNDEB é a maior participação da União no pacto federativo de financiamento da educação básica pública. A complementação, até 2020, era destinada aos estados mais pobres do país, cujo valor aluno/ano no FUNDEB se encontrasse abaixo do mínimo nacional (o modelo conhecido como “VAAF”). Na prática, esse valor mínimo nacional era definido após o rateio equalizador de um montante federal equivalente a 10% da soma de todos os fundos estaduais do país. No novo FUNDEB, esse montante federal passa a ser no mínimo 23% da soma de todos os fundos estaduais do país, alcançando mais entes federativos e cumprindo novos propósitos, conforme se explicita abaixo. O crescimento de 10% para 23% se dará gradualmente ao longo de seis anos:

  • 2021: 12,5%, sendo 10% no modelo VAAF (atual) e 2,5% no modelo VAAT (a ser implementado apenas no 2º semestre de 2021);

  • 2022: 15,0%, sendo 10% no modelo VAAF (atual) e 5,0% no modelo VAAT;

  • 2023: 17,0%, sendo 10% no modelo VAAF (atual) e 6,25% no modelo VAAT e 0,75% no modelo VAAR;

  • 2024: 19,0%, sendo 10% no modelo VAAF (atual) e 7,5% no modelo VAAT e 1,5% no modelo VAAR;

  • 2025: 21,0%, sendo 10% no modelo VAAF (atual) e 9% no modelo VAAT e 2% no modelo VAAR;

  • 2026: 23,0%, sendo 10% no modelo VAAF (atual) e 10,5% no modelo VAAT e 2,5% no modelo VAAR.

Modelo de complementação VAAT e VAAT-EI: redes de ensino mais pobres do país – independente do Estado de origem – passam a receber recursos para equalização de baixo para cima do valor aluno/ano total (VAAT), métrica que considera também os outros impostos vinculados à educação fora do FUNDEB, o salário-educação, os royalties vinculados à educação e as transferências federais universais. Esse mecanismo destina recursos federais para os entes que mais precisam e ampliam o grau de equidade dessa transferência.

Na distribuição desses recursos federais, as matrículas na educação infantil serão contabilizadas com peso multiplicado por x1,5, significando que a complementação VAAT também contempla uma distribuição de recursos estimulante das matrículas em educação infantil nas localidades mais vulneráveis do país.

Tais recursos terão regras próprias de uso: 50% deverão ser destinados para a oferta de educação infantil nas redes beneficiadas, sendo que esse percentual poderá variar entre as redes de acordo com o índice socioeconômico de necessidade de vagas. Paralelamente, 15% dos recursos recebidos via complementação VAAT precisarão, em cada rede, ser destinados a despesas de capital.

As estimativas realizadas pelo IBSA apontam que as redes municipais paulistas mais vulneráveis somente serão alcançadas pela complementação VAAT em 2025 ou 2026, uma vez que estas encontram-se acima da média de VAAT do país.

Modelo de complementação VAAR: o terceiro modelo de complementação da União, paralelo à complementação VAAF e à complementação VAAT, passa a viger em 2023 é destinado às redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades. O “R” dessa complementação se refere a “resultados educacionais”.

A fórmula da complementação VAAR será definida na atualização da Lei de regulamentação do FUNDEB em outubro de 2021, considerando como condicionalidades critérios técnicos ou de eleição na seleção de diretores, participação mínima de 80% dos alunos nos exames do Saeb, execução do ICMS-Educação nos estados, referenciais curriculares que contemplem a BNCC e redução das desigualdades socioeconômicas e raciais.

A metodologia, ainda indefinida, considerará nível e avanço dos resultados de aprendizagem (ponderado por equidade e taxa de participação), taxas de aprovação e taxas de atendimento na Educação Básica. A equidade da aprendizagem será medida por meio da proporção de estudantes sem aprendizagem adequada e das desigualdades de resultados nos diferentes grupos de nível socioeconômico e de raça e dos estudantes com deficiência em cada rede pública.

Fatores de ponderação de equidade: a Emenda Constitucional nº 108/2020 inovou na criação de 3 novos fatores de ponderação das matrículas do FUNDEB, adicionais aos 19 pré-existentes. São fatores de ponderação de equidade, formulados para valorizar as matrículas em contextos mais vulneráveis e assim tornar o FUNDEB uma política mais progressiva, destinando mais recursos para aqueles com menos oportunidades. O primeiro fator é relativo ao nível socioeconômico do educando. O segundo fator é relativo à disponibilidade fiscal da rede de ensino (quanto menos recursos fora do FUNDEB, maior a ponderação de suas matrículas). E o terceiro fator é relativo ao esforço de arrecadação de cada ente federativo: quanto mais um município se esforçar para arrecadar impostos (e ampliar sua disponibilidade fiscal), independente de suas potencialidades econômicas, maior a ponderação de suas matrículas.

Tais fatores ainda estão em fase embrionária de discussão metodológica, constituindo um tema de elevada relevância para movimentos sociais interessados no enfrentamento de desigualdades educacionais.

Avaliação periódica do FUNDEB: a cada 2 anos, o INEP realizará a avaliação dos efeitos redistributivos, da melhoria dos indicadores educacionais e da ampliação do atendimento, além de estudos para avaliação da eficiência, eficácia e da efetividade na aplicação dos recursos dos fundos.

Revisão periódica do FUNDEB: apesar de permanente, o FUNDEB passa a ter revisão periódica definida pela Constituição Federal. A primeira revisão será em outubro de 2021, particularmente para complementar a regulamentação atual no que tange aos fatores de ponderação das matrículas. A revisão seguinte será em 2026 e após este ano, decenalmente: em 2036, 2046, 2056 e assim por diante.

Finalizamos o presente documento do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, base para a compreensão das estimativas do FUNDEB 2021 para o Estado de São Paulo, com um resumo de principais informações relevantes, na forma de perguntas e respostas.

Por que o novo FUNDEB é mais equitativo e diminui a distância entre municípios mais ricos e os mais pobres?

O novo FUNDEB combina aumento da complementação da União ao FUNDEB com um formato mais equitativo de distribuição dos recursos (a complementação VAAT) que permite que estes cheguem nos municípios com menor capacidade de investimento em educação. Municípios pobres do país receberão maior fatia dos recursos federais, corrigindo parte da distorção que destinava recursos federais para capitais do Norte e Nordeste. Além disso, os novos fatores de ponderação de equidade fiscal e socioeconômica também tendem a diminuir a distância entre municípios mais ricos e mais pobres, já que as matrículas dos mais pobres valerão mais e assim estes municípios receberão montantes maiores dos fundos estaduais.

A depender da fórmula da complementação VAAR aprovada antes de 2023, o FUNDEB poderá ser também mais equitativo ao estimular a redução das desigualdades socioeconômicas e raciais em termos de aprendizagem. Por fim, a regulamentação do CAQ, agora preceito constitucional, poderá elevar a barra mínima do financiamento educacional.

O que ainda falta regulamentar no FUNDEB?

Em outubro de 2021, uma atualização da lei de regulamentação deverá modificar os fatores de ponderação das matrículas – tanto alterando os pesos entre as etapas quanto criando as fórmulas dos três fatores de ponderação de equidade (socioeconômica, de disponibilidade fiscal e de capacidade arrecadatória).

Ainda será necessário regulamentar o funcionamento da complementação VAAR, o que inclui a definição das condicionalidades para recebimento dos recursos e a fórmula de coeficiente de distribuição de recursos em função de resultados educacionais.

Qual o cronograma de aumento da participação da União no FUNDEB?

Em 2021, a complementação da União alcançará 12% da soma de todos os fundos estaduais. Em 2022, 15%. Em 2023, 17%. Em 2024, 19%. Em 2025, 21%. E em 2026, 23%.

O Governo Federal contribui com o FUNDEB no Estado de São Paulo?

Atualmente, não. O Estado de São Paulo não é beneficiário da complementação no modelo VAAF. É possível que, a partir de 2023, redes paulistas recebam recursos da complementação VAAR, a depender da fórmula definida pelo INEP e pela Comissão Intergovernamental do FUNDEB. Quanto à complementação VAAT, as simulações realizadas com dados atuais mostram que os municípios mais pobres do Estado recebam recursos federais a partir de 2025 ou 2026.

No Estado de São Paulo, quando os municípios mais pobres passarão a receber mais recursos do FUNDEB?

Conforme resposta anterior, esse benefício do novo FUNDEB aos municípios mais pobres do Estado de São Paulo não virá tão cedo do Governo Federal. Ainda não é possível estimar com clareza, mas a tendência é que o apoio federal só chegue no Estado a partir de 2025 ou 2026. Contudo, já a partir de 2022 estarão em vigor os fatores de ponderação de equidade – que serão definidos em atualização da Lei do FUNDEB em outubro de 2021. Estes promoverão justiça social ao destinar mais recursos do FUNDEB paulista para os municípios mais vulneráveis.

Haverá mais recursos para a remuneração dos profissionais da educação?

Sim, o que ocorrerá por duas vias. O aumento da subvinculação de 60% para 70% para remuneração de profissionais da educação ampliará recursos destinados à folha de pagamentos naquelas redes que cumprem no limite mínimo a regra do FUNDEB. Além disso, a proibição de uso de recursos vinculados à MDE para pagamento de inativos liberará bilhões de reais do Governo do Estado de São Paulo para investimento em pessoal da ativa.

Que tópicos do novo arranjo de financiamento educacional dependem de regulamentação por lei estadual?

Dependem de regulamentação por lei estadual duas peças integrantes do novo desenho do financiamento da educação brasileira. Quanto ao FUNDEB, o CACS estadual precisará ter lei aprovada ainda no primeiro semestre de 2021, contemplando ampliação dos representantes da sociedade civil, das escolas do campo, das escolas indígenas e das escolas quilombolas.

Além disso, a Emenda Constitucional nº 108/2020 estipulou prazo de 2 anos para que todos os estados aprovem lei estadual que crie critério educacional para distribuição da cota parte municipal do ICMS. A Emenda aponta que as fórmulas distributivas serão definidas em cada Unidade da Federação, considerando melhoria nos resultados de aprendizagem e aumento da equidade educacional.

Apesar de estar na Constituição Federal, o FUNDEB ainda corre riscos?

Sim. O Governo Bolsonaro mantém como pauta legislativa a desvinculação de recursos da educação. A garantia constitucional de 25% dos impostos para manutenção e desenvolvimento do ensino em estados e municípios é a base do funcionamento do FUNDEB. Por isso, o fim da vinculação pode significar, por tabela, o fim do FUNDEB.

Ainda, a revisão constitucional do FUNDEB em 2026 poderá ser oportunidade para ações de desidratação da política por interesses contrários à promoção de justiça social do país – como as pautas de partidos liberais que pretendem destinar recursos públicos para instituições particulares de ensino.

Em quais pontos as organizações e movimentos sociais podem incidir na estruturação das próximas mudanças do FUNDEB e quando?

A primeira janela de oportunidade para a melhoria do FUNDEB é a votação de uma atualização da Lei nº 14.113 em Outubro de 2021. Nessa ocasião, estarão em discussão os diferenciais de ponderação entre as etapas, com probabilidade de que a pauta principal seja a majoração dos pesos da Educação Infantil e do Ensino Médio em tempo integral, em detrimento do Ensino Fundamental parcial. Ainda, este será o momento para a definição das fórmulas dos fatores de ponderação de equidade, que alterarão a partilha de recursos no FUNDEB paulista.

Até o final de 2022, também estará em pauta a definição da fórmula da complementação VAAR, que poderá beneficiar mais ou menos (a depender do formato) os municípios paulistas mais vulneráveis. No plano estadual, também esse é o horizonte de tempo para a votação de uma alteração na Lei Estadual nº 3.201/1981, que trata da distribuição da cota parte municipal do ICMS paulista. Hoje, a proposta em tramitação na ALESP altera essa distribuição colocando critérios educacionais sob uma perspectiva meritocrática.

Também entre 2021 e 2022 o Congresso Nacional deverá apreciar a proposta de Sistema Nacional de Educação, dentro da qual se discute a regulamentação do CAQ. A definição de seu conceito e valor poderá ter influência nos desenhos futuros do FUNDEB.

Por fim, o prazo de revisão constitucional do FUNDEB é 2026. Os movimentos e organizações sociais poderão organizar sua agenda de pesquisas em financiamento a partir de tal perspectiva temporal.

  • * Os estudos e projeções do FUNDEB 2021 elaborados pelo IBSA foram patrocinados pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo- APEOESP no âmbito de uma parceria estabelecida desde 2007 quando da publicação do livro “O FUNDEB E O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO”, organizado por Cesar Callegari e publicado pela Editora Aquariana. Os resultados estão disponíveis nos sites da APEOESP e do IBSA www.ibsa.org.br .


1 O Valor Aluno/Ano Total é um conceito que foi constitucionalizado pela EC 108/2020 no § 1º do Art. 212-A. Trata-se da soma de toda a disponibilidade fiscal vinculada à educação nas redes de ensino (recursos recebidos do Fundeb, outros impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino que não compõem a cesta do Fundeb e os recursos do salário-educação, recursos de exploração de petróleo e gás natural vinculados à educação e as transferências decorrentes dos programas de distribuição universal do MEC), que então é dividida pela soma ponderada de matrículas na respectiva rede de ensino. Seu cálculo oficial ainda não foi disponibilizado pelo Ministério da Educação, o que deverá ocorrer até junho de 2021.

2 Números calculados a partir de planilhas elaboradas pelo Todos pela Educação e do Estudo Técnico nº 24/2017 da Consultoria de Orçamento e Finanças da Câmara dos Deputados.

3 Contudo, redes vulneráveis que não informarem seus dados contábeis até 30 de abril não receberão essa complementação.

4 Para mais informações sobre equidade redistributiva, ver: “Equidade educacional na Federação brasileira: o papel das transferências federais aos municípios”, dissertação de mestrado na FGV de autoria de Caio Callegari (2020).


Editora Aquariana.
Os resultados estão disponíveis nos sites da APEOESP e do
Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada – IBSA www.ibsa.org.br

 

https://cesarcallegari.com.br/2021/06/18/para-entender-novo-fundeb-2021/ 




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