O pagamento de inativos
O pagamento de inativos com recursos da educação
Um imenso nó jurídico, administrativo, político e orçamentário precisa ser desatado no Brasil. União e entes federados podem pagar inativos (aposentados e pensionistas) com recursos da manutenção e desenvolvimento de ensino (MDE)?
A pauta está para ser julgada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Muitos estados e municípios com regime próprio de previdência pagam os inativos com recursos do FUNDEB ou da vinculação mínima de investimento em educação prevista da Constituição Federal.
Esse fato é possível porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e a Lei do FUNDEB são omissas especificamente sobre esse ponto. Todavia, o Conselho Nacional de Educação, o próprio MEC, a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e muitos pareceres jurídicos argumentem que não deve haver pagamento de inativos com recursos da educação. Assim também entende o ministro Ricardo Lewandowski em sua decisão monocrática sobre o tema, a espera de chancelamento ou não pelo pleno.
Muitas perguntas vem a tona em relação ao tema. Boa parte dos estados são deficitários em suas previdências, o magistério constitui grande parte do funcionalismo, se os professores inativos são pagos com recursos de MDE, eles entram no computo do déficit da previdência? Sim, esses servidores sempre entram. A despesa com os professores inativos é contabilizada na educação e na previdência?
A pauta da transparência do gasto público é muito legítima no Brasil, a resposta as questões acima podem ser: “sai tudo do caixa único, da arrecadação”. O importante aqui é saber o que é previdência e o que é MDE (FUNDEB e o mínimo de 25% da arrecadação liquida conforme CF). Conforme for a decisão do STF, essa clara distinção terá de ser feita, isso não é a regra nos sites governamentais nos documentos com dados orçamentários, difíceis de serem encontrados e interpretados. Falta clareza nesse sentido.
As normas dos tribunais de contas divergem muito sobre a possibilidade de pagamento de inativos com recursos da educação, uns permitem e outros não. Contudo, é normal que se feche os olhos para isso e se aprove as contas com esse desvio.
Segundo levantamentos recentes, se tirássemos o pagamento de inativos do cálculo de MDE, muitos entes federados não atingiriam o percentual mínimo previsto na Constituição Federal. Em outros termos, o investimento previsto no artigo 70 da LDB não está sendo destinado para as finalidades ali elencadas, quais sejam:
“I — remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;
II — aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III — uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;
IV — levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;
V — realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;
VI — concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;
VII — amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;
VIII — aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.”
Remetendo à CF/88, artigos 37 e 40, se destaca que o termo remuneração se refere aos servidores ativos, provento para os inativos e pensão para os pensionistas. A Lei do Fundeb destaca que o destino dos recursos é a remuneração de pessoal ativo. Não é o que tem ocorrido.
Há casos como GO, RJ, RS em que o pagamento de inativos absorve parte significativa dos recursos de MDE. No RS, o pagamento dos inativos absorve mais da metade dos recursos de MDE. Em 2018, o estado de SP teria gasto R$ 6 bilhões com essa prática. Como investir em formação continuada, qualificação estruturas e garantir as caras manutenções de escolas por vezes antigas e grandes se o recurso para isso tem tido outro destino?
O artigo referência (link no fim) para esse texto faz algumas simulações considerando se o pagamento de inativos não fosse feito com os recursos da educação, muitos estados poderiam universalizar a oferta em tempo integral, investir em grande volume em infraestrutura das escolas (bibliotecas; sala de leitura; refeitório; saneamento básico; acessibilidade; laboratório de ciências) e até a remuneração dos docentes da ativa poderia ser ampliada.
No caso da União, mais vagas poderiam ser ofertadas em institutos e universidades federais, concorrendo para cumprir as metas 11 e 12 do Plano Nacional de Educação. A participação dos inativos nos orçamentos das universidades mais antigas é importante, esse recurso entra no computo de quanto o “Brasil gasta em educação em relação ao PIB”, porém, é um dinheiro que não chega na escola municipal, na estadual e na universidade pública, logo, não está ligado a manutenção e desenvolvimento de ensino.
A impressão de que o Brasil gasta em educação (5% do PIB) algo compatível com os países mais ricos deve considerar o pagamento de inativos de municípios, estados e da União?
Aqui está uma oportunidade de tornar mais claro e eficaz o orçamento da educação e de realocar recursos diretamente para educação. A previdência deve ser paga com recursos dos regimes próprios e da seguridade social, é outra rubrica e não deve ser sustentada por recursos de MDE.
Claro que não está se falando em “inventar” dinheiro, mas de pacificar juridicamente um imbróglio que se estende, elo menos, desde os anos 1980. Dar transparência na gestão e divulgação desses recursos é fundamental para o planejamento de políticas públicas educacionais que demoram para se materializar no Brasil.
Obs: Esse texto é todo inspirado nesse artigo de Fábio Araujo de Souza.
https://medium.com/@gregoriogrisa/o-pagamento-de-inativos-com-recursos-da-educação-ac49d7d41882