O preço da morte

O preço da morte

O preço da morte

Frei Betto  24/05/2022



Foto: Midia Ninja.


Na COP 26, em 2021, os países de­sen­vol­vidos se com­pro­me­teram a des­tinar 100 bi­lhões de dó­lares para o Fundo de Adap­tação, de modo a ajudar os países em de­sen­vol­vi­mento a se ade­quarem às mu­danças cli­má­ticas.

No fim de abril da­quele ano, o Ins­ti­tuto In­ter­na­ci­onal de Pes­quisa para a Paz de Es­to­colmo (SIPRI) di­vulgou, em seu re­la­tório anual, que os gastos mi­li­tares mun­diais ul­tra­pas­saram 2 tri­lhões de dó­lares em 2021 – cifra ja­mais al­can­çada an­te­ri­or­mente. Os cinco países que mais in­vestem em ar­ma­mentos são EUA, China, Índia, Reino Unido e Rússia. Arcam com 62% da­quela cifra, dos quais os EUA, so­zinho, é res­pon­sável por 40% do total de gastos com armas. Basta dizer que o sis­tema de armas Lockheed Martin F-35, pro­je­tado pelos EUA para fa­bricar aviões caça su­persô­nicos mul­ti­fun­ções, está or­çado em quase 2 tri­lhões de dó­lares – é o mais caro da his­tória da in­dús­tria bé­lica.

O dado é óbvio: não faltam re­cursos para matar pes­soas e de­se­qui­li­brar ainda mais o meio am­bi­ente com testes nu­cle­ares e ex­plo­ração de mi­ne­rais para a in­dús­tria bé­lica. E apenas mí­seros tro­cados são re­ser­vados para evitar o de­se­qui­lí­brio am­bi­ental.

Em abril, The Lancet Pla­ne­tary He­alth as­si­na­lava, em ar­tigo, que entre 1970 e 2017 (47 anos!) “as na­ções de renda alta são res­pon­sá­veis por 74% do uso global de ma­te­rial ex­ce­dente, im­pul­si­o­nado prin­ci­pal­mente pelos EUA (27%) e os 28 países de renda alta da União Eu­ro­peia (25%).” Já os países do sul do pla­neta são res­pon­sá­veis por  apenas 8%.

Ma­te­rial ex­ce­dente é tudo aquilo que as em­presas e o co­mércio con­si­deram des­car­tá­veis, ina­pro­vei­tá­veis e, por­tanto, jo­gado fora, como as to­ne­ladas de plás­tico que con­ta­minam oce­anos e en­ve­nenam peixes.

Há muito ma­te­rial ex­ce­dente nos países mais ricos de­vido ao uso fre­quente de re­cursos abió­ticos – tudo que im­pede a pre­sença de vida ve­getal ou animal. Os prin­ci­pais re­cursos abió­ticos são os com­bus­tí­veis fós­seis, me­tais e mi­ne­rais não me­tá­licos, uti­li­zados em grande es­cala por aqueles países. O uso de menos ma­te­rial ex­ce­dente nos países mais po­bres se deve à maior uti­li­zação de re­cursos bió­ticos (bi­o­massa), que são re­no­vá­veis, ao con­trário dos re­cursos abió­ticos.

Isso com­prova que os países ricos do Atlân­tico Norte são os cul­pados pela des­truição do pla­neta. Os au­tores do ar­tigo ob­servam que “as na­ções de renda alta têm a es­ma­ga­dora res­pon­sa­bi­li­dade pelo co­lapso eco­ló­gico global e, por­tanto, con­traem uma dí­vida eco­ló­gica com o resto do mundo”.

Esses mesmos países são os que mais in­vestem na fa­bri­cação e no co­mércio de armas. O Pen­tá­gono – as forças ar­madas dos EUA – “con­tinua sendo o maior con­su­midor in­di­vi­dual de pe­tróleo”, diz um es­tudo da Brown Uni­ve­sity. “E, como re­sul­tado, um dos mai­ores emis­sores de gases de efeito es­tufa do mundo”. Para con­se­guir que os EUA e seus ali­ados as­si­nassem o Pro­to­colo de Kyoto, em 1997, os Es­tados mem­bros da ONU ti­veram que per­mitir que as emis­sões de gases de efeito es­tufa pelos mi­li­tares fossem ex­cluídas dos re­la­tó­rios na­ci­o­nais sobre emis­sões...

Os des­caso dos países ricos para com a pre­ser­vação am­bi­ental e o fu­turo de nosso pla­neta é com­pro­vado por estes dados: em 2019, a ONU cal­culou que a la­cuna anual de fi­nan­ci­a­mento para al­cançar os Ob­je­tivos de De­sen­vol­vi­mento Sus­ten­tável (ODS) era de 2,5 tri­lhões de dó­lares. Des­tinar aos ODS os 2 tri­lhões de dó­lares apli­cados, anu­al­mente, em gastos mi­li­tares per­mi­tiria er­ra­dicar ou ame­nizar muito os prin­ci­pais fa­tores con­trá­rios à dig­ni­dade hu­mana: fome, anal­fa­be­tismo, falta de mo­radia, sa­ne­a­mento, as­sis­tência mé­dica etc.

Em 2021, o mundo gastou mais de 2 tri­lhões de dó­lares em guerra, e in­vestiu apenas 750 bi­lhões de dó­lares em energia limpa e efi­ci­ência ener­gé­tica. O in­ves­ti­mento total em in­fra­es­tru­tura ener­gé­tica em 2021 foi de US$ 1,9 tri­lhão, mas a maior parte desse in­ves­ti­mento foi para com­bus­tí­veis fós­seis (pe­tróleo, gás na­tural e carvão). Assim, pros­se­guem os in­ves­ti­mentos em com­bus­tí­veis fós­seis e au­mentam os in­ves­ti­mentos em armas, en­quanto os in­ves­ti­mentos des­ti­nados à tran­sição para novas formas de energia mais limpa per­ma­necem in­su­fi­ci­entes.

Os dados de­mons­tram como a luta pela pre­ser­vação am­bi­ental se vin­cula à con­quista da paz e à re­dução, não apenas do ar­senal bé­lico do mundo, mas também dos fa­tores que pro­vocam mortes pre­coces em mi­lhões de pes­soas im­pe­didas de des­frutar con­di­ções dignas de vida.


Frei Betto é es­critor, autor de “A arte de se­mear es­trelas” (Rocco), entre ou­tros li­vros. Li­vraria vir­tual: frei­betto.org

 

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