O silêncio

O silêncio

O silêncio

Ignácio de Loyola Brandão - Jornalista e escritor

Estadão - 04/dez/2022

"Sem a voz, desvaneceu o desconforto, a aflição, o tormento que ela produzia.

Então, com o segundo turno, fez-se a luz. E um grande silêncio se abateu sobre o País. Durou semanas. Mas não era opressivo, ao contrário. Não mais ouvimos aquela voz sarcástica, nauseabunda do não reeleito.

Aquela voz que insultava, desprezava, desmentia, escorraçava. Porque tudo era negado. A morte, as doenças, o amor, a solidariedade, as dores, a pobreza, a miséria, a fome, o desemprego, o racismo, a diversidade, o desmatamento, a compaixão, a amizade, o companheirismo, a fraternidade, a família, o desamparo, a terra redonda, a ciência, a saúde, a educação. Acima de tudo, se desprezou a vida.

Tudo se aquietou. Tinham sido quase quatro anos em que o tsunami da canalhice baixara sobre o Brasil trazendo as falsas notícias. A insolência e a ignomínia cresceram, inundaram tudo, as matas desapareciam com as queimadas, tudo que tinha um sopro de vida nas narinas (e não havia respiradores) estava sendo aniquilado.

A VOZ DESAPARECEU. Então, a voz do imbrochável brochou. Desapareceu. Calou-se. E aquela calmaria pairou sobre toda a nação.

Dissolveu-se a angústia permanente. Sem a voz, desvaneceu o desconforto, a aflição, o tormento que ela produzia e nos deixava deprimidos, neuróticos, desacorçoados, exangues.

Com o silêncio, uma grande paz dominou a Terra.

Aquela voz, aquela cara macilenta evaporaram com seu dono enfurnado, a remoer o fiasco, o malogro, o ter sido atirado fora, vendo seus aliados começando a se compor, políticos sempre se acomodam junto ao vencedor.

Aquele tormento amainou. Aquele riso mordaz e o rosto macilento foram cancelados dos vídeos.

Dos seguidores dos curraizinhos, muitos foram para as estradas, colocaram barreiras, outros foram para a frente de quartéis e casernas, trincheiras e guaritas, bivaques, casamatas do Exército, puseram-se a orar, ave-marias e pais nossos, ladainhas e novenas e trezenas para que o Exército saísse nas ruas e tomasse o governo.

Enquanto o filho Bananinha vai ao Catar, esbanjando dinheiro nosso, os penitentes crentes e iludidos estão sob o sol inclemente, a chuva, os ventos, noite e dia, assim como os da cracolândia também estão sob sol, sob chuva e tormentas.

Os dois grupos sob os efeito de drogas. Uns, viajando, etéreos, com os cachimbinhos de crack.

Os outros sob o efeito da droga que dissolve corpo, alma e a democracia."

Ignácio de Loyola Brandão - Jornalista e escritor

Estadão - 4 dez. 2022




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