O silêncio cúmplice
O silêncio cúmplice dos que conduzem as ovelhas ao encontro com os lobos
"Líderes que não se manifestarem agora carregarão na testa a tatuagem de protagonistas, e não só de coadjuvantes, de um desastre", diz Moisés Mendes
Até o governo de Samoa pode emitir uma nota em defesa da eleição e da democracia no Brasil, enquanto muita gente aqui dentro continua calada.
Chegamos ao momento da verdade diante da ameaça real de desordem, violência e golpe. Mas os silenciosos parecem organizados na confraria da omissão.
Não emitem uma notinha, nada. Mesmo que notas de engajamento à resistência tenham ficado cada vez mais protocolares, como um habeas corpus a ser apresentado depois do fracasso do golpe.
O líder de uma entidade representativa da indústria, por exemplo, pode se eximir de falar em voz alta em nome da sua turma, se conseguir convocar os seus para a emissão de uma nota.
É pouco, muitas vezes é um gesto enganoso, mas é o que temos para o momento. Mesmo que as notas sejam escapistas, também é delas que precisamos para enfrentar o fascismo.
Manifestos em defesa do sistema eleitoral ajudam a criar desconforto. É aos generais, mais do que ao tenente, que os democratas precisam se dirigir.
Bolsonaro somente será fragilizado e irá vacilar se perceber que não tem com quem contar para segurar um golpe.
Pode até desencadear o caos, com ações violentas antes, durante ou depois da eleição, mas não irá em frente se não tiver o suporte dos generais.
Os mais espertos alertam que não é bem assim, porque o projeto do golpe não seria de Bolsonaro, mas da estrutura militar que o tutela. Pouco importa.
As manifestações em favor da democracia devem ter como destinatários os militares. Eles devem ser constrangidos a refletir sobre a aventura sem volta de um golpe liderado por Bolsonaro.
Eles sabem que os golpes, na maioria das vezes, nos últimos anos, têm fracassado por toda parte.
Gente calada e nos cantinhos poderia se inspirar no destemor dos servidores públicos. Quadros do Estado (e não de governos fascistas) têm afrontado chefes eventuais para dizer que não aceitam o golpe.
Os servidores reafirmam que subalternos obedientes ao comando da extrema direita serão em algum momento expurgados do poder, enquanto eles continuarão.
Mas líderes de entidades representativas de alguma coisa estão quietos. Serão cúmplices, pelo silêncio, de uma empreitada fracassada.
Bolsonaro, seus milicianos e seus generais não terão como manter um golpe. O contexto mundial é de repulsa ao projeto de sabotagem à eleição.
Líderes que não se manifestarem agora carregarão na testa a tatuagem de protagonistas, e não só de coadjuvantes, de um desastre.
Em artigo publicado neste domingo na Folha, recorrendo à fábula sobre prepotência, intolerância e ódio, o ministro Ricardo Lewandowski anuncia no título o que vai escrever:
“Eleitores brasileiros não são cordeiros diante do ataque dos lobos às urnas eletrônicas”
É uma abordagem otimista. Há cordeiros suficientes para garantir um terço do eleitorado a Bolsonaro.
E há em todas as áreas cordeiros líderes de rebanhos que conduzem em silêncio suas ovelhinhas a um encontro com os lobos, assim mesmo, com lobos no plural, como escreveu Lewandowski.
Que os omissos não cometam o oportunismo de dizer alguma coisa às vésperas da eleição, para ficar bem com Lula e a democracia.
Falem agora ou assumam que também são cordeiros covardes ou lobos golpistas com péssimos disfarces.
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.