Oferecer apenas livros digitais
Especialistas rejeitam intenção do Estado de oferecer apenas livros digitais
O anúncio do governo do Estado de oferecer apenas livros digitais em detrimento ao livro didático tradicional virou polêmica. A medida trouxe mal estar ao governo que agora admite usar em parte os livros físicos do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) fornecidos pelo Ministério da Educação. Pais, especialistas, autores e entidades ligadas à educação refutam a iniciativa. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já enfrenta até questionamentos por parte do Ministério Público.
A Abrale (Associação Brasileira de Autores de Livros Educativos), entidade civil que tem como finalidade contribuir para qualidade do ensino brasileiro, deu início a abaixo-assinado no site Change.org para visa colher assinaturas contra a medida. Em oito dias no ar a petição já obteve mais de 45 mil adesões.
No abaixo-assinado, o mestre em Geografia Laércio Furquim Jr, que escreve livros didáticos e é membro da Abrale, destaca que o material enviado gratuitamente pelo Ministério da Educação passa por um “forte rigor editorial”, submetido a uma banca examinadora composta por acadêmicos e professores que integram a educação básica. “Uma coleção didática aprovada no MEC é orientada por um edital governamental que estabelece critérios normativos e inseridos nas exigências legais, inclusive, aquela que prevê temas obrigatórios, como educação ambiental, educação para a saúde e valorização do multiculturalismo”, detalha o autor. O objetivo da petição, segundo seus criadores, é mobilizar a sociedade em apoio ao Ministério Público Estadual e à Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
Licitações milionárias
Para o professor de políticas públicas educacionais da UFABC (Universidade Federal do ABC), Fernando Cássio, o governo do Estado quer justificar verba para licitações milionárias para a compra de computadores. “O livro é a principal e a mais confiável fonte de conhecimento para professores e alunos e é também organizador do currículo. O governo tenta justificar que o aluno não pode escrever no livro didático, mas já existe uma coisa chamada caderno, e mesmo no livro os alunos fazem anotações. Em vez de receber livro de programa federal que tem qualidade, o governo se recusa a isso para imprimir material nas escolas, porque nem todos os alunos têm acesso a uma boa internet. Imprimir o livro digital para todos os estudantes, em escolas que muitas vezes sequer têm impressora ou pessoal para isso vai ser impossível. O secretário de Educação (Renato Feder) mostra falta de preparo e cuidado, inclusive com o erário público”, diz o professor, que integra a Repu (Rede Escola Pública) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Cássio diz que a produção de um material de qualidade exige grande esforço e o que o governo quer mostrar é uma apresentação de slides em PowerPoint para que os professores exibam para os alunos. “Trata-se de um material de baixíssima qualidade e com erros grotescos. Não têm nem vergonha de trocar o livro do PNLD por isso. De cada 10 educadores, 10 reprovam essa iniciativa. O governo quer favorecer interesse de empresas de informática para ter um contrato de fornecimento para toda a vida de computadores. Computador tem que ter, mas um não é contra o outro. O letramento digital faz parte do ensino, não existe essa dicotomia entre o livro e o tablet, o aluno precisa do digital e do livro didático, um não substitui o outro”, completa o especialista da UFABC.
Pais também desaprovam medida
A moradora de Santo André, Roseli Freire Buriti da Silva, mãe de um adolescente de 15 anos, aluno da Escola Estadual Professora Inah de Mello, no Parque das Nações, não acredita que o filho tenha alguma vantagem com o uso de livros digitais. “Eu acredito que essa mudança não será boa. Muitos alunos não possuem um celular compatível, computador e, em casa, às vezes também não possuem uma rede de internet de boa qualidade. Eu acredito que o livro impresso irá prender muito mais a atenção das crianças e melhorar o entendimento. Nas escolas também a rede de internet é ruim e com conexão muito fraca, na prova paulista, a maioria teve algum problema na conexão, sem contar que os tablets também tiveram problema e não eram suficientes para todos. Como será para as pessoas com deficiência visual ou motora? O secretário diz que o material poderá ser impresso para aqueles que não conseguirem no digital. Mas se as escolas já não possuem material, como sulfite e afins, como conseguirão imprimir para muitos esse material?”, indaga a mãe.
Roseli concorda que a informatização do ensino é necessária, mas os colégios não estão preparados para essa transformação. “As escolas precisam entrar na era moderna da informatização, mas estão longe disso a meu ver, elas são tão carentes de tantas outras coisas. E hoje em dia os alunos já ficam muito no celular em sala de aula, o que atrapalha, desviam a atenção com facilidade. Vejo meu filho que muitas vezes prefere tirar fotos da lousa do que copiar a matéria e isso é comum na sala dele, que o próprio professor comentou em reunião de pais. O professor tem que dar visto no caderno para que os adolescentes copiem a matéria no caderno. Os celulares e tablets são instrumentos importantes na educação, na vida moderna, só que infelizmente isso está atrapalhando o aprendizado”, completa Roseli.
Eduardo Santana, pai de aluno da escola estadual Mathias Octavio Roxo Nobre, no bairro Batistini, em São Bernardo, também discorda com um método de ensino baseado somente em material digital. A escola onde o filho estuda ficou sem aulas em 2021, em plena pandemia, porque a infraestrutura precária de internet não funcionava. “Eu acho que isso – livros digitais – não vai ajudar, vai dificultar o acesso. Em casa meu filho está familiarizado com o uso do nosso wifi, na escola não sei como ele conseguiria acompanhar. Diversos alunos não teriam acesso e a escola não vai dar conta de imprimir todo o material, eu acho isso um retrocesso, não sei por que inventar moda agora”, aponta o pai.
Nota do Estado
Em nota, a Secretaria de Educação do Estado diz que vai manter o livro didático do PNLD este ano, mas vai iniciar a mudança em 2024 pelos anos finais do ensino fundamental.
Veja a nota: “O PNLD Literário será mantido para todos os ciclos de ensino. Os materiais didáticos serão compostos por livros físicos e material digital em sala de aula, compartilhado pelo professor por telas (televisores, lousas digitais ou projetores). O Currículo em Ação é o conjunto de livros didáticos baseado no Currículo Paulista, implementado em 2009. No segundo semestre de 2023, os alunos dos anos iniciais contarão com Currículo em Ação (Livro didático de estudos e Material Digital) + PNLD Didático e Literário; os alunos dos anos finais com Material Digital + PNLD Didático e Literário. Em 2024 os alunos dos anos iniciais contarão com Currículo em Ação (Livro didático de estudos e Material Digital) + PNLD Didático e Literário; os alunos dos anos finais contarão com Currículo em Ação (Livro didático de estudos e Material Digital) + PNLD Literário e os alunos do ensino médio contarão com: Currículo em Ação (Livro didático de estudos e Material Digital) + PNLD Didático e Literário”.
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