ONU, fortalecimento do direito à educação
Um quarto dos países de sabatina da ONU recomendou ao Brasil fortalecimento do direito à educação
Mais de 115 Estados-membros da ONU fizeram recomendações ao Brasil, indicando que o país deve acabar com desigualdades e discriminações de raça/etnia, de gênero, e contra pessoas com deficiência; além de fortalecer a educação pública e implementar o PNE
Cerca de um quarto dos países – num conjunto de mais de 115 nações que participaram da RPU (Revisão Periódica Universal) – fez recomendações ligadas ao direito à educação ao Brasil. As 25 recomendações registram a necessidade de o país acabar com desigualdades educacionais – priorizando populações vulnerabilizadas, as mais afetadas pela crise da pandemia – com a implementação do PNE (Plano Nacional de Educação).
As recomendações foram feitas hoje (14/11) durante a RPU da ONU, no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça.
O momento de comentários e recomendações dos Estados-membros foi acompanhado in loco pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, como parte do Coletivo RPU Brasil, com a representação de Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha, e Daniel Cara, professor da FE/USP e dirigente da Campanha.
“Trabalhamos na produção de relatórios, no diálogo com embaixadas no Brasil e com missões dos países em Genebra, para denunciar as violações dos últimos quatro anos, assim como para apoiar os Estados-membros na formulação de recomendações. Muitos países citaram as problemáticas da educação e fizeram recomendações firmes por financiamento adequado, regulamentações, acesso à educação, combate às discriminações e ao racismo, assim como revisão de políticas, como a questão sobre gênero e orientação sexual na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Nossa missão até aqui está bem cumprida e agora, vamos monitorar e cobrar o aceite das recomendações pelo Brasil e, depois, a implementação destas”, afirmou Andressa Pellanda.
Destaques
Israel recomendou a implementação do Plano Nacional de Educação para a garantia de educação pública de qualidade a todas as pessoas no Brasil. O país também recomenda o combate à violência contra mulher e o enfrentamento da criminalização da homofobia. O país do Oriente Médio foi um dos países com os quais a Campanha Nacional pelo Direito à Educação dialogou.
A Suécia faz defesa enfática de enfrentamento do casamento infantil, de melhora das condições das prisões e garantia das participação de crianças e adolescentes nas políticas educacionais.
Moçambique e Portugal indicam, respectivamente, a priorização da proteção às populações afrodescendentes e indígenas, e a realização plena e equitativa do direito à educação, especialmente para a população negra.
A Malásia recomenda melhorar o acesso a educação pública, especialmente para áreas rurais, além de promover políticas que erradiquem o racismo e a discriminação.
As Filipinas recomendam a implementação de programa de combate à violência contra crianças e adolescentes, e a facilitação do acesso ao direito à educação e saúde.
A Campanha também se encontrou com representantes de Malásia, Moçambique, Filipinas, Portugal e Eswatini.
Este último país, da África Meridional, recomenda o fortalecimento de políticas de educação por meio da regulamentação do Sistema Nacional de Educação, garantindo que crianças se formem no ensino médio.
O diálogo da Campanha também aconteceu com Uganda, África do Sul e Sudão. Uganda recomendou a garantia do direito à educação, especialmente de meninas em áreas rurais, e a promoção dos direitos das pessoas afrodescendentes.
A África do Sul recomendou fortalecer o conselho de direitos humanos; a cooperação com a comunidade internacional sobre o meio ambiente e parar com a invasão de territórios indígenas, além de acabar com trabalho infantil, promovendo a educação obrigatória.
O Sudão recomenda fortalecer a Lei 10.639/2003 e a promoção da educação, especialmente no campo.
Abaixo, somam-se à lista de menções a educação nas recomendações dos países, baseadas no apanhado de Andressa Pellanda:
China: priorizar a educação; continuar a implementar planos de desenvolvimento; promover direito à saúde e o sistema de seguridade social.
México: respeitar as obrigações dos direitos humanos; implementar estratégias de educação sobre sexualidade; proteger indígenas e populações LGBTI.
Paraguai: fomento do acesso à educação de indígenas, pessoas das favelas, e garantia de acesso à educação obrigatória; diminuir as barreiras para acesso à justiça de mulheres e meninas; fortalecer proteção de povos indígenas.
Polônia: proteger direitos dos povos indígenas; fortalecer a educação e incluir a população nos sistemas de ensino; proteger direitos das mulheres.
Maurícia: promover educação inclusiva, equitativa para todos, com universalização; e proteger todas as pessoas de violência.
Tailândia: promover políticas para os grupos mais vulneráveis, em educação e saúde.
Vietnã: alocação de recursos para combater trabalho infantil e trabalho forçado em áreas rurais; promover oportunidades educacionais em áreas rurais e urbanas.
Argélia: apoiar os grupos mais vulneráveis, especialmente mulheres; promover direitos das pessoas com deficiência, especialmente em educação e acesso à saúde.
Azerbaijão: alocar recursos para a plena garantia do direito à educação no país; promover o direito à saúde.
Botsuana: integrar educação para necessidades especiais com educação regular.
Bulgária: promover participação de mulheres em processos decisórios; promover educação de pessoas mais vulneráveis para a plena garantia do direito.
Camboja: promover diálogo social e não discriminação na educação.
Chipre: combater violência contra meninas e mulheres, organizar campanhas educacionais para promover diversidade cultural.
Equador: redobrar esforços para combater o racismo e a discriminação contra grupos vulneráveis, garantir proteção jurídica contra a violência de gênero e sexual e, em termos educativos, promover os direitos humanos inclusive em quadros empresariais.
“Até aqui o mundo dá um recado claro para o Brasil: respeito aos povos indígenas e às suas terras, proteção aos ativistas e jornalistas em Direitos Humanos, defesa da população LGBTQIA+ e retomada da política de educação, com destaque para o Plano Nacional de Educação”, disse Daniel Cara.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação promoveu debate sobre os temas postos nessas recomendações, que se alinham a projetos, mobilizações e articulações da entidade que priorizam a proteção de crianças e adolescentes (Agenda Infâncias e Adolescências Invisibilizadas), a promoção da autonomia estudantil para a gestão democrática e para escolas antirracistas (Projeto Euetu - Mapeamento de Grêmios e Coletivos Estudantis na Amazônia) que compõe esforços dentro do Projeto SETA - Sistema de Educação Pública Antirracista no Brasil.
Mentiras do Governo Bolsonaro
Além de receber as recomendações dos outros países-membro da ONU, o Estado brasileiro é sabatinado e expõe suas políticas implementadas.
O Governo Bolsonaro, por sua vez, promoveu uma série de mentiras.
O Estado brasileiro mentiu que: promoveu a agenda de direitos humanos da população LGBTIA+; promoveu a laicidade do Estado; ampliou proteção de defensores de direitos humanos e de ambientalistas; tem enfrentado o racismo institucional; tem promovido a capacitação de professores para ensino da cultura afro e indígena na educação, a agricultura familiar , a alimentação escolar de qualidade, direitos dos povos tradicionais, e a inclusão de pessoas com deficiência.
Os fatos que correspondem à realidade são opostos a essas informações e foram desbancados pela imprensa e, também pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em seus estudos, audiências públicas, incidências internacionais e posicionamentos públicos.
"Realizamos a maior campanha de vacinação de nossa história", embromou o representante do Ministério da Saúde do Brasil, na Revisão Periódica Universal da ONU, sendo que, se não houvesse atraso e negligência deliberada por parte do Governo Bolsonaro, pelo menos 400 mil vidas poderiam ter sido salvas, segundo estudo do pesquisador Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas.
Mais de 688 mil pessoas desde o início da pandemia até a data desta matéria.
O Governo Bolsonaro já havia apresentado inverdades em seu relatório enviado à RPU. No documento, o Estado brasileiro destaca esforços favoráveis à defesa aos direitos humanos que, na prática, não tiveram sua influência ou foram frontalmente ignorados ou mesmo enfrentados pelo próprio governo. Saiba mais aqui.
A explícita ação ativa do Governo Bolsonaro em atrasar a vacinação contra a Covid-19 no Brasil, ao lado da omissão em coordenar esforços entre os sistemas estaduais de saúde, educação e assistência social, não aparece no relatório enviado à ONU.
ONU no Brasil e sociedade civil: preocupação e denúncias
Dois dos três relatórios que subsidiam a sessão da RPU – o do Alto Comissariado da ONU no Brasil e da sociedade civil brasileira – expressam preocupação e denunciam, respectivamente, sobre as violações de direitos do Governo Bolsonaro nos últimos 4 anos. A última RPU foi em 2017.
Os organismos da ONU no Brasil registram receio frente a negação de direitos em solo brasileiro, especialmente no que se refere à violências nos espaços educacionais, à negligência na proteção de migrantes, à ausência de políticas fortes para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos no país e, do ponto de vista do financiamento de políticas públicas, ao risco gerado por políticas econômicas baseadas na austeridade (com explicitação dos dados ocasionados pelo Teto de Gastos, EC 95/2016, à população brasileira). Saiba mais aqui.
A sociedade civil, em seu relatório à RPU, reforça críticas ao Teto de Gastos, e destaca violações de direitos ligadas à exclusão escolar e ao trabalho infantil; às ameaças trazidas pela tentativa de aprovação do homeschooling no Congresso Nacional e à agenda de censura sobre educação sobre gênero nas escolas.
Também aponta, na perspectiva do direito à educação, a necessidade de regulamentação do Custo Aluno-Qualidade (CAQ), do Sistema Nacional de Educação (SNE), e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb); e sobre o descumprimento do Plano Nacional de Educação (PNE).
RPU
A RPU é um processo de avaliação e sabatina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) em Genebra pelo qual passam os países a cada quatro anos, em monitoramento mútuo da situação dos direitos humanos. A última participação do Brasil tinha sido em 2017.
Os países-membro da ONU recebem três relatórios: um do Estado brasileiro, um do Alto Comissariado da ONU no Brasil, e outro compilado das submissões da sociedade civil.
Saiba mais aqui.
(Foto: Divulgação/ONU)