Os Militares no Brasil
Os Militares no Brasil
Por LINCOLN PENNA*
Os militares estão de volta ao cenário político do país do qual nunca saíram mesmo depois do término do regime militar. E como das inúmeras vezes em que aparecem no centro das atenções de uma República que julgam lhes pertencer. Esse reaparecimento constante tem a ver com interesses próprios a essa crença de um regime cujo destino deve ser pautado de acordo com o que pensam sobre sua existência e os seus rumos. Formam uma casta.
A denominação não lhes é impróprio, uma vez que tem muito a ver com dados que conferem essa identidade. Segundo pesquisa, junto a mais de dois mil aspirantes da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), sabe-se que mais de 50% dos seus integrantes fazem parte de famílias militares, de modo a conferir aos seus quadros uma forte componente de grupo quase fechado a transmitir valores aos seus descendentes e agregados, e com forte sentimento de pertencimento e de distinção em relação a quem não integra essas corporações.
As várias intervenções militares na ordem pública do país decorreram desse instinto de preservação de uma vocação que eles se atribuíram segundo a qual o regime republicano lhes pertence e deve ser zelado. E nesse sentido, orientá-los cabe com primazia aos seus verdadeiros fundadores. Com isso, os golpes tentados e bem-sucedidos ao longo desses cento e trinta e cinco anos de República tiveram nos militares um papel mais do que saliente, diria decisivo para o bem ou o mal da nação brasileira.
Por ocasião da instauração da República, pela via golpista, embora amparado por uma parcela da sociedade que admitia a mudança do regime, a corporação militar fundamentalmente representada pelo exército era radicalmente contrária às oligarquias que mandavam no país. Aderiram à adoção do republicanismo mais em conformidade com essa convicção do que pelo repúdio à monarquia e ao monarca de ocasião. E assim foi durante toda a Primeira República.
Contudo, a partir da Segunda Guerra e especialmente com a criação da Escola Superior de Guerra (ESG) em 1948, moldada na sua similar norte-americana, a situação mudou significativamente. De apoiadores discretos a medidas restritivas aos já amplamente privilegiados, filhos da Velha Casa Grande, durante os anos de 1930, passaram a se tornar coadjuvantes das classes dominantes que trazem o DNA do patrimonialismo, e das taras da escravocracia modernizada e cúmplice do grande capital internacional, sempre em nome de uma doença incurável, o anticomunismo, impregnado nas escolas militares, isto é, reativos a mudanças estruturais tementes de seus efeitos.
Não é, portanto, de se estranhar que passados sessenta anos do principal golpe capitaneado e assumido pelos militares, em 1964, estejam os militares de novo na ordem-do-dia. As novas oficialidades não têm ou não exibem qualquer compromisso com os destinos da nação brasileira. Adotam sim, a permanente manifestação de fidelidade com a orientação que definem que a ameaça à nação não parte de fora, mas de dentro; isto é, são os próprios brasileiros que devem ser vigiados para não cederem às ideologias “exóticas”. Logo, as nossas Forças Armadas se convertem em guardiões de uma ordem que atende a um sistema de poder que reprime as mais justas demandas do povo brasileiro.
Nesses últimos dias temos tido evidências de que há pelo menos em conjecturas novas tentativas de intervenção extralegais, ainda que representadas por uma parcela dos militares e não por toda as corporações militares. Mas, sempre foi assim. Em nenhum dos movimentos golpistas em nossa história houve unanimidade nas forças militares, o que não impediu que parte delas agissem de forma antidemocrática. Logo, essas mais do que evidências provam que ainda estamos submetidos aos caprichos delirantes e criminosos dos agentes da subversão da democracia.
A manutenção de uma orientação que se escuda em propósitos movidos pelos embates entre as grandes potências representadas no passado recente pela Guerra Fria e hoje realimentada pelo império norte-americano para frear os impulsos legítimos de países do Sul global, produziu um empobrecimento na qualificação da oficialidade. Essas novas gerações de oficiais enxergam mais o perigo das transformações no âmbito da realidade brasileira e voltadas para o atendimento das demandas nacionais, do que o crescimento de nossa subalternidade em relação a um Ocidente, que investe na manutenção de uma ordem mundial injusta.
Além dessa questão vinculada à uma visão impregnada de valores que reforçam a “missão” garantidora da hipotética democracia há de acrescer a investida de uma falsa religiosidade com vistas a inocular nas massas mais desinformadas a ideia de que existe a ameaça de uma pregação voltada para a prática de um terrorismo antirreligioso estimulado pela esquerda. Essa pregação faz parte de uma estratégia de dominação junto às classes mais desassistidas existentes no país e mundo afora.
Em face dessa situação, é preciso que se reformule radicalmente os currículos escolares em geral, especialmente, o das escolas militares, e ampliemos no mundo civil e militar a formação de cidadania, pois só conscientes de nosso papel de representação da nacionalidade é que poderemos evitar que conteúdos antinacionais venham tornem os nossos concidadãos em instrumentos a serviço de interesses que não são os nossos.
*Lincoln Penna É Doutor em História Social; Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos).
Foto de capa: Antonio Cruz/Agência Brasil
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