Os otários da república

Os otários da república

CRÔNICA TEATRALIZADA — ZÉ DO BIGODE E TONHO DA LUA: “OS OTÁRIOS DA REPÚBLICA”

  • Por João Guató, para o Pasquim Cuiabano

 

 

 

Cenário:

Um boteco modesto de beira de estrada. Na parede, um retrato amarelado do “mito” com a faixa presidencial atravessada. No balcão, cachaça “Boca de Siri”, bolinho de vento e um rádio chiando. Zé do Bigode limpa o copo com um pano encardido. Tonho da Lua folheia um jornal com as manchetes políticas do dia.

ZÉ DO BIGODE — (coçando o queixo)

Rapaz, eu fico olhando pra esse mapa do Brasil e penso: se otarice fosse minério, São Paulo, Rio e Santa Catarina já tinham virado Emirados Unidos do Bolsonarismo.

TONHO DA LUA — (dando uma risada seca)

E não é? Lá o povo planta voto em terra seca e ainda se admira que só nasça rachadinha. Parece praga de gafanhoto vestida de verde e amarelo.

ZÉ DO BIGODE — (bate o copo no balcão)

Em São Paulo, o cabra acorda, paga imposto até pra respirar, mas acha bonito o patrão chamar ele de vagabundo. Diz que é “empreendedor de si mesmo”.

TONHO DA LUA — (ergue a sobrancelha)

É o capitalismo de espírito santo, meu irmão. Ele apanha do sistema e ainda agradece: “obrigado, mito, por me libertar da CLT”.

ZÉ DO BIGODE — (com ironia)

No Rio, então... o sujeito toma tiro, perde o ônibus, cai o teto da escola do filho — e ele grita: “melhor Jair se acostumando!”.

TONHO DA LUA —

É síndrome de Estocolmo eleitoral. O eleitor carioca ama o seu sequestrador ideológico.

ZÉ DO BIGODE —

E lá em Santa Catarina, meu cumpadi, o cabra acha que o país termina em Joinville. Vive num bunker de WhatsApp, com medo do comunismo que nunca chegou, mas adora um general de pijama.

TONHO DA LUA —

Ah, lá é o “vale do silicone mental”. Tudo moldado pra brilhar na burrice importada.

(Os dois caem na gargalhada. O rádio chia, tocando um samba antigo: “O morro não tem vez...”)

ZÉ DO BIGODE — (entre goles)

E o pior é que eles acham que defendem a “família”. Mal sabem que a única família que se deu bem foi a dos Bolsonaros mesmo — um clã que transformou a política em herança.

TONHO DA LUA — (com olhar de deboche)

Família real de Queimados, Itanhaém e Laranjal. Rei Jair, príncipe Flávio, duque Carlos e visconde Eduardo. Cada um com seu feudo de fake news.

ZÉ DO BIGODE —

O eleitor otário é o verdadeiro combustível da reeleição eterna. Sem eles, o mito murchava feito pneu furado em rodovia federal.

TONHO DA LUA —

Mas vai tentar explicar isso. Eles te chamam de “comunista”, “maconheiro”, “professor”.

ZÉ DO BIGODE — (sorri)

Pois é. E se disser que pensa, vira inimigo da pátria.

(Silêncio breve. O rádio chia. Uma brisa passa pela cortina engordurada do bar.)

TONHO DA LUA — (num tom mais reflexivo)

A verdade, Zé, é que tem lugar que confunde liberdade com idolatria. A democracia virou culto, e o voto, penitência.

ZÉ DO BIGODE —

E nós aqui, do lado de fora, rindo pra não chorar.

TONHO DA LUA — (brinda com o copo)

Ao eleitor otário! Que ele nunca perceba que é ele mesmo o produto que vendeu a alma.

ZÉ DO BIGODE —

E que o Brasil ainda aprenda que urna não é confessionário, é espelho.

(Os dois brindam. O rádio finalmente sintoniza uma estação clara: um locutor anuncia “Bolsonaro volta a falar em candidatura”. Eles se entreolham e caem na gargalhada desesperançada.)

“Enquanto houver otário que ache que corrupção é só a do vizinho, haverá Bolsonaro de terno novo e voto velho.”

FONTE:

https://www.facebook.com/photo/?fbid=10214247911988461&set=a.3358299773034&locale=pt_BR 




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