Os riscos da privatização
Sabesp: os riscos da privatização do saneamento
Governador de SP quer entregar companhia pública de água e esgoto ao mercado financeiro. Sindicato dos trabalhadores da empresa alerta: não só tarifas subirão e serviço piorará – saúde dos paulistas também pode ser afetada
José Faggian em entrevista a Guilherme Arruda
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), nona maior empresa de água e esgoto do mundo em população atendida e terceira maior em receita, está na mira do capital financeiro há bastante tempo. Na década de 1990, a Sabesp deixou de ser 100% estatal e se tornou uma empresa de capital aberto – o governo paulista, por outro lado, permaneceu sendo seu sócio majoritário, possuindo 50,3% das ações. Agora, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) quer vendê-la de vez: seu programa eleitoral previa a privatização total da companhia até 2024, mas já em 2023 as articulações estão em curso para concretizá-la.
Com a pressão do setor empresarial, o movimento pela desestatização completa se acelerou na semana passada. Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (22/9), Tarcísio afirmou que o plano de privatização da companhia deve ser enviado à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) já em outubro.
Uma das principais entidades a se colocar à frente da luta contra essa privatização é o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema), que representa os funcionários da Sabesp. Seu presidente, José Faggian, conversou com Outra Saúde e lançou um alerta: “o serviço de saneamento tem uma interface direta com a saúde da população”, e a privatização “pode impactá-la, sem dúvida nenhuma”. Para Faggian, outros perigos da privatização são “um aumento de tarifa para garantir a lucratividade e, depois, uma piora na qualidade dos serviços para que se maximize esse lucro”. Tudo isso, ele frisa, já aconteceu em locais como Manaus, Campo Grande e Rio de Janeiro.
Na contramão do que diz a ideologia privatista, ele explica, a Sabesp pública é “responsável sozinha por um terço dos investimentos em saneamento que são feitos no Brasil todo ano” e, além disso, 310 dos 375 municípios atendidos pela empresa “já tem o que se chama de 300%: 100% de abastecimento de água, 100% do esgoto coletado e 100% de tratamento do esgoto coletado”. No total, 30 milhões de paulistas, 70% da população do estado, está coberta pela Sabesp. Para o sindicalista, se o lucro passar a ser o objetivo da companhia, “o risco que surge de os investimentos e o serviço não serem feitos e prestados de maneira adequada é muito grande”.
O presidente do Sintaema lembra também que sindicatos e movimentos sociais paulistas lançaram um plebiscito que consulta a opinião da população sobre a privatização das empresas públicas – além da Sabesp, o governo Tarcísio pretende entregar à iniciativa privada o Metrô de São Paulo e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). As urnas estarão abertas até o dia 5/11, com a lista de pontos de votação estando disponível no site oficial do plebiscito.
No exterior, diz Faggian, já é possível ver “um processo de reestatização dos serviços de saneamento que foram privatizados há algumas décadas”. O Sintaema chama atenção para um estudo do The Transnational Institute que identificou 884 reestatizações e remunicipalizações de serviços do tipo desde o ano 2000, inclusive em importantes metrópoles como Berlim, Buenos Aires e Paris. O governo inglês, nesse exato momento, discute a renacionalização da Thames Water, maior fornecedora de água do país. Já “se provou na prática que a privatização não funciona no setor de saneamento”, conclui o dirigente sindical.
O setor público, por outro lado, adota práticas que equilibram a prioridade de garantir receitas com a ampliação do serviço à população. O subsídio cruzado (método a partir do qual “as regiões de maior rentabilidade garantem o investimento nas áreas menos rentáveis”, explica o Sintaema) e a tarifa social, marcas da Sabesp, viraram fumaça em locais como o Rio de Janeiro. Essa tarifa, “que aqui em São Paulo é R$23,00, lá no Rio de Janeiro se tornou R$73,00” e é restrita a 5% dos clientes, compara Faggian. Só na capital paulista, 11% das ligações são tarifas sociais ou de vulnerabilidade – o que levaria muitas dessas famílias pobres a serem prejudicadas caso as regras mudassem com a gestão privada.
Além disso, os motivos para a pressa de Tarcísio no tema da privatização não poderiam ser mais mesquinhos. Com esse passo, o governador quer agradar “setores do mercado” que “patrocinaram sua campanha e, consequentemente, esse projeto privatista e de ‘Estado mínimo’ que ele tenta implementar aqui no estado de São Paulo”, opina o sindicalista. Para isso, ele quer atropelar até mesmo os prefeitos do interior de sua base, que avaliam positivamente a atuação da empresa.
Por tudo isso, os trabalhadores consideram a possibilidade de ir até às últimas consequências caso não consigam “demover o governador dessa ideia fixa de privatizar a Sabesp, o Metrô e a CPTM”, diz Faggian. Além da organização do plebiscito, foi marcada uma paralisação nas três empresas para o dia 3/10 e está em discussão “uma greve geral por tempo indeterminado”, ele alerta.
Fique agora com a íntegra das considerações feitas pelo presidente do sindicato dos trabalhadores da Sabesp ao Outra Saúde.
Outra Saúde: Além de anunciar essa sua intenção já na campanha eleitoral, Tarcísio de Freitas agora afirmou que quer entregar até o mês que vem o plano de privatização da Sabesp. Que interesses econômicos e políticos movem essa pressa pela privatização da companhia de saneamento?
José Faggian: O governador Tarcísio, desde que pisou em São Paulo, colocou como centro da sua política privatizar a Sabesp. Isso se tornou quase que uma questão de honra para ele. Por isso, ele põe o pé no acelerador e tenta usar a privatização da Sabesp para dar resposta a um setor da sociedade que espera isso dele, e para que ele mostre para o país que ele é um governador que acredita no “Estado mínimo” e que realiza as privatizações que promete. Os interesses econômicos nisso, eu acredito que são os do mercado, de setores que, em certa medida, patrocinaram a campanha do Tarcísio e consequentemente esse projeto privatista e de “Estado mínimo” que ele tenta implementar aqui no estado de São Paulo.
Mas há um problema político no calendário de privatização, que se resume às eleições municipais do ano que vem. Por quê? Porque a Sabesp já se mostrou uma empresa eficiente, que presta um serviço de qualidade, é bem avaliada pela população e pelos prefeitos. As pesquisas recentes já mostraram que a própria população não aprova a privatização da Sabesp. Portanto, esse é um tema bastante delicado de ser debatido durante um processo de eleições municipais, até porque os prefeitos vão ter que dar sua opinião. O poder concedente é municipal e eles vão ter que concordar ou não com a privatização.
É isso que explica essa urgência de liquidar a fatura até o final do primeiro semestre do ano que vem: para que o debate não adentre o período do processo eleitoral que vai acontecer nos municípios.
Existem várias experiências recentes de privatização ou desestatização dos serviços de água no Brasil, como nos casos da Cedae (RJ), da Corsan (RS), da Cagece (CE) e da Sanepar (PR). Já é possível traçar um balanço dos efeitos dessas privatizações?
Começando pelo Paraná, a Sanepar não foi exatamente privatizada. Lá eles adotaram uma estratégia de fazer Parcerias Público-Privadas (PPPs), então a Sanepar continua existindo enquanto empresa pública normal, só que eles estão fazendo um processo de PPPs que foram licitadas muito recentemente. Com isso, a gente ainda não tem como fazer um panorama do que acontecerá lá. Mas o que a gente sabe é que essas situações, em geral, trazem algum tipo de prejuízo para a população.
O caso mais emblemático, que dá para a gente já ir conversando alguma coisa, é sobre a CEDAE, no Rio de Janeiro. Na CEDAE, houve um processo de privatização que só afetou a distribuição, e mesmo assim a gente já vê um aumento exponencial nas tarifas. A tarifa social, que aqui em São Paulo é R$23,00, lá no Rio de Janeiro se tornou R$73,00. Além disso, eles põem um limitador de 5% das economias, ou seja, das ligações que podem ser cobertas pela tarifa social. Aqui em São Paulo, não há limite. Só na cidade de São Paulo, por exemplo, a gente tem 11% das ligações no formato de tarifa social ou tarifa vulnerável, que são tarifas subsidiadas. Isso significa 460 mil famílias que são beneficiadas por essa tarifa – só na cidade de São Paulo! Em um processo de privatização, muito provavelmente elas seriam prejudicadas.
Por outro lado, existem outros processos de privatização mais antigos no Brasil, que a gente consegue já ter um panorama melhor. Dois exemplos emblemáticos são os de Manaus e Campo Grande. Em Manaus, os serviços são privatizados há 23 anos e só 15% dos esgotos são coletados. Manaus hoje tem o sexto pior serviço de saneamento e a nona maior tarifa do Brasil. Em Campo Grande, também já privatizado há 20 anos, o serviço não foi universalizado como prometido, e você tem a maior tarifa entre as capitais hoje. Um serviço privado que não é universalizado e cobra a maior tarifa do Brasil.
Esses são os efeitos que a gente vê da privatização aqui no nosso país. Além disso, tem o que a gente pode observar no mundo: um processo de reestatização dos serviços de saneamento que foram privatizados há algumas décadas. Se provou na prática que a privatização não funciona no setor de saneamento.
Então a privatização oferece risco à qualidade e ao preço dos serviços oferecidos pela Sabesp?
Sim. Quando a gente fala de saneamento, é sempre bom enfatizar que o serviço de saneamento tem uma interface direta com a saúde da população. Em um serviço dessa natureza, quando você coloca como principal objetivo o lucro, inevitavelmente você vai ter risco dessas duas coisas. Você vai ter, primeiro, um aumento de tarifa para garantir essa lucratividade e, depois, uma piora na qualidade dos serviços para que se maximize esse lucro. Isso a gente tem visto pelo mundo e em alguns exemplos aqui no Brasil, em situações onde o serviço de saneamento foi privatizado.
Nos últimos anos, cresceu no Brasil a discussão em torno da universalização do acesso ao saneamento básico para a população. A privatização da Sabesp pode afetar o avanço das metas dessas políticas?
A Sabesp é a maior empresa de saneamento não só do Brasil, mas da América Latina. É a terceira maior do mundo [em receita]. A Sabesp, hoje, é responsável sozinha por um terço dos investimentos em saneamento que são feitos no Brasil todo ano. Esse debate sobre a necessidade de mais investimentos no setor de saneamento é verdadeiro para o Brasil. A gente precisa realmente avançar, e tem regiões que têm indicadores muito ruins, mas essa não é a realidade da Sabesp.
Hoje, a Sabesp opera em 375 municípios. Desses 375, 310 já tem o que a gente chama de 300%: 100% de abastecimento de água, 100% do esgoto coletado e 100% de tratamento do esgoto coletado. Além disso, dentro do plano de investimentos da Sabesp, o que falta fazer para universalizar os outros municípios já está equacionado para acontecer até 2030. Quando o governador fala que vai antecipar a universalização do saneamento nos municípios operados pela Sabesp para 2029, ele conta uma dupla mentira. Primeiro, porque 310 já estão universalizados. Quando a gente usa outros parâmetros esse número aumenta, inclusive. Segundo, porque o que vai ser antecipado já está dentro do plano de investimentos da Sabesp.
O Brasil, em geral, tem uma realidade diferente, mas no estado de São Paulo, em especial na área operada pela Sabesp, esse debate não cabe porque o trabalho já foi feito. Os serviços estão praticamente universalizados.
A privatização dos serviços de água e esgoto pode afetar a saúde dos paulistas?
Sem dúvida, a política de saneamento e, por consequência, as atividades da SABESP deveriam e devem estar articuladas com a política de saúde pública. Ela é fundamental, e você vê que muitos indicadores de saúde mudam significativamente quando se tem um serviço de saneamento. Os índices de mortalidade infantil, por exemplo, diminuem drasticamente.
Quando se pega um serviço dessa natureza e coloca o lucro como objetivo principal, o risco que surge de os investimentos e o serviço não serem feitos e prestados de maneira adequada é muito grande. Isso, sem dúvida nenhuma, tem impacto na saúde da população.
Desde o início do mês, o Sintaema e outros sindicatos têm coordenado um plebiscito contra a privatização das estatais paulistas, já que, além da Sabesp, o Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) também podem ser entregues à iniciativa privada. Que objetivos esse plebiscito pretende cumprir junto à população?
Sobre o plebiscito, nós que somos funcionários da Sabesp, do Metrô e da CPTM já temos trabalhado há algum tempo o seguinte conceito: hoje, no estado de São Paulo o que está em debate não é só a privatização da Sabesp, do Metrô ou de qualquer outra coisa, mas sim um projeto de “Estado mínimo”, onde o governador quer entregar e vender todos os serviços públicos, para que a iniciativa privada ganhe dinheiro, sem levar em consideração a saúde, a vida e o bem-estar da população de São Paulo. O que está em debate hoje no estado de São Paulo é o modelo do estado e o papel dos serviços essenciais – saúde, transporte, educação, saneamento – na vida da população.
Por isso, nós chegamos à conclusão de que esse problema das privatizações não é um problema só dos trabalhadores dessas categorias, mas um problema de todo o povo de São Paulo. Com isso, a gente pensou em fazer algumas ações. Uma delas é justamente esse plebiscito, que pergunta para a população o que ela acha sobre o processo de privatização.
O plebiscito está sendo realizado coletivamente. No dia 3 de outubro, nós também vamos fazer uma greve unificada de 24 horas [dos trabalhadores da Sabesp, do Metrô e da CPTM] para mandar um recado para o governador, dizendo que o povo de São Paulo não aceita essa entrega desse patrimônio que coloca em risco a saúde e o bem-estar da população paulista. E tudo isso dentro desse conceito de que o que está em debate é o modelo e o papel dos serviços essenciais, assim como o modelo de Estado.
Está dentro também de um processo coletivo e unificado de luta das categorias. A gente imagina que, se não conseguirmos demover o governador dessa ideia fixa de privatizar a Sabesp, o Metrô e a CPTM, a gente deve caminhar para um processo de luta mais radicalizado no futuro, talvez até pensando em uma greve geral por tempo indeterminado.
Como fazer para participar do plebiscito?
Para quem quiser participar do plebiscito, é simples: basta assinar uma lista e votar. As urnas estão abertas até 5 de novembro nas sedes do Sintaema, do Sindicato dos Metroviários e dos dois sindicatos da CPTM. Além disso, estamos abrindo urnas do plebiscito nos bairros, nas estações do metrô e em feiras do estado inteiro [N.E.: confira aqui os locais].
Basta procurar as entidades, principalmente o Sindicato dos Metroviários, os sindicatos da CPTM e o Sintaema, para poder votar ou até para pegar materiais, urnas e ajudar a gente nessa empreitada. Quem quiser participar mais ativamente, ótimo. Vários movimentos sociais têm participado, fazendo a divulgação do plebiscito e a coleta de votos.
Como eu disse, quem vai ser prejudicado [pela privatização] é principalmente o povo de São Paulo. A população, a classe trabalhadora. É necessário que essa parcela da sociedade tome consciência e nos ajude a defender esses serviços que, como o próprio nome diz, são essenciais para a vida desse povo.
FONTE:
https://outraspalavras.net/outrasaude/sabesp-privatizacao-faz-mal-a-saude/