Os rumos da política no Brasil
Eleições 2024 | O que as eleições municipais apontam sobre os rumos da política no Brasil?
Não fosse a eleição da capital paulista, a análise das tendências eleitorais apontariam um mesmo sentido. Não por acaso, a particularidade do fenômeno ali pode impactar o cenário como um todo. São Paulo, desde sempre, é um laboratório de experiências políticas, e seus resultados não podem ser tomados como um simples ponto fora da curva.
Danilo Paris - Editor de política nacional e professor de Sociologia
26 de setembro 2024
Assim, antes de entrar na expressão eleitoral mais complexa, vejamos aquelas que apontam um fenômeno parecido. Como método, adotaremos a análise das capitais dos estados. Quase 1 em cada 4 brasileiros vive nas capitais. A análise das tendências eleitorais nelas pode, portanto, apresentar sinais dos rumos da política no país.
Considerando apenas elas, temos 20 prefeitos aptos a se reeleger (ou seja, que estão no seu primeiro mandato).
Desses, apenas 7 não estão em primeiro nas pesquisas. Em dez capitais é possível e provável que a reeleição ocorra ainda no primeiro turno. Assim, é possível, e em muitos casos muito provável, que em dois terços delas o prefeito seja reeleito. Um número muito próximo ao de 2008, quando o índice foi o maior nos últimos 20 anos.
Vale a ponderação de que as chances de reeleição em prefeituras são altas, porque a máquina pública é usada para conquistar votos. São eleições nas quais as questões clientelistas são mais fortes, e, de fato, asfaltar ruas adiciona pontos percentuais nas pesquisas.
Mesmo com essa capacidade de uso da máquina pública para garantir votos, há momentos específicos em que nem mesmo quilômetros de recapeamento podem assegurar a reeleição.
2016 é uma expressão disso. Foram eleições muito impactadas pela Lava Jato. Foi o prenúncio de fenômenos mais inesperados, como Witzel e Zema, em 2018. Era o começo de uma fase em que a palavra “outsider” pululava nas análises políticas.
Agora, é importante destacar a tendência oposta – sem esquecer a particularidade paulista. Além da reeleição, são muitas as capitais nas quais as pesquisas são esmagadoras para quem já está no cargo. Rio de Janeiro, Recife, Salvador, Maceió e Macapá são as principais.
Esses dados refletem índices mais gerais de aprovação dos governos municipais. O instituto Ipsos Public Affairs, por exemplo, apontou que, entre esses prefeitos, a média de aprovação (ou seja, avaliação de ótimo ou bom) está em 60%.
Além disso, é possível que o PT volte a duas capitais, Teresina (onde de 47% nas pesquisas) e Goiânia (com um cenário mais acirrado). Em 2020, o PT ficou de fora de todas as capitais, o que aconteceu pela primeira vez desde a redemocratização. Goiânia, em especial, chama mais atenção, sendo uma cidade muito influenciada pelo agronegócio, com o PT conseguindo, até agora, um bom desempenho - isso sem contar Boulos, um aliado fiel.
Não é uma recomposição “espetacular”, mas é um indicativo no quadro geral. Além disso, é uma política do PT apostar em eleições com aliados para sustentar seu governo, fruto também das transformações no regime político dos últimos anos.
Considerando isso, ao que parece, o resultado final deste ciclo eleitoral nas capitais será mais positivo para partidos do chamado Centrão, com destaque para União Brasil, PSD e MDB. Todos eles fazem parte da Frente Ampla. Entre esses partidos, há candidatos apoiados por Bolsonaro, em torno de dez. No entanto, assim como Nunes, alguns deles são apostas mais “institucionais” de Bolsonaro.
Excluindo São Paulo, o que as eleições estão apontando é uma tendência de busca pela estabilização da política depois de anos de governo Bolsonaro e do forte desarranjo produzido pela extinta Lava Jato. Uma estabilização que não é estrutural, uma vez que tanto do ponto de vista das forças internas como do cenário internacional são muitas as tensões que atravessam a situação política.
Trata-se de uma busca pela estabilização, perseguida por um judiciário com superpoderes, que, após abrir a caixa de Pandora do bolsonarismo com a prescrição de Lula em 2018, agora atua para conter não só seu rebento rebelde, mas também seu subproduto. Em outras palavras, é a tentativa de dar ares de estabilidade em um regime fortemente abalado pelo golpe institucional de 2016 e todos os eventos subsequentes a ele.
Fato é que Marçal é uma severa advertência dessa busca por normalização. Mais do que um fenômeno isolado, Marçal expressa as contradições orgânicas do país. Soube aproveitar o espaço eleitoral órfão de uma extrema-direita radicalizada. Talvez tenha perdido a mão no fustigamento dos seus adversários eleitorais, cujo ápice foi a cadeirada, que se tornou um símbolo nacional.
No entanto, tudo ainda é muito incerto, e mesmo os resultados das pesquisas não podem ser levados ao pé da letra. Em 2022, ainda no primeiro turno, o DataFolha errou em 14 p.p. a diferença entre Lula e Bolsonaro. A AtlasIntel, a que menos errou entre as grandes, errou em 9,2 p.p.
Para além do método específico de cada agência, há vários fatores que entram no debate sobre a diferença entre os dados das pesquisas e os resultados das urnas. Um deles é o voto envergonhado, outro são as tendências de voto útil. O primeiro se atribui a eleitores da extrema-direita que têm vergonha de declarar publicamente seu voto. O segundo se deve a um fenômeno que ocorre às vésperas do primeiro turno, que é a tendência de o eleitor migrar de última hora para o candidato que ele considera “menos pior”, para vencer alguém que ele não deseja que seja eleito. As duas coisas podem ocorrer, e dependem, em primeiro lugar, da situação política da eleição.
Além desses, é sabido por pesquisas que uma parte significativa do eleitorado (o DataFolha estimou 12% em 2018) decide no dia da eleição. Por fim, é uma prerrogativa básica interpretar que os institutos não são neutros e que podem operar interesses próprios – ainda que tudo isso seja um cálculo muito milimétrico, pois quanto mais o instituto erra, mais ele perde credibilidade e, portanto, recursos.
Tomando como referência o agregador de pesquisas, que faz a média de todas, temos um cenário em que Nunes tem 25%, Boulos 24% e Marçal 21%. Com uma margem de apenas 4 p.p. entre o primeiro e o terceiro, é preciso considerar que nenhum cenário de segundo turno pode ser descartado.
É importante acompanhar se pode ocorrer um fenômeno de desidratação dos votos no fim da eleição sobre as candidaturas de Tabata e Datena. Caso isso aconteça, a migração de votos poderia favorecer, em primeiro lugar, Boulos, mas também Nunes, já que a menor parcela tem chance de ir para Marçal.
É um fato a moderação do tom de Marçal, o que indica que a “freada” (e, em alguns lugares, queda) nas pesquisas tem uma correspondência. Ao mesmo tempo, pelo estilo agressivo, pode haver voto envergonhado em Marçal? Não podemos descartar. Os vídeos de campanha apontam para apoio orgânico e entusiasmado, algo que nem Boulos nem Nunes conseguem. Isso pode gerar um efeito contágio no dia das eleições, sobre o eleitorado que decide de última hora? Sim, mas ninguém pode garantir.
Como não poderia deixar de ser, uma análise mais profunda só se concretiza com as urnas abertas. Até lá, o único veredito inquestionável é que, enquanto a extrema-direita renova seus tons de radicalização, aqueles que se declaram de esquerda adotam o caminho da permanente moderação e adaptação à ordem das coisas.
Como disse o professor Lincoln Secco, em um debate recente que fizemos sobre a importância de Gramsci na atualidade, o que falta é uma alternativa política que se rebele contra a “institucionalização da esquerda”.
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