Os sonhos da juventude
Ainda que taxados de perdidos, somos também apontados como o futuro do país
Tenho me sentido confusa, mas ao mesmo tempo nunca me percebi tão eu. Será que isso é que é ser jovem? É ter a certeza e a incerteza de mãos dadas? A insegurança e a segurança ecoando juntas? A perspectiva de um futuro ao mesmo tempo em que se angustia pelo que está por vir?
A juventude é muitas vezes resumida a uma faixa etária, mas essa é uma visão engessada de algo que na verdade é movimento. Acho que ser jovem é também um estado de espírito, um jeito de ser e uma oportunidade que, ainda que nos encontremos na faixa etária “ideal”, a muitos de nós é negada. Às vezes a juventude chega tarde e só pode ser aproveitada quando existe um breve e precioso tempo de respiro entre um turno e outro de trabalho. Ou uma rede de apoio pra cuidar do filho que veio cedo.
A gente escuta muito por aí que a juventude tá perdida e tentam colocar a culpa em várias coisas, nos pais, nas drogas, nas escolas e universidades públicas. Mas o que será que querem dizer com “perdida”? Perdida de que? Ou de quem? De si mesma? De idealizações? De costumes? O que esperam de nós jovens? Eu sei que a contradição não está só em nós, porque ainda que taxados de perdidos, somos também apontados como o futuro do país.
Mas o país que falamos é Brasil. 111 pessoas negras mortas, 4 feminicídios, 224 mil toneladas de lixo, 5.013 hectares desmatados tudo isso em um só dia. E incontáveis outros números alarmantes.
É em meio a essa conjuntura que, aos vinte e poucos anos é esperado que a gente decida o que queremos ser, de preferência sem muitas mudanças ao longo da vida para garantir uma estabilidade e viver bem. E na lógica capitalista viver bem está muito mais ligado a uma satisfação monetária e individual do que pessoal e coletiva. Até porque, se pararmos pra pensar, viver bem em meio ao atual cenário brasileiro parece até egoísmo.
O desejo de viver bem que possuo é de poder ser o que preciso ser em cada momento, mas isso é impossível no modelo em que vivemos. Talvez seja esse o motivo da minha confusão, ou da confusão da maioria de nós, é ter em mente que, ainda que de maneira inconsciente, a gente pode ser muito mais do que esse sistema nos permite ser.
Entender tudo isso não deve ser motivo para se desesperançar, mas um alerta para que a gente possa compreender o nosso papel enquanto jovens no país. Precisamos pensar em uma saída que promova o bem estar de todos, e não de alguns; onde os jovens sejam valorizados e não colocados em empregos precários; queremos uma sociedade que nos permita nos experimentar em áreas diversas e que nos permita de fato ser movimento.
Os brasileiros e brasileiras seguem em luta e resistência desde a invasão do território que hoje chamamos de Brasil. São inúmeras as vitórias ao longo desses anos. SUS, Cotas, Lei Maria da Penha, Universidades Públicas, Plano Nacional Juventude Negra Viva, Direito ao voto, Lei das Empregadas Domésticas, Constituição Federal, ProUni, Legislação Trabalhista que determina o salário mínimo, ECA, Conselho de Juventude e muitas outras. Essas conquistas nos fortalecem para seguirmos construindo um projeto de Brasil do povo para o povo.
A mudança precisa ser sistêmica, radical, feminista, anticapitalista e antirracista. E mesmo que a transformação desse modo de produção esteja ainda distante, podemos desfrutar da organização coletiva carregada de afeto, solidariedade e juventude. O caminho a ser percorrido é longo, mas essa vida só faz sentido com companheiros e companheiras que nos aproximem cada vez mais de quem nós verdadeiramente somos e de um projeto de Brasil que caiba cada um de nossos sonhos.
*Maria Clara Cristovão Radi é assistente social, compõe a coordenação estadual do Levante Popular da Juventude
Edição: Lucas Botelho
FONTE:
https://www.brasildefatopr.com.br/2024/10/23/os-sonhos-da-juventude-nao-cabem-no-capitalismo