Pacote do funcionalismo
Pacote do funcionalismo: reforma ou demolição?
Sergio Araujo (*)
Li esses dias, não lembro onde, tal é o grande volume de informações que a Internet nos proporciona, que um estabelecimento comercial, se não me engano um minimercado de um município do interior do estado, havia fixado um cartaz na porta dizendo que aquele estabelecimento apoiava a greve do magistério. Da mesma forma, fiquei sabendo que escolas de pequenos municípios, que nunca na sua história haviam aderido as greves do Cpers, estavam com suas portas fechadas e que a paralisação tinha o apoio de alunos e pais.
Tamanha adesão aos protestos e paralisações promovidos pelos professores estaduais e de outras categorias não chega a ser uma exceção, mas sem dúvida rompe um silêncio popular que perdurava desde a última grande greve do Cpers, em 1987, coincidentemente em favor da manutenção do plano de carreira e à não discriminação dos aposentados.
E por que os gaúchos estão ao lado dos professores, policiais, etc.? Tenho uma tese que encontra amparo no esporte. Sempre que uma atleta ou uma equipe demonstra uma inferioridade gritante em relação ao adversário, seja lá por qual motivo, a plateia acaba simpatizando e torcendo pela parte mais fraca. Seja por identificação ou por compaixão. É o que parece estar ocorrendo com as mobilizações promovidas pelo funcionalismo estadual, mais especificamente, pelos servidores do Executivo.
As pessoas sabem que os professores estaduais são mal remunerados, que os policiais trabalham em condições precárias e que os servidores do Executivo estão recebendo seus salários com atraso e de forma parcelada há quase cinco anos. Mais do que isto, sabem que a promessa feita pelo governador de que colocaria os pagamentos em dia até o final do ano não será cumprida. Pior ainda, se deram conta de que apesar do falatório dos governantes adeptos do liberalismo econômico que passaram pelo Palácio Piratini, no fim e ao cabo, quem sempre acaba pagando a conta é o contribuinte e o trabalhador.
É por isso que as poderosas forças do poder público e do Mercado se uniram no apoio à reforma administrativa. Nessa história eles, que nada tem a perder e muito a ganhar, posam de mocinhos e de vítimas, imputando aos servidores o papel de bandido da trama. É preciso encontrar uma saída para a crise financeira do Estado? Óbvio que sim. Mas a questão é, para isso é preciso jogar os servidores estaduais no fundo do poço? E por que só eles serão prejudicados? Por que os que os criticam também não dão sua cota de sacrifício?
Os empresários topam abrir mão dos seus incentivos fiscais? Os grandes devedores aceitam quitar seus débitos? Os deputados estão dispostos a reduzir seus salários e o número de assessores? O governo aceita enxugar o número de secretários, presidentes e diretores de órgãos estaduais? Os poderes Judiciário e Legislativo aceitam congelar salários e orçamentos? A resposta é clara, NÃO. Então por que essa campanha teatral visando convencer a sociedade da necessidade da aprovação da tal reforma?
Usar o poderio econômico como força auxiliar na luta contra os depauperados e humilhados servidores públicos, coagindo os deputados a votarem favoravelmente ao pacote de reformas, é um ato de covardia sem precedentes.
Alguém pode esperar justiça social e respeito ao trabalhador de alguém que, comprovadamente, sempre se preocupou com o próprio umbigo e que tem a obsessão pela busca do lucro a qualquer preço?
Declaração recente de um presidente de entidade patronal não deixa dúvidas quanto ao interesse das grandes corporações privadas: fazer o Estado gastar menos com pessoal para poder reduzir o ICMS. Olha o tamanho da crueldade. Quer que os servidores tenham seus salários reduzidos e seus descontos compulsórios majorados para que seus associados possam lucrar mais em suas atividades privadas.
Exigem benefícios fiscais para continuarem no Rio Grande do Sul, mas não se importam de patrocinar campanhas midiáticas para apoiar iniciativas que ajudem a desmontar a máquina pública. É o que estamos observando de forma intensiva nos últimos dias, para deleite dos veículos de comunicação que, não por acaso, oferecem amplos espaços nos seus noticiosos e comentários favoráveis em seus editoriais.
Agora me respondam aqueles que ainda criticam os servidores por fazerem greve, que outro recurso lhes resta para enfrentar tamanho poderio de influência? Não, senhores, não se trata de uma ação para manter privilégios como dizem por aí. Se trata de um esforço hercúleo para preservar a dignidade de uma categoria que fez e faz muito pelo Rio Grande e impedir que os gaúchos menos aquinhoados economicamente deixem de contar com a mão acolhedora do Estado.
Mesmo que os poderosos de plantão sejam bem sucedidos nas suas intenções, mesmo que sejam afortunados na sua saga pela extinção dos servidores públicos e de apropriação dos serviços por eles executados, impondo a todos os gaúchos e brasileiros uma realidade predominantemente dinheirista, a história haverá de fazer prevalecer a máxima de que uma sociedade gerada pela perversão, pela ganância e pela insensatez, jamais será justa, humanitária e conformada.
(*) Jornalista