Pandemia e lições educacionais
A pandemia e as lições educacionais
Não podemos negar que os
meios tecnológicos ajudam na
interação do conteúdo com o ser humano,
porém, eles negam as relações inter-humanas.
“A mãe não é igual a você, você tem as manias de [professora], a minha mãe não tem, ela trabalha num restaurante, ela só tem as manias de fazer comida. Me desculpa incomodar agora, só que eu queria falar para a senhora isso.” Veja mais aqui.
Essa mensagem foi enviada por um menininho à Professora Noilza Lopes e viralizou em todas as redes sociais, revela muitas reflexões e lições que podemos elencar, sem sombra de dúvida, a respeito da educação.
Um dos aspectos revelados nesse depoimento é a humanidade, ou a falta dela no sentimento evocado. Sabemos que as palavras não vêm sozinhas: elas trazem valores, sentimentos e emoções. “A mãe não é igual a você, você tem as manias de [professora]”, deixa claro que ser professor é muito mais que trazer conteúdo “seco” e puro. Esta fala transcende o papel da educação que é da socialização e da humanização, pois a escola não existe para memorização, para cumprir lista de conteúdos apenas.
Nosso maior palco é a vida e nela somos eternos aprendizes. Nosso maior desafio é a humanização, através do conhecimento. O conhecimento nos torna melhor seres humanos. A escola e a vida são oportunidades de aprendizagem, socialização e construção de conhecimentos. Humanizar é um dos maiores desafios da atualidade. Nei Alberto Pies, professor, escritor e ativista de direitos humanos propõe mudanças substantivas para atingirmos a humanização.
Neste momento crítico vivenciado experimentamos a tecnologia que nos permite a construção do conhecimento e aproximação com nosso estudante, porém ela não é o fim para educar, mas sim o meio.
A tecnologia pode muito bem servir como ferramenta para o ensino, porém ela sozinha é fria, é ineficaz, tanto do lado do professor quanto do estudante. Não podemos negar que os meios tecnológicos ajudam na interação do conteúdo com o ser humano, porém nega as relações inter-humanas.
A palavra dessa criança traz o mundo, o mundo que a educação ajuda construir a humanidade. Percebemos que a fala da criança demonstra um mundo de aflições, de sofrimento por não ter contato físico com a professora. A tecnologia pode amenizar a distância, mas jamais trará o afeto, o olhar sensível que tem o ser humano.
O menininho deixa claro que pensar em educação à distância como a única forma de ensino é negar a inter-relação eu-aluno x tu-professor, ou vice e versa tu-aluno x eu-professor, ou seja, a relação eu-outo. Isso porque as relações intersubjetivas estão sempre presentes.
O linguista que estudamos no Mestrado diz: “bem antes de servir para comunicar, a linguagem serve para viver. Se nós colocamos à falta de linguagem não haveria nem possibilidade de sociedade”. (BENVENISTE, 1989, p.222). Isso porque uma das faculdades da educação é a linguagem e o que nos torna humanos. A linguagem é fator fundamental para o professor trabalhar com o outro.
O áudio enviado para a professora Noilza deixa claro de forma angustiante o papel que tem o professor na vida do estudante, que necessita de um toque, de um olhar amigo, de uma visão diferenciada, do reconhecer-se como humano.
Porém, há que se ressaltar que essa angústia é vivenciada também por parte do professor, pois ele está angustiado, insatisfeito, porque sente falta dessa essência que a profissão lhe dá em ver seus alunos aprendendo. Ele está angustiado porque, por mais que manda as atividades, pensadas e refletidas para atender de fato o objetivo, fica no “escuro”, não têm retorno e ao professor esse retorno é seu combustível, a realização, o estímulo a seguir.
Outra reflexão que quero dividir é que o momento exige do professor uma certa obrigação em trabalhar com a tecnologia. Eu, em particular, fui sempre apaixonado e admirador no potencial em poder usar a tecnologia a favor do ensino.
Ao longo de minha carreira fui me reciclando e procurei sempre introduzir nos projetos para que os alunos pudessem usar aliada ao ensino-aprendizagem. Neste mês de junho, inclusive, lecionei uma disciplina de pós-graduação que, em virtude da situação, foi totalmente ministrada com o auxílio tecnológico do Programa Teams.
Confesso que realmente o contato físico-visual é necessário, nada substitui o professor-físico em sala de aula, sem contar que cansa bem mais e a gente não tem a visão do todo, da atmosfera educacional. Essa questão também afeta o psicológico do professor, uma porque nem sempre todo mundo domina a tecnologia e isso acarreta uma insegurança e ansiedade.
Percebemos que a tecnologia faz parte da sociedade pós-moderna e dias menos dias ela entraria no mundo educacional, porém ela foi introduzida de forma abrupta. O que fica é que educação se faz com gente para gente. As relações intersubjetivas do eu-aluno, tu-professor x tu-aluno, eu-professor jamais serão substituídas pela máquina.
A educação é muito mais que conteúdos decorados. Ela transcende a humanidade que vive em cada um de nós. Isso é inegável. “Me desculpa incomodar agora, só que eu queria falar para a senhora isso”, “você tem as manias de [professora], a minha mãe não tem”.
“O que eu espero, quando as crianças voltem para as escolas, é que tenha uma semana “sem aula”, que elas fiquem correndo e gritando nos pátios como os hamsters do capiroto até perderem a voz! Que as escolas mandem na agenda o seguinte bilhete: venham com roupa que possa ser rasgada, para que elas possam ralar os joelhos e cotovelos de tanto rolar na terra; que comam tatu-bolinha; que tomem banho de mangueira e muito, muito sol; que façam penteados malucos; que dancem muito e joguem bola até caírem exaustas no chão”. (Tatiana Lebedeff, professora universitária UFPEL)