Para melhorar a educação
O educador e cientista político Daniel Cara indica livros que aprofundam a discussão sobre o
sistema educacional brasileiro
O Brasil é um país marcado por lugares comuns. Por exemplo, aqui muito se fala sobre a importância da educação, mas pouco se investe na área e quase nada se lê sobre o tema. Como consequência, as educadoras e os educadores permanecem desvalorizados, ora tratados como heróis, ora tratados como culpados pelas mazelas educacionais. Jamais, no entanto, são respeitados pelo que realmente são: profissionais formados pela filosofia e pelas ciências da educação. Outra consequência é que as as escolas públicas, via de regra, permanecem marcadas pela precariedade. Porém, diferente do que os resultados da educação e a péssima qualidade do debate público nacional levam a crer, nosso país possui importantes obras, capazes de inspirar a necessária e urgente transformação educacional e educativa. Abaixo listo cinco obras de três autores e duas autoras. Como cinco é a regra editorial e vou respeitá-la, insisto em três menções honrosas: Florestan Fernandes (“Educação e sociedade no Brasil”), Marília Pontes Sposito (“A ilusão fecunda: A luta por educação nos movimentos populares”) e Celso de Rui Beisiegel (“A qualidade do ensino na escola pública”). Feitas as menções, vamos à lista: Paulo Freire (Paz e Terra, 2019) No ano do centenário de Paulo Freire é tão justo quanto obrigatório encabeçar qualquer lista sobre a transformação da educação com o maior clássico do pensamento pedagógico brasileiro. “Pedagogia do oprimido” é amplamente citado – por defensores e detratores –, mas muito pouco lido. Quando realizada, a leitura nos leva a instrumentos poderosos de filosofia pedagógica, mostrando que o caminho para a superação da opressão é ser radical, jamais sectário (de direita ou esquerda), e que o objetivo é a educação problematizadora e libertadora, nunca a educação bancária. O objetivo da “Pedagogia do oprimido” é cada uma e cada um “aprender a dizer a sua Palavra”. E se é pela palavra que mulheres e homens exercem sua humanidade, é pelo encontro do diálogo que a humanidade se torna plena. Anísio Teixeira (UFRJ, 1996) Se Paulo Freire é o principal autor brasileiro de ideias pedagógicas, Anísio Teixeira é o mais consistente pioneiro na defesa da escola pública. Principal referência de dois manifestos – o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e o Manifesto dos Educadores: Mais Uma Vez Convocados (1959) – em “Educação é um direito”, Teixeira apresenta os pilares para o projeto republicano e democrático de educação. A influência da obra é tão grande que inspira a política de educação integral e a política de fundos – Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e Fundeb permanente –, e também dá base filosófica para a construção do Custo Aluno-Qualidade, mecanismo desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação a partir de 2002, e que passou a integrar a Constituição Federal em 2020, por meio da Emenda 108. Nunca na história da República uma proposição desenvolvida por um movimento da sociedade civil alcançou o texto constitucional. Ainda na Emenda 108, a Campanha também conseguiu constitucionalizar o Sinaeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) – novamente inspirada por Anísio Teixeira. Maria Helena Souza Patto (Intermeios, 2015) Para um educador dói assumir, mas a reprovação e o fracasso escolar foi (ou é?), na prática, a principal tradição pedagógica do Brasil. Em um país em que não há abandono, mas exclusão escolar, Maria Helena de Souza Patto promove uma revolução copernicana ao demonstrar que a reprovação não é culpa das alunas e dos alunos, mas de uma escola dedicada a selecionar os mais adaptados – e comportados –, com o intuito de dar legitimidade para a ideologia meritocrática, que na prática serve a privilégios. Apesar de não se constituir mais como política educacional do país, a tradição da reprovação foi substituída por uma cultura de uso cruel e antipedagógica das avaliações padronizadas de larga escala, que agora servem para culpabilizar os profissionais da educação. Ou seja, o livro de Patto segue atual. Nilma Lino Gomes (Vozes, 2017) Conheci o livro “O movimento negro educador” por indicação da professora Iracema Santos do Nascimento (Universidade de São Paulo). O texto é mais uma obra que reforça a tese dela: “a luta educa e produz teoria”. No livro, Nilma Lino Gomes constrói uma “pedagogia das ausências e das emergências”, a partir das teorias e práticas do movimento negro e de mulheres negras. Surge daí também uma “pedagogia da diversidade”, capaz de subverter a teoria pedagógica. Iracema indicou o livro como referência para seu objetivo de pesquisa e de ação educativa: decolonizar a escola e a educação, propondo uma gestão antielitista, antirracista, antipatriarcal, anti-LGBTfóbica e anticapacitista de escolas, sistemas e redes de ensino. Ou seja, uma gestão verdadeiramente democrática. Administração escolar: Introdução crítica Vitor Henrique Paro (Cortez, 2018) “Administração escolar: Introdução crítica” é a mais importante obra sobre gestão educacional no Brasil. Vitor Henrique Paro promove uma mudança crítica de paradigma ao demonstrar que os pressupostos da administração de empresas não servem para a administração de escolas. Ocorre que as racionalidades são diferentes: uma é pautada pelo lucro, outra deve ser pautada pela pedagogia. Para operar essa transformação, Paro estuda tanto a administração de empresas quanto os clássicos da economia e do pensamento crítico. Como resultado, constrói uma obra que deveria ser livro de cabeceira dos gestores e das gestoras da educação pública, além de ser leitura obrigatória para as diretoras e os diretores de escola. Como não é, o resultado é conhecido por todas e todos. Daniel Cara nasceu em São Paulo, em 1978. É educador e cientista político. Em 2020 se tornou professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo). Foi coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação de 2006 a 2020. Em 2015 foi laureado com o Prêmio Darcy Ribeiro, entregue pela Câmara dos Deputados em nome do Congresso Nacional, por suas conquistas como ativista pelo direito à educação junto ao Parlamento. Segue pressionando as autoridades para consagrar o direito à educação no Brasil.
Pedagogia do oprimido
Educação é um direito
A produção do fracasso escolar: Histórias de submissão e rebeldia
O movimento negro educador: Saberes construídos nas lutas por emancipação