Parcerias público-privadas para escolas estaduais
Governo do RS estuda modelos de parcerias público-privadas para escolas estaduais
Uma das propostas prevê que empresas façam reformas e cuidem da manutenção das instituições de ensino. Modelo americano de escolas "charters" também é avaliado
24/05/2019
Um dos problemas apontados é a dificuldade em fazer obras; em Viamão, alunos estudam em galpão improvisado Tadeu Vilani / Agencia RBS
A remodelação da estrutura do Estado, com as privatizações de estatais e concessões de serviços públicos à iniciativa privada, ganhou uma nova frente de atuação no Rio Grande do Sul: as parcerias público-privadas na educação. O governo gaúcho trabalha com pelo menos duas propostas pensadas para minimizar problemas na estrutura física das escolas e na aprendizagem dos alunos. Uma delas prevê a realização de contratos de concessão para que empresas assumam a gestão das obras, da manutenção e dos serviços de limpeza e segurança nas instituições de ensino. A segunda é inspirada na experiência das escolas públicas geridas pela iniciativa privada nos Estados Unidos.
As chamadas charters schools começaram a se proliferar na década de 1990, a partir de regulamentações criadas pelos Estados. Funciona assim por lá: uma instituição privada recebe recursos do governo para administrar uma escola pública. É responsável pela construção da estrutura, pela contratação de professores e funcionários e pela definição do currículo. Os estudantes não pagam mensalidade. Também não há prova de seleção.
Na última segunda-feira (20), o governador Eduardo Leite recebeu visita, no Palácio Piratini, do presidente da Charter Schools USA (CSUSA), Jon Hage. O empresário, que gerencia 86 escolas espalhadas por seis Estados americanos, veio ao Brasil a convite do presidente do Instituto Floresta, Leonardo Fração. Os dois apresentaram ao governador a ideia de utilizar parte do fundo criado a partir Lei de Incentivo à Segurança para a construção de uma escola charter experimental em Porto Alegre.
A ideia agradou o governador. Em nota sobre a visita do empresário norte-americano publicada no site do governo do Estado, Leite demonstrou interesse pelo projeto:
"Queremos esse modelo aqui. Só porque um serviço é público não significa que precisa ser administrado pelo poder público", disse o governador.
O secretário extraordinário de Parcerias, Bruno Vanuzzi, confirma o interesse do governo do Estado em modelos alternativos para a área da educação. Na semana passada, ele acompanhou o governador em viagem aos EUA e à Europa para apresentar as possibilidades de parcerias. Um vídeo divulgado nas redes sociais pelo governo gaúcho mostra o material levado por Leite e Vanuzzi aos investidores estrangeiros. Entre as possibilidades de concessão, estão as escolas da rede estadual.
— É uma questão de modernização da gestão pública — afirma Vanuzzi, especialista na área de Parcerias Público-Privadas (PPPs).
O secretário é cauteloso sobre a implementação de escolas no modelo charter no Rio Grande do Sul, mas diz que a proposta está em análise pelo governo. Outro modelo levantado pelo secretário é baseado em um exemplo de Belo Horizonte (MG), onde a prefeitura firmou uma PPP para construção, reforma e manutenção de 51 escolas públicas.
— Nesse modelo são mantidas todas as operações por uma empresa privada, menos a parte pedagógica. São escolas com altíssima qualidade de infraestrutura, eu estive lá conhecendo — disse Vanuzzi, que planeja ter uma proposta de parcerias estruturada até o começo do segundo semestre.
Para o secretário, o modelo de Belo Horizonte ajudaria a minimizar os problemas com as obras de recuperação das escolas. No começo do mês, o governo decidiu redirecionar para obras em rodovias o dinheiro de financiamento do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), previsto inicialmente para as escolas. Isso porque o contrato com o banco vence no fim de maio e o recurso seria perdido.
Há um ano na espera por reforma
Na Escola Estadual de Ensino Fundamental João Barbosa, em Viamão, educadores e alunos aguardam há mais de um ano obras de recuperação de parte da estrutura, destruída em um incêndio. A turma do 9º ano do Fundamental têm aulas improvisadas em um galpão de madeira, sem forração, nos fundos do pátio. Com a destruição das salas da direção, da supervisão e da secretaria, esses setores estão funcionando provisoriamente no espaço da biblioteca.
— Nenhum engenheiro veio aqui até agora. Estamos sem saber quando as obras vão começar — afirma o vice-diretor, Paulo Wollman.
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) afirma que o projeto para execução do serviço ainda está em análise no Comitê Gestor de Obras. Em relação às parcerias, a Seduc disse que "entende como positivas todas as propostas e iniciativas que buscam a melhora da infraestrutura das escolas, o que trará benefícios para a qualidade da educação como um todo".
Modelo de gestão privada para obras é avaliado
Escolas de Educação Infantil foram construídas por meio de parceria público-privada em Belo Horizonte
Adão de Souza / Divulgação
Em 2017, quando ainda atuava na prefeitura de Porto Alegre, Bruno Vanuzzi foi a Belo Horizonte conhecer o projeto Inova BH, uma parceria público-privada firmada em 2010 para 46 escolas de Educação Infantil e cinco de Ensino Fundamental. A empresa vencedora da licitação, ligada ao grupo Odebrecht, ficou responsável por construir os prédios e fazer a manutenção da estrutura por um prazo de 20 anos – isso inclui serviços de limpeza, de segurança e conservação. No ano passado, a empreiteira concluiu a venda da empresa responsável pelo projeto para uma companhia de Minas Gerais, dentro do processo de reestruturação após a Operação Lava-Jato.
A subsecretária de Planejamento da Secretaria de Educação de Belo Horizonte, Natália Raquel Ribeiro, afirma que o contrato prevê uma série de exigências por parte da empresa, para que não haja interrupção dos serviços e que o trabalho seja executado com qualidade. Ela afirma que o modelo permite a realização de obras de forma ágil e dá mais tempo para que o governo faça os pagamentos, já que as parcelas são diluídas nos 20 anos.
— Tínhamos um grande desafio de ampliar a oferta na Educação Infantil e conseguimos fazer de forma ágil e eficiente. E agora os professores não precisam dedicar esforços para resolver problemas que tiram o foco da gestão no aluno.
Parceria privada que surgiu nos EUA pode ser implementada no RS
Outra possibilidade é a criação de escolas públicas geridas pela iniciativa privada, seguindo o exemplo do que é feito nos Estados Unidos. As escolas charters pertencem à rede pública, ou seja, recebem dinheiro do governo, mas têm gestão privada. A empresa ou entidade sem fins lucrativos é responsável pela estrutura física, pela contratação de professores e pela metodologia de ensino. Os distritos escolares e os governos estaduais são responsáveis pelas regras de funcionamento – existem diferenças entre os Estados – e pelo controle de qualidade.
O presidente do Instituto Floresta, Leonardo Fração, conheceu o trabalho de Jon Hage com as charters schools em viagens a trabalho aos Estados Unidos e se encantou com a ideia de oferecer opções às famílias de uma educação fora do modelo tradicional de escola pública gerida pelo Estado. Depois de trabalhar na mobilização de empresários para equipar as forças de segurança no Rio Grande do Sul, com a compra de viaturas e equipamentos, ele agora defende uma atuação pela educação.
— Eu penso que existem duas coisas mais básicas na sociedade: sair de casa sabendo que vai voltar, em segurança, e garantir as mesmas oportunidades educacionais para todos.
Com o apoio do amigo gringo, que tem experiência de mais de 20 anos com as charters na Flórida, Fração apresentou ao governador do RS, Eduardo Leite, a ideia de construir uma escola na periferia de Porto Alegre utilizando os recursos de 10% do fundo de segurança previsto para ações de prevenção à violência. O entendimento é de que não se reduz a violência sem investimentos em educação.
Por e-mail, Jon Hade afirmou à reportagem que acredita no potencial do Brasil para as escolas charters.
— É preciso olhar para os melhores modelos de outros lugares e personalizar para o Brasil, garantindo que atenda aos padrões, costumes e metas do país. Primeiramente, deve-se mostrar que funciona de maneira experimental para, em seguida, expandir com base no seu sucesso.
Um modelo que tem algumas das características das escolas charters é adotado pela prefeitura de Porto Alegre, por meio de parceria com instituições da sociedade civil. A última firmada foi este ano, com a inauguração da Escola de Ensino Fundamental Aldeia Lumiar, no bairro Tristeza. A prefeitura paga um valor mensal de R$ 970 por aluno, que tem aulas na instituição gerida pela Aldeia da Fraternidade e pelo Instituto Lumiar.
Modelos funcionam? Especialistas divergem
A diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas, Claudia Costin, conhece o projeto de Belo Horizonte e é favorável ao modelo de parcerias privadas para obras e manutenção das escolas. Segundo ela, os diretores gastam muito tempo em tarefas administrativas, sendo que o principal papel deve ser liderar o processo de aprendizagem. Sobre as escolas charters, ela diz que existem bons exemplos nos Estados Unidos, mas alerta para dois problemas: a concentração de alunos de classe média em algumas escolas (sem diversidade) e uma sensação para os governantes de que o problema da qualidade está resolvido.
— O risco é virar ilhas de excelência e acabar excluindo os alunos com mais desafios de aprendizagem.
O professor aposentado da Universidade de Campinas (Unicamp) Luiz Carlos Freitas é contra repassar dinheiro para a iniciativa privada. Segundo ele, essas parcerias acabam por retirar verba da escola pública, sem melhorar a qualidade da educação.
— O principal impacto é que, além de não melhorar a qualidade da educação, elas aumentam a segregação escolar por nível socioeconômico e por raça. Além disso, consistem em políticas que permitem que escolas religiosas, valendo-se da escolha dos pais, acessem recursos públicos.
Já o professor do Insper Fernando Schuler defende o modelo. Segundo ele, hoje, no Brasil, os secretários municipais e estaduais têm muito pouco poder de ação para melhorar a qualidade do ensino, já que não podem descontratar serviços e demitir profissionais com desempenho ruim.
— A vantagem do modelo é que você pode fechar as escolas ruins. Não é uma solução mágica, mas permite que você descontrate aquelas que não apresentem resultados.