Paulo Freire na avenida

Paulo Freire na avenida

Paulo Freire arrasou na avenida

Pedagogo foi homenageado pela Águia de Ouro

29/02/2020

      Teve pedagogo no samba. Paulo Freire foi o grande campeão do carnaval paulistano com a Águia de Ouro. Paulo Freire, não Paulo Barros. Intelectual brasileiro mais citado e homenageado no mundo, detentor de uma penca de títulos internacionais de doutor honoris causa, Freire ensinou, ao mesmo tempo, o óbvio e o revolucionário. Mostrou que é muito mais fácil aprender quando estamos motivados por se tratar daquilo que nos envolve, afeta, engaja e condiciona no cotidiano. Indicou caminho para alfabetizar adultos rapidamente. Demonstrou que a escola pode ser emancipadora – propósito do iluminismo – ou instrumento de reprodução da hierarquia social da desigualdade.

      Só desmerece Paulo Freire quem não conhece o seu trabalho ou tem obsessões ideológicas que cegam. Freire foi um intelectual do seu tempo. Jean-Paul Sartre também. O marxismo esteve muito presente no imaginário de homens de certas épocas. AS obras-primas desses homens e mulheres foram além das suas ideologias de época. A filosofia de Sartre transcende os seus engajamentos circunstanciais assim como a literatura do argentino Borges não reflete o seu reacionarismo constrangedor. O pensamento filosófico do alemão Heidegger não mostra os rastros da sua colaboração com o nazismo. Os romances do genial francês Céline não indicam o quanto ele foi detestável e preconceituoso como homem.

      Imaginar a sala de atual como mero espaço de “transmissão” de conteúdos é ignorar os avanços da tecnologia, da pedagogia e das sociedades. Durante muito tempo se confundiu memória com saber. Inteligente era quem decorava mais coisas e sabia repeti-las como um papagaio. Max Weber, um dos pais da sociologia, exigia neutralidade dos docentes baseados neste princípio: “O professor tem a palavra, mas os alunos estão condenados ao silêncio”. Um professor continua não devendo fazer pregação política em sala de aula, mas o aluno condenado ao silêncio felizmente não existe mais. Paulo Freire defendeu justamente um estudante participativo. Num tempo em que poder quer censurar a imprensa, as escolas de samba fizeram crítica política nota dez.

      Viradouro, a campeã do carnaval carioca, falou das escravizadas que lavavam roupas na Bahia para comprar a alforria. A desmontagem do racismo que enxovalha o Brasil passa pela compreensão do nosso passado escravista ainda recente. O grande desafio do educador atual não é “transmitir”, inscrevendo o seu saber e as suas verdades definitivas em supostas mentes em branco e doutrináveis, mas problematizar, estimular a criatividade, construir espaços de interação, incentivar a autonomia intelectual e agir como um facilitador intelectual e um orientador na construção do conhecimento. O conteudismo transmissor, não fosse a marca ideológica de uma nostalgia perigosa, soaria quase ingênuo, algo assim como dizer que ler na tela de um computador não proporciona a mesma profundidade cognitiva que ler numa página de papel. Paulo Freire deu samba. A avenida apresentou-se como uma sala de aula emancipadora. Atrás de Paulo Freire só não vai quem já morreu.


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