Dos quase R$ 90 bilhões que o governo pretende "economizar" caso a PEC dos Precatórios, também chamada de PEC do Calote, seja aprovada em segundo turno nesta terça-feira, R$ 31 bilhões se referem a precatórios da Previdência Social. Ou seja, tratam de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O alerta foi feito por Tonia Galetti, diretora do Sindicato Nacional de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) no início da noite desta segunda-feira, a fim de excluir aposentados e pensionistas da abrangência da PEC. Tonia adiantou ao EXTRA que ainda nesta terça-feira começa a preparar uma denúncia contra o governo Bolsonaro na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
— Nosso pedido ao Supremo vai no sentido de retirar esse montante (de R$ 31 bilhões) da PEC dos Precatórios, uma vez que o que aposentados e pensionistas do INSS recebem valores que têm caráter alimentar — adverte.
É importante destacar que a PEC dos Precatórios é vista como essencial pelo governo Bolsonaro para conseguir pagar o Auxílio Brasil — já que os recursos economizados com o pagamento das dívidas judiciais seriam aplicados no programa —, mas tem gerado temor de calote entre os credores e o mercado. Isso porque a PEC negocia ampliar o prazo de pagamento de todos os precatórios federais, sem fazer distinção entre os alimentares, como é o caso dos atrasados do INSS.
O governo pretende estabelecer um teto de pagamento anual, sendo de R$ 40 bilhões em 2022 dos R$ 89 bilhões que estavam previstos para os pagamentos do próximo ano. Os precatórios que não forem expedidos dentro do teto ficarão para os anos seguintes.
Questionado sobre quem serão os mais afetados por essa PEC, Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), foi enfático:
— Qualquer pagamento acima de R$ 66 mil vai entrar na história dos precatórios. Todos serão afetados, em especial aqueles que mais passaram dificuldades sem receber benefícios previdenciários — alerta o advogado.
Pela PEC 23/2021, os precatórios de valor superior a R$ 66 milhões (mil vezes o pagamento considerado como de pequeno valor, para efeitos judiciais) poderão ser pagos em dez parcelas, sendo 15% à vista, e o restante em parcelas anuais.
Outros precatórios poderão ser parcelados se a soma total dos precatórios for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União. Nesse caso, o critério será pelo parcelamento dos precatórios de maior valor.
De acordo com o governo, todos os precatórios de pequeno valor, abaixo de R$ 66 mil, ficam de fora da regra do parcelamento. Portanto, os que estiverem acima deste valor podem ser parcelados, avalia o advogado.
Segundo a advogada Cristiane Saredo, os mais afetados serão os relacionados às verbas alimentares:
— É absurda aprovação dessa PEC. Fere direitos constitucionais como a verba alimentícia, o acesso à Justiça. Depois de anos para ter seu dinheiro reconhecido na Justiça, o cidadão ainda terá que esperar pela concretização do reconhecimento do seu direito.
Diego Cherulli completa:
— O Estado vai fazer valer à força a vontade do intérprete político da administração.
Erro na administração pública
Tonia, do Sindnapi, chama a atenção para o erro da administração pública nas concessões previdenciárias, o que acaba gerando valores muito altos de atrasados a receber.
— O que tem a receber só está acumulado no valor maior porque houve um erro da administração pública que ou não concedeu ou concedeu com erro esse benefício. E aí a pessoa tem que entrar na Justiça, brigar pelo seu direito. Este é reconhecido pela Justiça, que manda implantar o benefício correto, além de pagar aquilo que deveria ter recebido anteriormente, que é quitado via precatório. Só que agora o governo pretende dar esse calote no aposentado e no pensionista — diz Tonia.
Ela avalia que nem toda economia oriunda dessa PEC é necessária para o pagamento do Auxílio Brasil, que vai acrescentar R$ 40 bilhões sobre o que era gasto com o programa Bolsa Família, e não quase R$ 90 bilhões como quer "abocanhar" o governo.
— A gente entende como uma medida de justiça retirar os aposentados e pensionistas dessa PEC, eles têm sofrido muito com essa pandemia e não foram ajudados em absolutamente nada pelo governo federal. Pelo contrário, arcaram com as despesas da casa, da família, já que muitas pessoas perderam seus empregos. Mais uma vez estão sendo escorchados e vilipendiados pelo governo — adverte Tonia.
Fomento à 'venda' de precatórios
Vale lembrar que o objetivo da PEC — que está em tramitação na Câmara — é criar um teto de gastos para os precatórios. As despesas seriam congeladas no patamar de 2016 — quando foi criada a regra do teto —, e o valor seria reajustado pela inflação. Assim, no próximo ano, o governo poderia pagar apenas R$ 40 bilhões aos credores.
Especialistas avaliam que com a aprovação da PEC pode haver uma corrida a escritórios que compram esses papéis de dívida do governo muito abaixo do valor de face.
— Haverá uma corrida para venda de precatórios que apenas, e tão somente, irá beneficiar esse mercado que cresce à medida que aumentam a instabilidade jurídica no país e as ameaças ao cumprimento de direitos — avalia Diego Cherulli, vice-presidente do Instituto Brasleiro de Direito Previdenciário (IBDP).
— Hoje, as empresas buscam insistentemente os donos desses papéis para comprar os precatórios, muitas vezes induzindo os credores a acharem que nunca receberão, o que é uma inverdade. Com a aprovação da PEC, teremos, talvez, um movimento inverso: as pessoas procurando essas empresas para vender com medo de nunca receberem — avalia.
Para Diego Cherulli, "caso o Estado queira gastar menos com precatórios, basta errar menos". Segundo ele, é preciso evitar decisões administrativas absurdas ou que interpretam a norma contra o direito dos cidadãos. No caso do INSS, a maior parte dos pedidos de revisão judicial se dá por não acatamento das decisões de repercussão geral ou repetitivas pelo órgão, mantendo o erro e, consequentemente, mantendo o direito ao acesso a Justiça.
— É preciso criar um procedimento mais justo e seguro, onde as normas sejam interpretadas sempre nos viés de evitar a judicialização. Não somente na interpretação, a própria norma deve ser melhor elaborada pelo Congresso Nacional. Essa pressa em aprovar matérias tem prejudicado o Estado de Direito e gerado judicialização, que culmina em precatórios. Resolvendo os problemas na elaboração das normas e na interpretação administrativa, resolve-se o problema dos precatórios — afirma o advogado.
Segundo Cherulli, a situação fica instável, pois não se terá certeza de pagamento. No caso dos servidores, o problema é o mesmo.
— Remanescerão na instabilidade, o que é bastante prejudicial ao direito. É uma forma de perpetuar as decisões administrativas. Afinal, de que vai adiantar, se o Estado não vai cumprir? — questiona o advogado.
A venda dos papéis bem abaixo do valor real em escritórios também foi destacada pela advogada Cristiane Saredo:
— Já há muitas pessoas que recorrem à venda de precatórios para receber antes, mas é possível que essa procura aumente bastante se a PEC passar.
Fonte: Jornal EXTRA
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