Pedagogia da Alternância na LDB
Pedagogia da Alternância entrará na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Veto a projeto de lei de Helder Salomão foi derrubado, e promulgação acontecerá em breve
A Pedagogia da Alternância, método utilizado em diversas escolas do campo do Espírito Santo e do Brasil, será incluída na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O Projeto de Lei 6498/2016, apresentado pelo deputado federal Helder Salomão (PT) para tratar do tema, havia sido vetado integralmente em 2022 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas o veto foi derrubado pela Câmara Federal.
Criada na França, em 1935, a Pedagogia da Alternância tem como proposta fazer com que o aluno do campo alterne uma semana na escola, em tempo integral e regime de internato, e uma semana em casa. O objetivo é manter o vínculo dos estudantes com suas comunidades, buscando nelas as principais referências para o tempo na escola, e levar para as famílias e às localidades em que vivem os aprendizados vivenciados.
Em território capixaba, desde 1968 o Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes) utiliza o método nas Escolas Família Agrícola (EFAs), sendo um dos pioneiros a nível estadual e federal. Atualmente, existem 18 Escolas EFAs e quatro Centros de Educação Infantil em municípios de norte a sul do Estado, além de um hospital e maternidade em Anchieta.
Apesar disso, ainda não há reconhecimento legal para a metodologia. "A intenção do projeto é tornar mais clara a interpretação da LDB sobre o uso da Pedagogia da Alternância como proposta educacional para a educação do campo. O projeto nasceu da dificuldade das secretarias estaduais admitirem o método, não reconhecendo os diplomas de alunos egressos dessa proposta de ensino e dificultando a entrada desses alunos em cursos de graduação e pós-graduação", explicou o deputado Helder Salomão nas redes sociais.
"Essa é uma vitória dos educadores do campo, que terão maior segurança para continuarem a desenvolver essa fundamental proposta de ensino para as populações do campo", comemorou o deputado.
O Comitê de Educação do Campo do Espírito Santo (Comeces) também já discute com a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) a regulamentação da Pedagogia da Alternância a nível estadual.
Resolução
Em agosto, o Ministério da Educação (MEC) também formalizou, após quase três anos de espera, as Diretrizes Curriculares da Pedagogia da Alternância, através da Resolução nº 1/2023, do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Assinada pelo presidente do colegiado, Luiz Roberto Liza Curi, a resolução refere-se ao Parecer nº 22/2020, emitido em dezembro de 2020, pelo mesmo CNE, atendendo a uma demanda apresentada pela União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas (Unefab), que representa os Centros Familiares de Formação por Alternância (Ceffa).
A Resolução entrou em vigor no dia 1º de setembro, e "define princípios e valores para o ensino e aprendizagem, formação docente (inicial e continuada), referenciais pedagógicos e metodológicos para a execução da Pedagogia da Alternância nas modalidades da Educação Básica e da Educação Superior".
FONTE:
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 16 DE AGOSTO DE 2023 (*)
Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares da Pedagogia da Alternância na Educação Básica e na Educação Superior.
O Presidente do Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o disposto na Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e com fundamento no Parecer CNE/CP nº 22/2020, homologado por Despacho do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no DOU de 16 de agosto de 2023, Seção 1, página 22, resolve:
CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A presente Resolução define princípios e valores para o ensino e aprendizagem, formação docente (inicial e continuada), referenciais pedagógicos e metodológicos para a execução da Pedagogia da Alternância nas modalidades da Educação Básica e da Educação Superior.
§ 1º A Pedagogia da Alternância é uma forma de organização da educação e dos processos formativos que objetivam atender as comunidades do campo, do cerrado, dos rios, das florestas, de outros biomas e de comunidades urbanas específicas.
§ 2º A Pedagogia da Alternância aplica-se aos estudantes da Educação Básica, Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano e Ensino Médio, e aos estudantes da Educação Superior.
§ 3º Esta Resolução objetiva a formação de estudantes do campo, indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais em contextos intraculturais.
Art. 2º A organização e o funcionamento das escolas e universidades que se utilizarem da Pedagogia da Alternância devem respeitar as singularidades das comunidades atendidas quanto às especificidades da atividade laboral, sistemas produtivos, modos de vida, culturas, tradições, saberes e biodiversidade.
Parágrafo único. A aplicação das mediações didáticas e metodológicas da Pedagogia da Alternância no âmbito da Educação Escolar Indígena e da Educação Quilombola deve considerar a autonomia dessas comunidades, conforme dispõem leis e normas específicas para essas modalidades de ensino.
Art. 3º Cabe aos sistemas de ensino regulamentar a Pedagogia da Alternância, observando os seus princípios e valores conforme disposto nestas Diretrizes.
CAPÍTULO II PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA
Art. 4º A Pedagogia da Alternância compreende:
I – Plano de Formação e organização curricular que articula conteúdos vivenciais em temas contextualizados geradores e conteúdos de formação geral e específica;
II – formação, educação e orientação objetivam o desenvolvimento integral do estudante considerando as dimensões cognitiva, afetiva, estética, ética, física, cultural, ecológica e social;
III – a organização e integração dos componentes das mediações didáticas devem enunciar as finalidades do projeto educativo, objetivos e etapas, articulando tempos, atividades e conteúdos em Tempo Escola/Universidade e Tempo Comunidade tendo em vista ensino, pesquisa e extensão;
IV – mediações pedagógicas são atividades que efetivam a Pedagogia da Alternância e as articulam aos espaços, tempos e processos da Escola/Universidade e Comunidade; e V – uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas práticas pedagógicas com ênfase na relação dialógica entre docentes e discentes.
Art. 5º São Princípios e Valores:
I – ensino e aprendizagem interligando conhecimento científico e tecnológico a saberes populares e tradicionais;
II – articulação entre ensino, pesquisa e extensão, considerando o trabalho, a história e a cultura das comunidades envolvidas como princípios e fins da educação;
III – o processo formativo deve considerar o contexto sócio-cultural-educacional dos estudantes e seus territórios;
IV – o compartilhamento da gestão administrativa e pedagógica entre estudantes, famílias, docentes e comunidades envolvidas;
V – alternância de tempos, espaços e saberes entre a escola e universidade, família e comunidade, com vistas ao desenvolvimento crítico da teoria e da prática;
VI – a consideração dos conhecimentos das comunidades e suas experiências de vida enquanto fonte de saber para o processo de ensino-aprendizagem; e
VII – a pesquisa como princípio metodológico do processo formativo tendo em vista a produção de conhecimento por meio da interação entre teoria e prática.
Art. 6º A Pedagogia da Alternância se caracteriza por dinâmicas pedagógicas que envolvem períodos de estudos letivos alternados entre Tempo Escola e Tempo Comunidade na Educação Básica, e Tempo Universidade na Educação Superior, conforme segue:
I – o Tempo Escola e o Tempo Universidade podem ser desenvolvidos na escola, na universidade e em outros espaços sociais;
II – o Tempo Comunidade deve ser integrado ao Projeto Pedagógico, Currículo e Calendário, desenvolvido no território onde habitam os estudantes, abrangendo atividades e processos de pesquisa, experimentação e extensão, práticas sociais e laborais; e
III – a organização do Tempo Escola e do Tempo Universidade devem ser previstas nos projetos pedagógicos e calendários das escolas e instituições de educação superior.
Parágrafo único. As atividades do Tempo Comunidade devem possuir vínculo com o tema gerador, integrador, contextual ou eixo temático por meio de estudos e da vivência cotidiana na família, na comunidade e no trabalho.
CAPÍTULO III PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Art. 7º São elementos estruturantes do projeto pedagógico na perspectiva da Pedagogia da Alternância:
I – Mediações pedagógicas para garantir a integração dos espaços e tempos formativos;
II – Tema Gerador, Integrador ou Contextual;
III – Plano de Estudo, Caderno da realidade, Caderno de Acompanhamento;
IV – Intervenção Externa (palestras, cursos e oficinas);
V – Visita, viagem de Estudo. Experiências Agroecológicas;
VI – Atividades de Retorno;
VII – Estágio, Projeto Profissional;
VIII – Relatórios de Pesquisa, Trabalhos Interdisciplinares, Trabalho de Conclusão de Curso;
IX – Práticas de Ensino, Tutoria, Auto-organização;
X – Encontros de Tempo Comunidade, Visita às Famílias; e
XI – Caderno Didático, Avaliação Coletiva, Avaliação por Ciclo Formativo, Avaliação de Habilidade e Convivência, Avaliação Institucional e Participativa.
Parágrafo único. Atendendo aos princípios da Pedagogia da Alternância, novas mediações podem ser adotadas.
Art. 8º O currículo deve considerar eixos temáticos, temas geradores ou contextuais em seus componentes curriculares, áreas de conhecimento e itinerários formativos tendo em vista abordagens multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares.
Art. 9º O currículo deve observar os dispositivos das Leis nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e nº 11.645, de 10 de março de 2008, que tratam da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena.
Art. 10. O currículo deve observar os dispositivos da Lei nº 11.525, de 25 de setembro de 2007, acerca dos conteúdos sobre direitos das crianças e adolescentes no Ensino Fundamental.
Art. 11. O currículo deve, ainda, observar:
I – a construção coletiva a partir dos valores, culturas, sociabilidades, tecnologias e realidade das comunidades atendidas;
II – a dinâmica local, ancorando-se na temporalidade e saberes dos estudantes, na memória coletiva da comunidade;
III – as identidades locais, as culturas, as linguagens e o trabalho como eixos do currículo das escolas;
IV – o fortalecimento da agroecologia e das tecnologias sustentáveis, a convivência humana em diferentes biomas e climas, a economia solidária e a sustentabilidade da gestão territorial como parte dos processos formativos;
V – a pesquisa e o trabalho como princípios educativos;
VI – o conhecimento das especificidades do campo, do cerrado, das águas e das florestas nas escolas que atendem estudantes desses territórios;
VII – os princípios da educação popular e a adequação das metodologias didáticopedagógicas às características dos estudantes atendidos;
VIII – a elaboração e uso de materiais didáticos e de apoio pedagógico que valorizem conteúdos culturais, sociais e identitários produzidos pelos povos do campo, do cerrado, das águas e das florestas; e
IX – a concepção de educação em consonância com dimensões locais e globais, teóricas e práticas, conhecimentos empíricos e científicos.
Art. 12. Os Estágios Supervisionados decorrentes da Pedagogia da Alternância devem considerar as atividades realizadas do Tempo Comunidade desenvolvidas sob a gestão pedagógica da escola.
CAPÍTULO IV PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Art. 13. No âmbito de sua autonomia, cabe às Instituições de Educação Superior (IES), que adotam a Pedagogia da Alternância, apoiar docentes, discentes e atividades de ensino, pesquisa e extensão decorrentes.
Art. 14. As atividades pedagógicas desenvolvidas no Tempo Comunidade fazem parte da carga horária regular para fins de matriz ocupacional dos docentes, desde que contempladas no projeto pedagógico do curso ou programa.
Art. 15. Os Estágios Supervisionados decorrentes da Pedagogia da Alternância devem considerar as atividades realizadas do Tempo Comunidade desenvolvidas sob a gestão pedagógica da Instituição de Educação Superior.
Art. 16. Os cursos de formação de professores que adotam a Pedagogia da Alternância devem explicitar no Projeto Pedagógico de Curso (PPC) a metodologia de organização curricular.
Art. 17. Esta Resolução entrará em vigor em 1º de setembro de 2023.
LUIZ ROBERTO LIZA CURI