Perde a educação, atrasa o Rio Grande
Pacote Leite: perde a educação, atrasa o Rio Grande
- Por Sofia Cavedon*
Artigo publicado neste Sábado, 15, no Portal Sul21.
Com a colaboração de Vera Amaro*
O Governo Leite aprovou novas carreiras, regime de trabalho e previdência através do massacre das/os professores e funcionários de escola pelos descontos dos dias de greve, atingindo dois meses de salário, mesmo a categoria recuperando os dias letivos, num contexto de seis anos de arrocho e parcelamento salarial.
Com sua maioria na Assembleia Legislativa, o Governo impôs à Rede Estadual de Ensino, menos salário, menos valorização, mais exigências, mais barreiras, num rebaixamento sem precedentes da carreira e dos proventos. Fará caixa num confisco direto nos vencimentos dos aposentados e das atuais carreiras e provocará o desestímulo à profissão de professor e professora, à qualificação da educação e à permanência no serviço público.
Nesse artigo mostro as principais mudanças e suas consequências para contribuir na luta e na reconstrução de melhores perspectivas para a educação e a defesa de sua qualificação e do seu caráter público.
A carreira de um professor e de uma professora é composta de Níveis (1 a 6) onde a formação acadêmica é valorizada e de Classes (A a F) onde a qualificação e o tempo de serviço são bonificados.
Formação e progressão são um binômio virtuoso, mantém a esperança e a motivação dos e das profissionais durante toda a vida de trabalho. Os que combatem o antigo Plano de Carreira dizem que ele não funcionou. Mas na verdade o que dependia dos profissionais, 85,9% deles chegou à formação superior (nível 4) e 53% atingiu a Pós-Graduação (Nível 5) do plano de carreira. Já na progressão na Classe, há evidente dificuldade de avanço, pois sucessivos governos descumprir a lei e não realizar o processo de promoção, que era previsto para acontecer anualmente - professores com um interstício de 3 anos para concorrer à classe seguinte. E servidores de escola com interstício de 2 anos.
Os governos, cujos partidos votaram nessas mudanças das carreiras, não respeitavam esse Plano e não faziam as progressões, o que atrasou e impediu muitos profissionais de avançarem e obterem reconhecimento de sua trajetória. Por isso temos na classe A, entre ativos e inativos, 28% do magistério estadual e apenas 3,4% chegaram à Classe F. Os esforços dos governos de Olívio Dutra e o Governo de Tarso Genro de procederem às promoções e pagaram retroativamente, foram interrompidos nos governos que os sucederam.
Vejamos o que aconteceu com as mudanças: para alteração de Nível, no Plano de Carreira extinto, o valor do Nível 6 era o dobro do valor do Nível 1 (100% maior) e exigia a realização de Pós-Graduação. Era acessado sem interstício. Agora o valor do Nível 6 será apenas 30% maior que o valor do Nível 1, sendo que o nível 5 exigirá a realização de Mestrado e o Nível 6 de Doutorado.
Ampliar a exigência de formação é desejável, investir nela é muito importante. Essa mudança, no entanto, é de desinvestimento pela redução de ganhos e também pela retirada das condições de acesso. Vejamos: a nova lei estabelece a progressão para o Nível IV somente após o término do estágio probatório e mais três anos e, para o Nível V e VI, após cinco anos de exercício em cada nível. Ainda mais, isso acontecerá pela conveniência e oportunidade – a critério do gestor, portanto, não mais apenas diante da apresentação de certificação, como antes.
Assim também mudou a progressão na Classe, que é a valorização da experiência e tempo de serviço: o valor da Classe F, a última da progressão, era 50% maior que o valor da Classe A, e reduziu para apenas 5,1%. Antes prevista anualmente, agora dependendo da conveniência e oportunidade do gestor e sem retroatividade.
A extinção dos triênios, que era uma bonificação por tempo de serviço, esse sem depender da vontade do gestor, que por anos de arrocho, muitas vezes foi a única alteração salarial (5% a cada três anos) compõe a brutal redução de ganhos da carreira.
Se o professor e a professora conseguirem o feito de galgar todos os novos níveis e classes chegarão ao final da vida funcional com, no máximo 1,75 vezes do salário inicial, nem dois salários, quando era 4,5 vezes, considerando os ganhos dos 10 triênios.
Mas a redução de direitos conquistados não parou por ai. Os atuais professores terão seus proventos reenquadrados no criado “subsídio” fixado para o regime de 40 horas semanais, cujos valores iniciais incorporarão o básico, o completivo e os triênios acumulados (ou parte deles) que será o piso aplicado na nova tabela. O que exceder o reenquadramento será transformado numa parcela autônoma que permanecerá congelada. Ou seja, chamam de “parcela de irredutibilidade de vencimentos” de natureza transitória, em valor equivalente à diferença entre o futuro subsídio e a remuneração atual do professor. A parcela ficará congelada, na medida em que reajustando o subsídio/piso, não reajustará a parcela. É claro que, com esse mecanismo, parte dos ganhos de carreira dos e das atuais professores e professoras serão corroídos pela inflação com o passar do tempo, aproximando os salários iniciais de carreira com os demais.
Além da extinção dos triênios (5% a cada três anos sobre o vencimento da classe) e para os servidores de escola, também dos adicionais por tempo de serviço (15% aos 15 anos e 25 % aos 25 anos de carreira), a nova lei veda a incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão à remuneração do cargo efetivo ou aos proventos de inatividade ou pensão, a exemplo: da gratificação pelo exercício de direção ou vice-direção; da gratificação pelo exercício de função de confiança; do adicional noturno; do adicional de penosidade; da convocação; do difícil acesso. É a redução profunda dos ganhos de aposentadoria e o desestímulo para assumir funções de responsabilidade, coordenação e trabalho em lugares difíceis.
Além de não levar para aposentadoria as gratificações temporárias existentes, que tinham valores fixados em percentual do vencimento básico, essas foram extintas e transformadas em valores fixos. Entre elas, a de exercício em escola ou classe de alunos com deficiência; o exercício em regência de classes unidocentes, função gratificada de direção, vice- direção, difícil acesso.
Mas a pretensão de diminuir gasto com educação é tanta que o Governo Estadual trouxe para a educação o trabalho intermitente da Reforma Trabalhista dos Governos Temer/Bolsonaro. Vejam como: atualmente a professora, o professor assume um cargo de 20 horas e podem ser convocados para mais 10 horas ou mais 20 horas com gratificação de 50% e 100% sobre o vencimento respectivamente, garantindo proporcionalmente a hora-atividade. A nova regra estabelece a convocação por carga horária, de acordo com a necessidade e com valor da hora calculada conforme o subsídio fixado para a classe e nível do profissional convocado para cumprir componentes curriculares, sem tempo de planejamento ou reunião, retiradas a critério do gestor.
A nova matriz salarial, alardeada como a forma de pagar o piso profissional nacional, além de aproximar muito o teto desse piso, refere-se a 40 horas de trabalho. E esse regime não existirá mais pelas novas regras aprovadas. Os profissionais que ingressarem na carreira terão apenas 20 horas que poderão ser cumpridas em mais de um turno e em mais de uma escola. E mais, como convocação temporária que não estabiliza nunca e não será incorporada na aposentadoria. Um desrespeito profundo com os profissionais e com a educação. Ninguém terá 40 horas, portanto, essa matriz é uma falácia. Nessa lógica de convocação por hora-aula, o coletivo da escola será sempre instável, transitório, com profissionais que vão alguns turnos, sem condição de planejamento e avaliação com o grupo. Isso impactará negativamente a qualidade da educação.
A nova matriz salarial atinge diretamente as/os aposentadas/os: será aplicado o mesmo mecanismo: subsídio mais parcela autônoma, congelando parte do salário, num confisco de vencimentos sem precedentes porque se soma ao estabelecido na votação da Previdência, em dezembro: a volta da contribuição previdenciária para aposentados que ganham abaixo do teto do INSS. Cálculos apontam que, em média, haverá a redução salarial inicial de 10% com a aplicação da nova Contribuição Previdenciária. Em reação a isso, o Governador Eduardo Leite é cruelmente explícito: “investir no aposentado é investir no passado”, disse em recente entrevista. Um desrespeito inaceitável às vidas dedicadas a várias gerações de gaúchos e gaúchas e que são motores da economia e vetores da relação intergeracional fundamental para a harmonia, coesão e bem-estar social. Nesta situação estão cerca de 140 mil aposentados e pensionistas que recebem entre 1 (um) salário mínimo e o teto do INSS, que hoje não pagam contribuição, e passarão a pagar.
Quanto à aposentadoria para os atuais professores, a incorporação das vantagens e gratificações conquistadas até aqui recebeu regras de transição e serão proporcionais caso não tenham cumprido todos os quesitos atuais para a incorporação. A partir de então, para os atuais e para os novos, nenhuma vantagem temporária será incorporada.
Mudou a idade de aposentadoria conforme a reforma do governo Bolsonaro: professor com efetivo exercício na educação básica deverá ter idade mínima de 60 anos e professora de 57 anos. Até então, era de 60 e 55 respectivamente como referência, o que podia diminuir ao somar os anos trabalhados. Lembrando que o cálculo do valor também trouxe para o RS a média de todas as contribuições, da Reforma da Previdência feita pelo Congresso Nacional no ano passado, com a fórmula que parte de 60% dessa média a partir de 20 anos de contribuição, acrescentando 2% ao ano. Ou seja, acaba com a aposentadoria especial, pois serão necessário 40 anos de contribuição para chegar a 100% da média de todas as contribuições.
Foi retirada da Constituição Estadual a concessão de licença remunerada para aguardar aposentadoria, e estabelecido que nova lei definirá as normas e os prazos de análise. Até que ela entre em vigor o/a servidora terá direito à licença após 60 dias da data do protocolo – hoje são 30 dias.
Vamos aqui registrar também que as mudanças atingiram as/os servidores de escola - merendeiras, auxiliares de serviço geral, secretários, monitores - que não terão subsídio. O que acontece com eles é que as vantagens temporais, conquistadas até aqui, ficarão congeladas. Daqui para frente, para os atuais servidores e para os novos, foram extintas as Vantagens por Tempo de Serviço – triênios e adicionais de 15% e 25%. Como regra de transição, preservaram os percentuais implementados nos termos da legislação vigente, até a data da entrada em vigor da PEC e estabeleceram que uma nova lei disporá sobre regras de transição para incorporação para os servidores que já tenham o direito à integralidade.
E, foi revogada para professores e servidores, a possibilidade de considerar a participação em assembleias e atividades sindicais como de efetivo exercício, num claro movimento de desmobilização e organização da luta sindical.
Além disso, para todos os servidores públicos, foi reduzida a gratificação de permanência de 50% do básico do trabalhador para 10% - medida que incentivará ainda mais as aposentadorias de pessoal que, qualificado e com condições de produtividade, deixarão de servir à sociedade.
Vê-se então o quão profunda foi a alteração da vida funcional, das condições de trabalho e aposentadoria e que refletem diretamente na qualidade de serviços que será entregue à população. Projeto perverso e injusto que se impõe com falsas afirmações como a crise do estado, desmentida pelo balanço de 2019 onde que se retirar os 3 bilhões que o governo alega de déficit – que seria a parcela a pagar da dívida com a União e que desde 2015 não é paga por decisão judicial – veremos que fechou com um superávit de mais de 40 milhões. Projeto que visa apenas à privatização e entrega de fatias da política pública à exploração do mercado e esconde a falta de projeto de desenvolvimento, a aderência ao governo federal com a desistência da luta pelos impostos devidos na compensação da Lei Kandir e outras tantas medidas na área da receita que não tem dedicação do governo.
Não renunciaremos à denúncia, ao combate e à apresentação de alternativas. Os arautos da desesperança tem tempo contado porque a força de quem defende a vida e os direitos se renova diante da injustiça e no reconhecimento da capacidade coletiva de resistir e fazer valer a cidadania e o poder popular.
*Deputada Estadual do PT, Presidenta da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do RS.
*Assessora Especial da Educação da Bancada do PT na ALRS
Fonte: Portal Sul21.
Acesse aqui os 5 Episódios da série Sofia explica os impactos do pacote de Leite
Episódio 1 - Empobrecimento dos profissionais
Episódio 2 - Nova carreira - Parcela autônoma
Episódio 3 - Trabalho intermitente
Episódio 4 - Servidores e Servidoras
Episódio 5 - Aposentadoria