Piso Nacional da Enfermagem

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Piso Nacional da Enfermagem: “já demos nossa cota de sacrifício e o setor privado lucrou como ninguém na pandemia”

Liminar do STF suspende piso nacional da enfermagem | Geral

 


No início de agosto o Se­nado aprovou o Piso Na­ci­onal da En­fer­magem, que atu­a­liza os sa­lá­rios de en­fer­meiras, au­xi­li­ares e téc­nicos do setor. San­ci­o­nado pela pre­si­dência, de­veria en­trar em vigor nesta se­gunda, 5, mas o mi­nistro do STF Luis Ro­berto Bar­roso atendeu apelo pa­tronal e con­cedeu li­minar de sus­pensão do re­a­juste até que se bus­quem fontes de fi­nan­ci­a­mento. No en­tanto, So­lange Ca­e­tano, do Fórum Na­ci­onal de En­fer­magem, afirma que os tra­ba­lha­dores es­tavam des­va­lo­ri­zados há anos e o setor pri­vado es­queceu de re­co­nhecê-los en­quanto acu­mu­lava lu­cros mesmo du­rante a pan­demia.

“Se o setor pri­vado ti­vesse se pre­pa­rado, agora o im­pacto seria menor. Vai ter im­pacto também porque pagam mal e não va­lo­ri­zaram seus pro­fis­si­o­nais nos úl­timos anos. Cabe a eles irem con­versar com de­pu­tados e se­na­dores, buscar fontes de cus­teio, como de­so­ne­ração da folha, já que não querem di­mi­nuir seus ga­nhos. Mas de­mitir e jogar na costa dos tra­ba­lha­dores é de­su­mano, in­clu­sive com os as­sis­tidos”, disse So­lange Ca­e­tano.

So­lange Ca­e­tano re­futa as ale­ga­ções dos em­pre­sá­rios do setor, acom­pa­nhados pelos ges­tores de en­ti­dades fi­lan­tró­picas de saúde, que já pos­suem grandes dí­vidas. No en­tanto, ela elenca uma série de al­ter­na­tivas ca­pazes de fi­nan­ciar o piso, além de de­fender a ne­ces­si­dade do fim da EC-95, o cha­mado teto de gastos, que li­mita in­ves­ti­mentos pú­blicos em áreas so­ciais por 20 anos.

Os em­pre­ga­dores pre­cisam de uma visão mais pro­gres­sista, en­tender que des­pesas com pes­soal são in­ves­ti­mento. Falo de pro­fis­si­o­nais que con­trolam me­di­ca­mentos, ma­te­riais di­versos, têm con­tato mais di­reto com pa­ci­entes... Se a en­fer­magem se vê aco­lhida, va­lo­ri­zada, com qua­li­dade de vida e tra­balho, é óbvio que ela dará o me­lhor de si. Con­se­quen­te­mente, ge­rará lu­cra­ti­vi­dade ao setor pri­vado e re­co­nhe­ci­mento aos ges­tores pú­blicos.

A en­tre­vista com­pleta pode ser lida a se­guir.

Como en­xerga a apro­vação do Piso Na­ci­onal da En­fer­magem e a forma como foi apro­vado?

O piso foi apro­vado de forma ex­tre­ma­mente de­mo­crá­tica. O valor era muito su­pe­rior ao apro­vado. De­ba­temos com li­de­ranças do Se­nado, di­versas ban­cadas, tudo para chegar a um acordo me­lhor para os tra­ba­lha­dores sem causar um im­pacto tão alto e de­pois ou­virmos que que­bra­ríamos o setor.

Nossa pro­posta aceitou re­dução do piso de R$ 7750 pra R$ 4750. Im­pactos sempre existem, mas ti­vemos inú­meras reu­niões, de­ba­temos nas duas casas le­gis­la­tivas, apre­sen­tamos es­tudos com base de dados, tanto de ins­ti­tui­ções tra­ba­lhistas como dos em­pre­ga­dores. Tudo foi muito bem dis­cu­tido.

Assim, o re­lator do pro­jeto, o de­pu­tado fe­deral Ale­xandre Pa­dilha, chegou à con­clusão de que era pos­sível aprovar o piso. Foi feito de forma ex­tre­ma­mente. Acon­tece que os em­pre­ga­dores não se pre­pa­raram. Em de falar que o setor ia que­brar de­viam ter bus­cado fontes de fi­nan­ci­a­mento, de­viam con­versar com re­pre­sen­tantes do poder pú­blico pra achar formas de vi­a­bi­lizar o piso, que pra nós já é re­a­li­dade.

O que pensa da ale­gação do setor pri­vado, que en­trou na jus­tiça e con­se­guiu li­minar no STF pra barrar o au­mento, de que não seria pos­sível fi­nan­ciar o o piso e de­mis­sões se­riam ine­vi­tá­veis?

Os hos­pi­tais pri­vados lu­craram como nin­guém no úl­timo pe­ríodo. Se buscar os dados de lu­cra­ti­vi­dade das grandes redes pri­vadas po­de­remos ver como ga­nharam di­nheiro, in­clu­sive na pan­demia.

Dizer que a en­fer­magem vai so­frer de­mis­sões é no mí­nimo de­su­mano. O im­pacto real seria no pri­meiro mo­mento, mas de­pois eles re­passam os custos pra quem compra seus ser­viços. Eles não vão que­brar por causa do piso.

Outra coisa: se o setor pri­vado ti­vesse se pre­pa­rado, agora o im­pacto seria menor. Vai ter im­pacto também porque pagam mal e não va­lo­ri­zaram seus pro­fis­si­o­nais nos úl­timos anos.

Cabe a eles irem con­versar com de­pu­tados e se­na­dores, buscar fontes de cus­teio, como de­so­ne­ração da folha, já que não querem di­mi­nuir seus ga­nhos. Mas de­mitir e jogar na costa dos tra­ba­lha­dores é de­su­mano, in­clu­sive com os as­sis­tidos. Porque os re­ma­nes­centes ficam mais so­bre­car­re­gados e a pres­tação de ser­viço perde qua­li­dade.

Quais po­de­riam ser as fontes de cus­teio, a fim de evitar que uma con­quista tra­ba­lhista tenha efeito ne­ga­tivo para os seus be­ne­fi­ciá­rios?

Existem di­versas al­ter­na­tivas, vá­rios pro­jetos tra­mitam na câ­mara e podem gerar renda pra in­ves­ti­mento em ques­tões como o piso na­ci­onal de en­fer­magem, al­guns deles com di­re­ci­o­na­mento claro para o setor de saúde.

Ci­tamos o PL 442/91, que re­gu­la­menta os jogos no Brasil e prevê 4% da ar­re­ca­dação des­ti­nada à área da saúde. O texto já foi apro­vado pela Câ­mara e lu­tamos para au­mentar a fatia a 12%. Há o PLP 205/21, de re­ti­rada das con­tri­bui­ções so­ciais da folha de sa­lá­rios das em­presas pri­vadas do setor de saúde. Tem o PL 2337/21, de tri­bu­tação de lu­cros e di­vi­dendos, me­dida que in­tegra o pro­jeto de re­forma do Im­posto de Renda en­viado pelo Pla­nalto e já apro­vado pela Câ­mara. Há o PL 840/22, de au­mento dos royal­ties da mi­ne­ração, uma das pri­meiras al­ter­na­tivas apre­sen­tadas para fi­nan­ciar o piso, através do au­mento da Com­pen­sação Fi­nan­ceira pela Ex­plo­ração de Re­cursos Mi­ne­rais (CFEM). Há o PL 1241/2022, pro­jeto que prevê a uti­li­zação de re­cursos dos royal­ties da ex­plo­ração de pe­tróleo para bancar o piso sa­la­rial na­ci­onal da En­fer­magem. E temos ainda os fundos pú­blicos da União, re­cursos que estão “amar­rados” e “en­ges­sados” e podem ir para a área de saúde.

Op­ções existem e pre­cisam ser de­ba­tidas. Di­a­lo­gamos muito sobre a im­por­tância em se aprovar coisas nesse sen­tido. E as ins­ti­tui­ções pri­vadas também pre­cisam se mexer nesse.

O que você co­menta da re­a­li­dade econô­mica atual dos pro­fis­si­o­nais da área?

In­fe­liz­mente, é uma re­a­li­dade triste. Ti­vemos pro­fis­si­o­nais que se co­lo­caram na linha de frente da pan­demia sem as de­vidas con­di­ções e mesmo assim não ame­a­çaram ne­nhuma greve. Temos tra­ba­lha­dores con­cur­sados re­ce­bendo 1500 reais. Os pro­fis­si­o­nais não estão re­ce­bendo o de­vido re­co­nhe­ci­mento.

A en­fer­magem é base de sus­ten­tação da so­ci­e­dade, são a única ca­te­goria que de fato fica 24 horas por dia se re­ve­zando e cui­dando de pa­ci­entes, são os pro­fis­si­o­nais que mais se en­tregam nos es­ta­be­le­ci­mentos de saúde. Já demos nossa cota de sa­cri­fício e, ao lado de ou­tras ca­te­go­rias, es­tamos sem re­a­juste há anos.

Não po­demos as­sumir riscos do em­pre­gador. Re­a­justes sa­la­riais aos pro­fis­si­o­nais fazem parte do ne­gócio de saúde. Pagar o piso é im­por­tante até para a lu­cra­ti­vi­dade do setor pri­vado, porque são esses tra­ba­lha­dores que giram a roda e geram o lucro. Nada mais justo do que re­co­nhecer tais pro­fis­si­o­nais.

Há ame­aças ou de­mis­sões em an­da­mento contra os pro­fis­si­o­nais da área?

Sim, já temos no­tí­cias disso. Muitas ame­aças de de­missão em caso de ter de pagar o piso, em­pre­ga­dores que de­mitem e tentam re­con­tratar via co­o­pe­ra­tiva, pois assim há menos di­reitos tra­ba­lhistas. Ou­tros querem pagar o piso com au­mento de jor­nada, o que é outra ile­ga­li­dade. O piso é nosso sa­lário mí­nimo e há pro­por­ci­o­na­li­dade entre jor­nada e sa­lário. Vamos mo­ni­torar todas as ile­ga­li­dades e de­nun­ciar ao Mi­nis­tério Pú­blico do Tra­balho sempre que ne­ces­sário.

Também es­tamos num con­texto de au­mento da de­manda por ser­viços em saúde, tanto pú­blico como pri­vado, por va­ri­ados mo­tivos. Es­tamos, por­tanto, de uma opor­tu­ni­dade es­pe­cial de se pautar uma ex­pansão mais ro­busta do fi­nan­ci­a­mento em saúde? Quais se­riam os ca­mi­nhos para isso?

Sim, tem uma de­manda re­pri­mida muito grande de tra­ta­mentos e ci­rur­gias que fi­caram de lado e vão voltar com força. Os ges­tores pre­cisam en­tender que deve-se au­mentar o or­ça­mento em saúde. De­vemos der­rubar o teto de gastos, va­lo­rizar os tra­ba­lha­dores, con­tratar mais gente e va­lo­rizar o setor. É assim que se pode con­tentar a todos, os que tra­ba­lham e a so­ci­e­dade que pre­cisa dos ser­viços de saúde. E é bom pros ges­tores também, pois se há so­ci­e­dade se sa­tisfaz eles co­lhem os frutos.

Os em­pre­ga­dores pre­cisam de uma visão mais pro­gres­sista, en­tender que des­pesas com pes­soal são in­ves­ti­mento. Falo de pro­fis­si­o­nais que con­trolam me­di­ca­mentos, ma­te­riais di­versos, têm con­tato mais di­reto com pa­ci­entes... Se a en­fer­magem se vê aco­lhida, va­lo­ri­zada, com qua­li­dade de vida e tra­balho, é óbvio que ela dará o me­lhor de si. Con­se­quen­te­mente, ge­rará lu­cra­ti­vi­dade ao setor pri­vado e re­co­nhe­ci­mento aos ges­tores pú­blicos.

De­vemos fazer juntos, o pro­blema não é só do es­tado, do mu­ni­cípio, dos tra­ba­lha­dores. Pre­cisam todos sentar juntos e criar al­ter­na­tivas. Acre­dito muito que com a al­te­ração dos rumos no Mi­nis­tério da Saúde, com uma gestão me­lhor no pró­ximo pe­ríodo, e um de­bate mais sério entre as en­ti­dades, po­demos me­lhorar as con­di­ções do setor e dar conta de todas as de­mandas.

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Ga­briel Brito é editor do Cor­reio da Ci­da­dania e também re­pórter do Outra Saúde.

 

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