Plano para filosofia e sociologia
Plano do MEC para filosofia e sociologia é inútil, ilegal e grotesco
Ideia anunciada por Bolsonaro mostra que governo desconhece leis e o funcionamento do ensino universitário.
MAURÍCIO TUFFANI, Sábado, 27 de abril de 2019
Anunciado ontem, sexta-feira (26) pelo presidente Jair Bolsonaro pelo Twitter, um plano em estudo pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, para reduzir custos com cursos de filosofia e sociologia provocou reações rápidas, acuradas e contundentes de especialistas, deixando claro que a ideia é completamente descabida e sem sentido.
Na sua edição deste sábado, a Folha de S.Paulo publicou o artigo “Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada e fere a Constituição Federal”, escrito pela jornalista especializada em educação Sabine Righetti, que é pesquisadora-docente da Unicamp e coordenadora do Ranking Universitário da Folha (RUF), e pela jurista Nina Ranieri, professora de direito público da USP, onde é também coordenadora da Cátedra Unesco de direito à Educação da Faculdade de Direito.
As autoras esclarecem que “proposta de redução de investimentos do MEC em sociologia e em filosofia para priorizar áreas como engenharias e veterinária mostra, de novo, que o governo parece desconhecer as leis e a realidade do ensino superior brasileiro”.
O texto ressalta que a decisão sobre criação, expansão, modificação e extinção de cursos de graduação no Brasil é de competência exclusiva das universidades, conforme estabeleceu a Constituição de 1988 regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Além de mostrarem que a pretendida redução de despesas com esse plano é inócua por serem irrisórios os custos de filosofia e sociologia, as autoras destacam que o Brasil tem problemas sociais gravíssimos que exigem análises e estudos de pesquisadores dessas e de outras áreas das humanidades.
Aspectos grotescos
Destaco também outro artigo, que foi publicado ontem à tarde no site de O Estado de S.Paulo, “Governo ameaça, mas não sabe o que fazer com as universidades”, de Marco Aurélio Nogueira, professor de teoria política da Unesp, que ressaltou aspectos grotescos do plano de Weintraub. Entre outros pontos, Nogueira chamou a atenção para a seguinte afirmação de Bolsonaro em outro tuíte.
A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta.
“Exclui-se, desde logo, o saber pensar, o saber conviver, o saber apreciar o belo. O pragmatismo é rasteiro”, afirma o pesquisador da Unesp, que também é coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da mesma universidade.
“Ao atropelar a autonomia das Universidades e ameaçá-las com cortes e pressão, o governo mostra sua face arbitrária e destemperada”, afirma Nogueira. “Demonstra ignorância e hostilidade a tudo o que pode fazer pensar. Muito provavelmente, não conseguirá ir além da produção de fumaça”, acrescenta.
Cortina de fumaça
Na minha opinião, talvez a produção de fumaça seja justamente o que o governo tenha procurado alcançar. Na verdade, uma cortina de fumaça temperada pelo fantasma do “marxismo cultural” e pelo antiintelectualismo atávico do clã Bolsonaro e de uma boa parcela do seu eleitorado.
A comunicação presidencial por meio de mensagens geradoras de polarizações e discussões já se tornou um padrão suficientemente consolidado. E sem deixar qualquer dúvida razoável de que se trata de uma estratégia comunicacional deliberadamente articulada com foco no caos desmobilizador e na erosão da opinião pública. Inclusive no reforço do repertório argumentativo dos setores mais retrógrados da sociedade, angariando cada vez mais adeptos.
Lamentavelmente, ao submeter a filosofia e a sociologia ao aviltante massacre no celeiro de preconceitos de suas redes sociais, Bolsonaro acabou por fazer outros estragos. A tosca mensagem presidencial de desprestígio dessas áreas em relação ao aprendizado básico voltado para “a leitura, escrita e a fazer conta” é um golpe nas esperanças e nos sonhos de jovens interessados nessas e em outras das humanidades, inclusive nas artes.
“Somos feitos da mesma substância que os sonhos”, escreveu Shakespeare em “A Tempestade”. Não há humanidade sem sonhos. Mas o Brasil está cada vez mais ocupado com pesadelos.
Na imagem acima, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Educação, Abraham Weintraub. Foto: perfil no Twitter @AbrahamWeint.