Plataformas esvaziam papel do professor
Plataformas digitais no Paraná estimulam a vigilância e esvaziam papel do(a) professor(a), aponta artigo científico
Conclusão é de estudo que analisou a plataformização do ensino médio na rede pública do Paraná
19 de outubro de 2023
O trabalho pedagógico mediado pelas plataformas digitais se assenta na perspectiva do controle e agrava a precariedade das condições de trabalho dos(as) educadores(as). A conclusão é de estudo que analisou a plataformização do ensino médio na rede pública do Paraná.
O artigo “A Reforma do Ensino Médio e a Plataformização da Educação: Expansão da Privatização e Padronização dos Processos Pedagógicos” foi publicado na Revista e-Curriculum, editada pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
O texto é de Renata Peres Barbosa, pesquisadora do Departamento de Planejamento e Administração Escolar do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná; e Natália Alves, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.
>> Leia a íntegra do artigo
As pesquisadoras concluem que as plataformas digitais podem induzir mudanças negativas na própria lógica de organização e gestão do trabalho pedagógico e, portanto, no acesso ao conhecimento científico e no direito à educação, impedindo uma formação emancipatória para os estudantes.
O artigo aponta consequências danosas da plataformização, como o avanço da privatização, que adquire maior capilaridade e amplia a indistinção do público e privado; a padronização pedagógica, que desqualifica e precariza o trabalho docente; e o esvaziamento científico e pedagógico dos processos formativos.
Outro problema é a intensificação do controle sobre o trabalho docente e sobre os currículos, com as tecnologias sendo usadas para vigilância e controle, favorecendo processos de hiperburocratização.
RCO+Aulas
Uma das plataformas analisadas é o RCO+Aulas, onde o(a) professor(a) encontra planos de aula para as disciplinas e séries que leciona, com sugestões pedagógicas e encaminhamentos metodológicos.
“Na ferramenta online, é possível encontrar links para videoaulas, slides e listas de exercícios. Vale destacar que os materiais não são elaborados pelos(as) docentes e equipe pedagógica, submetendo a organização do processo pedagógico a indivíduos externos à escola”, analisa o artigo.
As pesquisadoras consideram que, nessa visão funcionalista da educação, os(as) docentes são reduzidos a meros aplicadores de materiais e slides prontos, assumindo o pressuposto de que há uma separação entre tomadores de decisão e implementadores. “Observa-se, portanto, o recuo da autonomia docente em um movimento de desintelectualização e, consequente esvaziamento científico e pedagógico”, afirmam.
O artigo aponta o aumento do trabalho burocrático, encoberto pelo discurso de maior flexibilidade: “Revestida pelo discurso da eficiência, favorece a hiperburocratização dos processos pedagógicos (…) Mais relatório para os docentes, mais burocracia adentrando o processo pedagógico”.
A descaracterização do exercício do magistério é confirmada na análise das plataformas Redação Paraná e Desafio Paraná. “Ambas as plataformas ilustram o caráter neotecnicista, revelando, assim, a associação às máquinas de ensinar de Skinner, em que ‘o ethos maquinal torna-se cada vez mais onipresente’ (Zuin, 2021, p. 5), ou nas palavras de Skinner ‘na qualidade de mero mecanismo reforçador, a professora está fora de moda” (Skinner,1972, p. 20 apudZuin, 2021, p. 5).
Fetichismo da inovação
Os resultados da plataformização no Paraná confirmam que nem sempre a tecnologia é a melhor solução para problemas pedagógicos, aponta o artigo: “É essencial reconhecer que artefatos nem sempre mudam as coisas na educação para o melhor. As tecnologias nem sempre permitem que as pessoas trabalhem mais eficientemente, como nem sempre ajudam as pessoas a fazer o que querem”.
O artigo afirma que o “fetichismo da inovação tecnológica” adquire centralidade na plataformização imposta pelo governo do Paraná. O texto ressalta que se mostram atuais os sinais de alerta de Selwyn (2017) sobre a importância de reconhecer a natureza política da tecnologia e desnudar “a crença subjacente na capacidade da tecnologia melhorar a educação”, bem como sobre os “interesses escusos que estão em jogo na imposição em direção a usos mais intensos de tecnologia na educação”.
“Evidenciou-se que a Reforma do Ensino Médio e a adoção de novas plataformas digitais pode recair em novos processos de regulação, vigilância e controle que convergem e favorecem, sobretudo, para a desqualificação do trabalho docente e para a expansão da privatização, com consequentes prejuízos formativos que sinalizam para uma formação danificada e para o agravamento das desigualdades educacionais”, conclui o artigo.
FONTE: