PNLD, princípios éticos e democráticos

PNLD, princípios éticos e democráticos

Parlamentares comentam afrouxamento do PNLD nas observâncias de princípios éticos e democráticos

 17/02/2021

Deputados Arthur Lira e Tabata Amaral usaram suas redes sociais para comentar o caso. Para Carlos Nadalim, secretário de alfabetização do MEC, o tema é 'polêmica' 'desnecessária'

 

Deputados Arthur Lira e Tabata Amaral usaram suas redes sociais para comentar o caso. Para Carlos Nadalim, secretário de alfabetização do MEC, o tema é 'polêmica' 'desnecessária' | © Ascom / FNDE
Deputados Arthur Lira e Tabata Amaral usaram suas redes sociais para comentar o caso. Para Carlos Nadalim, secretário de alfabetização do MEC, o tema é 'polêmica' 'desnecessária' | © Ascom / FNDE

Na última sexta-feira (12), o PublishNews trouxe, em primeira mão, a informação sobre mudanças no anexo III do edital do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) 2023. Na comparação com o edital de 2019, quando também se compraram livros para os anos iniciais do Ensino Fundamental, o edital perdeu itens de observância a princípios éticos e democráticos, como a proibição de veicular estereótipos e de conteúdos homo e transfóbicos.

Durante o carnaval, parlamentares comentaram o caso. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, manifestou-se pelas suas redes sociais: “Sou nordestino antes de tudo e penso também que o racismo, o preconceito e a violência contra a mulher são abomináveis e devem ser combatidos desde cedo. A educação deve dar a cada cidadão a capacidade crítica para seguir a sua caminhada formando seus julgamentos e pontos de vista”. Ele completou dizendo que vai acolher todas as manifestações.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) também usou suas redes sociais para comentar o que taxou de “absurdo”. “Protocolei um PDL [Projeto de Decreto Legislativo] para suspender esse absurdo. Pluralismo de ideias e respeito à diversidade são base da educação”, disse.

Carlos Nadalim, secretário de alfabetização – um dos órgãos do MEC responsável pela elaboração do edital – gravou vídeos ao lado de Fabio Gomes Filho, diretor de políticas de alfabetização, dizendo que a “polêmica” em torno do caso é “desnecessária”. Os executivos ressaltaram que o edital é fruto de discussões que aconteceram desde 2019; que as mudanças são baseadas em evidências científicas e que usa modelos exitosos de outros países. Na própria sexta-feira, o PN enviou e-mail à assessoria de imprensa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), mas até agora não teve retorno.

https://www.publishnews.com.br/materias/2021/02/17/parlamentares-comentam-afrouxamento-do-pnld-nas-observancias-de-principios-eticos-e-democraticos 

 

PNLD 2023 deixa de exigir itens de observância a princípios éticos e democráticos

 LEONARDO NETO, 12/02/2021

Itens como a proibição de abordar a temática de gênero numa perspectiva sexista e ainda de desconsiderar o debate acerca do compromisso com agenda de não-violência contra mulheres ficaram de fora do edital

Itens como a proibição de abordar a temática de gênero numa perspectiva sexista e ainda de desconsiderar o debate acerca do compromisso com agenda de não-violência contra mulheres ficaram de fora do edital | © Eduardo Aigner / FNDE
Itens como a proibição de abordar a temática de gênero numa perspectiva sexista e ainda de desconsiderar o debate acerca do compromisso com agenda de não-violência contra mulheres ficaram de fora do edital | © Eduardo Aigner / FNDE


O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) publicou, nesta sexta-feira (12), o edital para o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) 2023. O edital prevê a compra de livros didáticos e literários voltados para alunos e professores dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano).

Chama a atenção o Anexo III do edital, onde estão listados os critérios gerais para avaliação pedagógica das obras, em especial no item 2.3 - “As obras observarão os princípios éticos necessários à construção da cidadania e ao convívio social republicano”. E aí vale comparar com o edital do PNLD 2019, pelo qual o governo federal comprou obras destinadas à mesma faixa etária do PNLD 2023.

Enquanto o certame de 2019 listava uma série de observâncias de princípios éticos – incluindo itens como a proibição de veicular estereótipos e preconceitos de condição socioeconômica, regional, étnico racial, de gênero e de orientação sexual e ainda de abordar a temática de gênero segundo uma perspectiva sexista, não igualitária, inclusive no que diz respeito à homo e transfobia ou de desconsiderar o debate acerca do compromisso educacional com a agenda de não-violência contra a mulher – o edital de 2023 apresenta deveres, como promover positivamente a imagem do Brasil e a amizade entre os povos e os valores cívicos, como respeito, patriotismo, cidadania, solidariedade, responsabilidade, urbanidade, cooperação e honestidade.

As mudanças podem ser consideradas retrocessos por grupos identitários. Fonte ouvida pelo PublishNews informou que o próprio MEC emitiu parecer jurídico apontando problemas com a supressão dos itens, mas o documento não foi levado em consideração na elaboração do edital.

O cadastramento dos editores e de obras didáticas começa às 9h do dia 28 de julho de 2021 e o processo deverá seguir até 05 de agosto. Já para as obras literárias, o cadastro de editores e obras começa no dia 22 de novembro e segue até o dia 26 do mesmo mês.

Para acessar a íntegra do edital publicado nessa sexta-feira, clique aqui ou vá diretamente à página do FNDE.

O PublishNews procurou o FNDE, via assessoria de imprensa, pedindo esclarecimentos sobre as mudanças, mas até o fechamento da edição, não obteve resposta.

https://www.publishnews.com.br/materias/2021/02/12/pnld-2023-deixa-de-exigir-itens-de-observancia-a-principios-eticos-e-democraticos 

 

PNLD 2023 – O formato do livro digital: ePub3 x HTML5

PEDRO MILLIET*, 21/12/2020

Em artigo especialmente escrito para o PN, Pedro Milliet analisa as duas opções de formatos e explica as suas razões para apoiar o HTML5 como solução ideal para o PNLD digital

 

O PNLD 2023 requisita pela primeira vez das editoras participantes a entrega dos livros didáticos em formato digital. O desafio é proporcional ao salto de qualidade que se pode prever no futuro, mas há muita insegurança por parte dos profissionais do campo editorial. Essa insegurança, em parte derivada das especificações que ainda não estão completamente definidas, em parte devida à dificuldade inerente à produção do livro digital com a complexidade do livro didático, pode e deve ser superada com informação consistente e uma especificação precisa.

A perspectiva inicial do PNLD seria a entrega dos livros em formato ePub 3, mas há uma tendência em adotar-se o HTML5 como formato base.

Discutiremos a seguir as duas opções e porque apoiamos a escolha do HTML5 como solução mais adequada para o PNLD digital.

Procuramos simplificar os termos técnicos, ou ao menos referenciá-los em contexto, por extenso. No entanto acreditamos que essas são referências importantes para entender melhor as diferenças entre os formatos.

O ePub 3

O formato ePub 3 deriva do anterior ePub 2, cuja versão inicial surgiu em 2007. Em 2010, a versão ePub 3 traz mudanças significativas, como a adoção do HTML5 e CSS3 como linguagens para a composição do livro, assim como recursos de sincronização de áudio e texto para acessibilidade. Em 2016 ocorreu a fusão do IDPF com o W3C, instituição mundial responsável pelas especificações das linguagens da Web, como HTML, CSS, XML entre outros. Em 2019 foi lançada a versão 3.2 com novidades mais relacionadas à metadados e acessibilidade.

Após a versão 3.2 e a fusão com o W3C, o formato entrou em estado de manutenção e hoje não se prevê uma nova versão 4. O grupo de trabalho responsável pelo standard ePub hoje está mais focado em ajustes menores e melhorar a acessibilidade.

Por dentro do ePub

O livro ePub é um pacote de arquivos zipados.

Se trocamos a terminação .epub por .zip, podemos abrir o arquivo com qualquer gerenciador de zips.

Agora vamos abrir o zip e ver o conteúdo:

O diretório META-INF é obrigatório e o diretório OEBPS (exceto pelo diretório META-INF, todos os outros tem nomes arbitrários) é onde armazenamos os arquivos do livro. Na raiz há um arquivo de texto que define o tipo de arquivo ePub, chamado mimetype. Seu conteúdo é somente a definição do tipo de arquivo: application/epub+zip.

Dentro do diretório META-INF vemos somente o arquivo container.xml, que é um arquivo de texto em linguagem xml para indicar onde está o arquivo base do ePub, em formato de texto xml, com extensão .opf, que indica todos os arquivos contidos no ePub, com seus formatos e localizações, define os metadados do livro e apresenta a ordem inicial dos arquivos de conteúdo do livro. Normalmente o arquivo .opf é armazenado no diretório OEBPS. Vemos a seguir a estrutura do diretório EPUB:

A estrutura que vemos é livre e é reconhecida pela aplicação de leitura por estar definida no arquivo .opf (em nosso caso package.opf). O diretório audio contém os arquivos de áudio, que devem ser em formato mp3. Em img temos as imagens, que podem ser em jpg, png ou svg. No diretório mo estão os arquivos de sincronização do áudio com o texto, que permitem a navegação com destaque para as palavras ou frases que estão sendo narradas, quando a narração está embarcada no livro em arquivos de áudio. Estes arquivos são arquivos de texto em formato smil (Synchronized Multimedia Integration Language).

Seu conteúdo indica para cada frase do livro (ou quebra de narração) o arquivo de áudio correspondente, e os pontos de entrada e saída da narração do trecho. Veja uma indicação padrão a seguir:



A tag 

indica ocorrência em paralelo do texto, definido a seguir na tag pela sua origem src e o identificador de posição (#dtb2338), e do áudio da narração, definido na tag

O arquivo de navegação do livro é o nav.xhtml e os arquivos de conteúdo são os arquivos com extensão .xhtml. O XHTML é uma versão de HTML com uma sintaxe mais estrita. O conteúdo, portanto, é todo em HTML.

Opcionalmente pode-se usar arquivos de estilo em CSS3, como em nosso exemplo o arquivo base.css, e incluir a capa do livro.

O livro em HTML5 em suas versões LPF (Lightweight Packaging Format) e PWA (Progressive Web Application).

O formato LPF é uma proposição do Publishing Working Group do W3C para a distribuição de livros ou documentos estruturados para leitura on e off-line, baseados em HTML5, enquanto o PWA é um modelo de organização de conteúdo HTML que permite a leitura on e off-line (diretamente no browser), assim como uma série de outros recursos de comunicação com a Web e com o usuário.

O LPF foi proposto para viabilizar a distribuição em pacote de um conjunto de arquivos HTML, e todos os recursos anexos, como vídeos, áudio, imagens, scripts, outros formatos de arquivo, etc. Sua composição é bem mais simples do que a do ePub 3 que vimos acima, sendo obrigatório somente o arquivo manifest.json, que veremos a seguir. O pacote é zipado, e da mesma forma que o ePub, que é um zip com a extensão .epub, a extensão .zip é trocada pela extensão .lpf.

O LPF é, portanto, um perfil de uma publicação Web, estruturada por um manifesto de publicação. Todas as informações relativas aos arquivos do pacote, que incluem metadados, ordem inicial de leitura, conteúdos alternativos, são definidas no arquivo publication.json. A utilização do manifesto em formato json amplia de forma significativa a flexibilidade para inclusão futura de recursos e funções e mesmo sua interoperabilidade com outros perfis de publicação (como audiolivros, graphic novels, etc.).

Dessa forma, o único arquivo estrutural cuja definição e especificação é fixa e restrita, é o arquivo manifesto ou publication.json. E mesmo esse pode ser substituído por um manifesto incluído em um arquivo index.html na raiz do pacote, ou um arquivo de manifesto referenciado por um link no mesmo arquivo da raiz. A simplicidade dessa montagem torna a produção mais simples e efetiva.

Há uma especificação de um novo modelo de sincronização texto-áudio (Media Overlay), baseado no formato json. Além de sincronizar áudio e texto, pode ser utilizada para outras sincronias, como vídeo e texto.

A mudança é consistente com a migração para json em todos os arquivos de suporte e configuração em perfil LPF. Além disso, está incluída no desenvolvimento do Readium-2, que é a base para a criação de aplicativos de leitura de livros ePub, LPF e audiobooks.

PWA não é uma especificação W3C. Nasce de uma iniciativa de dois dos maiores atores da web, o Google e a Apple. Visa simplificar a instalação de aplicativos web nos sistemas operacionais a partir dos sites e através dos browsers e permitir seu uso off-line, e é totalmente multiplataforma. Além desta função, estabelece modelos de atualização de conteúdos, comunicação entre os aplicativos e as aplicações nos servidores remotos, e com o sistema operacional local. O PWA é constituído por arquivos em HTML e seus correlatos de estilo (CSS), interatividade (Javascript), e acessórios como vídeos, áudios e outros. Para criar um PWA, a obrigatoriedade se resume a um arquivo de conteúdo em HTML, um manifesto em json e um arquivo de serviço em Javascript. Com a configuração criada, o conjunto de arquivos transforma-se em um aplicativo que pode ser armazenado localmente, executado on e off-line, atualizar partes de seu conjunto, enviar e receber mensagens da aplicação na Web.

Um livro criado como PWA pode conter toda a programação de leitura incluída em si mesmo, de forma encapsulada. Quer dizer, não necessita de uma outra aplicação de leitura para ser consumido. Pode mesmo conter em si a função de leitura por voz sintetizada, com controles avançados de navegação, anotações, etc. Ao mesmo tempo, a estrutura do PWA permite que facilmente seja convertido em um modelo LPF ou mesmo ePub.

Porque escolher o HTML5 (LPF) como formato para a publicação de livros didáticos universais

  • A variedade e maturidade das ferramentas de software para autoria e edição de documentos em formato HTML5. Pode-se criar um livro em HTML5 (LPF) utilizando desde aplicativos como Notepad++, escrevendo o código manualmente, até com ferramentas sofisticadas como Visual Studio Code, DreamWeaver, ou mesmo partir de um livro produzido em InDesign (desde que seguindo as práticas corretas de concepção e composição) para depois editar ou enriquecer o livro.

  • A leitura do livro em HTML5 não demanda a utilização de um leitor específico durante sua produção, e não exige a compilação no pacote zip (.epub) para ser lido e revisto. Já um ePub, para ser verificado, precisa ser compilado e lido em uma aplicação dedicada.

  • Há restrições ao uso de Javascript no livro ePub, principalmente por parte dos aplicativos de leitura. No caso de um livro em HTML5 pode-se utilizar códigos em Javascript e incluir todos os tipos de interatividade compatíveis com os browsers atuais. Assim, na evolução dos livros em HTML5, quando da universalização dos livros didáticos digitais, está garantida a possibilidade de uso de interatividades sofisticadas (simuladores, acesso em rede, compartilhamento de conteúdos, atualização remota, etc.)

  • A evolução do standard em HTML5 está garantida pela contínua discussão e elaboração de novos recursos e métodos, controlada e coordenada pelo W3C. O EPub 4 não está previsto, e a informação corrente é de que não haverá uma nova versão do ePub.

  • Não há restrições de uso de standards como SSML no livro em HTML5, como há no ePub. Dessa forma, substituições fonéticas inseridas no código do livro podem ser feitas em ter que utilizar alfabetos fonéticos como X-SAMPA e IPA, podendo ser realizada diretamente por substituição pelo termo desejado (como, por exemplo, substituir “Freud” por “Fróide”, sem necessidade de escrever “fɾˈɔjdʒi”). Essa característica permite a distribuição dos livros sem a narração em áudio embarcado, diminuindo significativamente o tamanho do arquivo (em média, para um livro de aluno de Fundamental 2, de 300 Mb para 15 Mb).

  • A conversão de um livro em HTML5 para ePub pode ser feita de forma automática. O livro em HTML5, utilizando o standard o dominante na Web, é sem dúvida a melhor opção como matriz de o armazenamento do conteúdo.
  • Finalmente, a produção do livro em HTML pode ser utilizada de forma direta, com os procedimentos corretos, como matriz e base da produção em outros formatos, tais como ePub, PWA, Texto puro, Braille, docx, InDesign e outros.

  • O custo de produção de livros em HTML5 é no mínimo competitivo com o custo de produção em ePub 3. Como mencionamos acima, o fato dessa opção oferecer vantagens de simplicidade de produção, armazenamento de matriz otimizada, compatibilidade e usabilidade universal, e garantia de evolução consistente com a Web, aumenta ainda mais sua competitividade a longo prazo.

Conclusão

Pelos argumentos e fatos expostos, pensamos que a escolha do formato HTML5, em sua versão de distribuição LPF, é a melhor opção para a produção dos livros didáticos digitais em formato universal, preservando características de design visual avançado, responsivo e com acessibilidade. Tanto pelo aspecto dos produtores de livros quanto pelo dos usuários, nos parece que as vantagens são significativas.

* Pedro Milliet estudou Psicologia, Música e Filosofia. Especialista em computação musical, sua relação com o campo da acessibilidade vem da relação cotidiana de 10 anos com seu sócio entre 1988 e 1998, o músico Sergio Sá, que era cego. Após criar um sistema proprietário de livros digitais acessíveis em 2002, em 2006 desenvolveu um sistema online de produção de livros acessíveis em formato DAISY e o primeiro leitor de livros DAISY em idioma Português. Desde então participou dos Conselhos do Consórcio DAISY (2008-2014) e do Accessible Books Consortium - ABC (2009-2017). Desde 2020, trabalha como CIO da Fênix Editorial. Participa ainda de vários grupos de trabalho e projetos internacionais dedicados ao desenvolvimento de tecnologia acessível para produção e leitura de livros digitais.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

 




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