Pobreza infantil bate recorde
Pobreza infantil bate recorde no Brasil em 2021
Índice de crianças de até seis anos em situação de pobreza atingiu 44,7% em 2021 no Brasil, afirma estudo
por Jornalistas Livres 27/09/2022
“Fome no Brasil? Fome pra valer não existe da forma que é falado”, afirmou Jair Bolsonaro à rádio Jovem Pan, em 26 de agosto de 2022. Além da volta do Brasil para o Mapa da Fome das Nações Unidas em 2022, cerca de um mês depois da mentira proferida pelo presidente da República, uma pesquisa realizada por estudiosos da PUCRS Data Social escancara a pobreza infantil no Brasil.
Por Raquel Tiemi
Em termos absolutos, no ano de 2021, o número de crianças que vivem em lares considerados pobres contabilizou 7,8 milhões, com um aumento de 1,4 milhão em relação a 2020. Essa expansão equivale à população total da cidade de Porto Alegre (1,5 milhão). A pesquisa demonstra que o índice e o crescimento da pobreza infantil são os maiores da última década.
O estudo mostra que o patamar de crianças de até seis anos em situação de extrema pobreza também bateu recorde. O aumento foi de 58%, 819,7 mil em números absolutos, resultando em 2,2 milhões em situação de pobreza infantil extrema.
Para melhor compreender esse contexto, os pesquisadores utilizaram critérios de PPC (Paridade do Poder de Compra), adotado pelo Banco Mundial. Com valores em reais de 2021, a linha da pobreza foi em torno de R$ 465 per capita (por pessoa) por mês, já a medida extrema da pobreza foi de cerca de R$160 per capita por mês. Assim, crianças que viviam em casas com a renda por pessoa abaixo desses valores enfrentavam a pobreza ou a pobreza extrema.
Os efeitos dessa situação acometida à população infantil possui perspectivas extremamente prejudiciais para o futuro das crianças e do Brasil. De acordo com a opinião dos pesquisadores do levantamento, a pobreza em estágios de formação do indivíduo compromete o desenvolvimento de habilidades cognitivas e físicas.
Segundo os estudiosos, grande parte desse cenário pode ser explicado pela paralisação do pagamento do auxílio emergencial no início de 2021 e pela redução brusca no valor do benefício. A diminuição do auxílio de 600 para 300 reais, estabelecida por Bolsonaro, evidencia mais uma vez a ignorância do presidente da República diante da situação urgente do Brasil.
Governo Bolsonaro frauda relatório sobre a fome no Brasil
Nota técnica do IPEA mostra supostos efeitos positivos do Auxílio Brasil e nega o avanço da fome no país.
Na última quarta (17) o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), órgão público federal ligado ao Ministério da Fazenda, publicou uma nota técnica em que aponta supostas melhoras sobre o quadro de insegurança alimentar no Brasil como um efeito direto do Auxílio Brasil. Ontem (23), em entrevista para o Jornal Nacional, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o auxílio foi responsável por garantir a segurança alimentar dos brasileiros, durante a pandemia. O levantamento, entretanto, é suspeito, uma vez que não menciona nenhum pesquisador do IPEA que tenha realizado a pesquisa e contém apenas a assinatura do presidente do instituto. O teor positivo dos dados apresentados contradizem diretamente informações de outros órgãos como a rede PENSSAN e a FAO-ONU, mas elevam a imagem do governo Bolsonaro na corrida eleitoral.
O IPEA é um instituto de pesquisa renomado e conhecido por sua independência, autonomia e rigor técnico. Contudo, a 12ª nota técnica publicada contém uma série de erros metodológicos e de análises, as quais produzem uma visão positiva do programa Auxílio Brasil, lançado pelo governo Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, que não condizem com a realidade do aumento da fome entre os lares brasileiros nos últimos anos, como aponta a rede PENSSAN e a FAO – ONU (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PENSSAN) surgiu em 2016 e realiza levantamentos acerca da alimentação do brasileiro, com o compromisso de superar os quadros de insegurança alimentar no país. Durante a pandemia, a rede PENSSAN foi responsável por fazer dois inquéritos nacionais sobre a insegurança alimentar, um em abril de 2021 e outro em junho de 2022. Os dados levantados pela rede de pesquisa apontam o crescimento de quadros de desnutrição, insegurança alimentar e fome.
Em 2020, cerca de 9% dos brasileiros, 19,1 milhões de pessoas, estavam passando fome. Em 2022, o número saltou para 15,5%, 33,1 milhões de pessoas, patamares semelhantes ao que o país tinha em 2004. Os estudos publicados ainda mostram que 58,7% da população vive em estado de insegurança alimentar, ou seja, quando a pessoa não tem acesso regular à alimentação adequada, podendo passar por níveis de incerteza de fluxo de comida, insuficiência e privação. A realidade do Brasil é ainda pior que em 2004, quando os programas de combate à fome e à miséria iniciaram. Em questão de dois anos, quase 14 milhões de pessoas entraram no mapa da fome.
O IPEA alega que o aumento da miséria foi abaixo das previsões feitas pela ONU e que no ano de 2022 houve uma diminuição dos índices de pobreza, em decorrência do Auxílio Brasil. “Para o Brasil, as expectativas iniciais não eram animadoras. Em 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) previu que a taxa de extrema pobreza brasileira saltaria de 5,1% para 9,5%, um incremento de mais de 3,2 milhões de famílias. Felizmente, essas expectativas foram frustradas e a expectativa, como será demonstrado a seguir, é de uma redução expressiva na taxa de pobreza até o final de 2022.” afirmou o IPEA.
Além disso, o IPEA associa os baixos índices de internações por desnutrição no sistema universal de Saúde (SUS) e aumento da obesidade, como comprovantes da redução da insegurança alimentar. O instituto ainda mistura diferentes dados, de diferentes pesquisas, que tinham propósitos distintos, para descredibilizar outros órgãos de pesquisa. A Rede PENSSAN considera isso como um erro de análise e, em nota, criticou o instituto. “Na nota do presidente do IPEA esses indicadores são indevidamente mesclados, no mínimo para justificar omissões e fundamentar interpretação equivocada e tendenciosa das políticas de transferência de renda e de enfrentamento da pobreza.”
A nota da PENSSAN complementa ressaltando que existem diferentes níveis de insegurança alimentar e que a substituição de alimentos pode levar a ingestão de mais calorias, com um menor valor nutricional. Logo, obesidade não pode ser vista como um dado oposto à desnutrição: “a relação entre níveis de insegurança alimentar, restrições no acesso a alimentos e fome é direta e pode ser estabelecida mesmo que as medidas antropométricas ainda não revelem desnutrição, ou mesmo que apontem para a obesidade”.
A nota do IPEA falsifica um cenário positivo para promover o governo Bolsonaro. É uma vergonha que um órgão de pesquisa sério, que já contribuiu tanto para adoção de políticas públicas no país, tenha sido usado como manobra política. O Professor titular da Universidade federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Renato Maluf, Coordenador do Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Ceresan/UFRRJ), e integrante do Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (Oppa/UFRRJ) declarou que “[nota do IPEA] é um documento com erros que buscam desqualificar a PENSSAN, ocultando o problema da fome e da insegurança alimentar no Brasil. Este documento vem sendo usado pelo Governo Federal em apoio às políticas adotadas” afirmou Maluf.
O Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA – USP) também se manifestou a respeito da nota do IPEA. “O Grupo de Pesquisa Nutrição e Pobreza vem, por meio desta manifestação e em reconhecimento à história do IPEA, apontar a fragilidade da análise frente ao conhecimento disponível sobre a dinâmica temporal e causal do fenômeno fome-adoecimento. O enfrentamento histórico do flagelo da fome, e a defesa incansável da alimentação adequada para todos e todas, permitiu que a prevalência da desnutrição e da insegurança alimentar caíssem de forma expressiva no Brasil, ao ponto de deixarmos o mapa da fome no ano de 2014. Nos últimos anos o país retrocedeu quase três décadas, e chegamos a 2022 com números observados nos anos 1990: são 33 milhões de pessoas com fome, e 58,7% das famílias brasileiras em algum grau de insegurança alimentar.” afirmou o IEA-USP.
https://jornalistaslivres.org/governo-bolsonaro-frauda-relatorio-do-ipea-sobre-a-fome-no-brasil/
Fome infantil cresce no governo Bolsonaro
Um estudo revelou o avanço da fome no Brasil em 2022, sobretudo nas casas com crianças de menos de 10 anos de idade
por Emanuela Godoy 15/09/2022
Fome infantil cresce, negros são mais afetados - Foto: Reprodução
Com o aumento do custo de vida e a queda do poder de compra das famílias, a insegurança alimentar infantil vem crescendo. Uma segunda etapa do estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional reafirmou o avanço da fome no Brasil em 2022, sobretudo nas casas com crianças de menos de 10 anos de idade. A primeira fase da pesquisa foi divulgada em junho, quando foi apresentado o aumento vertiginoso da fome no país. Em 2021 eram 19 milhões, em 2022 já são 33,1 milhões de pessoas atingidas. De 10 famílias, 4 não conseguem se alimentar plenamente.
Divulgada nesta quarta (14), a nova fase do estudo demonstrou como a fome é mais presente em lares com crianças. 37,8% dos lares com crianças de menos de 10 anos sofrem de insegurança alimentar grave ou moderada. Ou seja, os que não passam fome também não conseguem se alimentar bem. Enquanto isso, 30,7% das casas brasileiras enfrentam insegurança alimentar. Desse número, 15,2% estão em situação grave e 15,5% em situação moderada.
O estudo foi feito pela Rede PENSSAN em parceria com o campo do Instituto Vox Populi. A Ação da Cidadania, a ActionAid, a Fundação Fridrich Ebert Brasil, o Ibirapitanga, a Oxfam Brasil e o Sesc São Paulo foram organizações parceiras na pesquisa. Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022 a partir de realização de entrevistas em 12.745 domicílios. Foram analisadas áreas urbanas e rurais de 577 municípios, distribuídos nos 26 estados e Distrito Federal. A segurança e insegurança alimentar foram medidas pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia).
Fome nas escolas durante o governo Bolsonaro
Diante desse cenário, em que a insegurança alimentar infantil cresce, Bolsonaro recusou a proposta do congresso que corrigia os valores destinados ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) de acordo com a inflação.
Atualmente, o governo disponibiliza menos de R$ 1 por aluno para a merenda escolar, ignorando o reajuste da inflação. Para os alunos da pré-escola, são 53 centavos e, para os que estão no Ensino Médio e Fundamental, são 36 centavos. Bolachas e sucos é o que restou para essas crianças que as vezes tem a merenda escolar como a única refeição do dia. Desde 2017 não ocorre o reajuste do PNAE.
Salário mínimo da fome
Jair Bolsonaro é o primeiro presidente desde o Plano Real que faz com que o salário mínimo perca o poder de compra. Em agosto, Bolsonaro levou ao congresso Nacional a proposta que prevê para 2023 um salário mínimo de R$ 1.302, abaixo do índice de inflação. O reajuste da proposta é de 7,42%, nos últimos 12 meses, entretanto, a inflação ficou em 10,07%.
A pesquisa demonstrou que nos lares com menor renda familiar por pessoa seus moradores estão mais sujeitos à baixa capacidade de acesso aos alimentos e a níveis de Insegurança Alimentar mais severa.
Distribuição percentual da Segurança Alimentar e dos níveis de Insegurança Alimentar (IA), segundo as categorias de renda familiar mensal per capita (múltiplos de salário mínimo per capita – SMPC), Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19, Brasil, 2021/2022.
De acordo com o gráfico da pesquisa da Rede PENSSAN, uma família composta por uma mãe solteira, por exemplo, que recebe uma salário mínimo e cuida de três filhos, possui 98% de chance de sofrer Insegurança Alimentar e quase 50% de chance dessa insegurança ser grave. Já uma família composta por dois responsáveis que ganham salário mínimo e cuidam de dois filhos tem 76% de chance de sofrer Insegurança Alimentar e 21% de chance dessa insegurança ser grave.
Racismo estrutural: fome é maior entre a população negra
Se a cada 10 famílias, 4 não tem acesso a uma alimentação plena, quando o recorte são as famílias negras o número sobe para 6 famílias a cada 10. No início de 2022, a Insegurança Alimentar foi maior nos lares em que pessoas que se declararam como negras ou pardas são as fontes de renda.
Distribuição percentual da Segurança Alimentar e dos níveis de Insegurança Alimentar
(IA), segundo a raça/cor da pele autorreferida, Brasil. II VIGISAN – SA/IA e Covid-19,
Brasil, 2021/2022.
Enquanto pessoas brancas possuem 53% de Segurança Alimentar, 65% das pessoas pretas no Brasil correm o risco de passar fome.
https://jornalistaslivres.org/fome-infantil-cresce-no-governo-bolsonaro/