Por bem ou por mal
Lira diz que governo tem que discutir reforma administrativa “por bem ou por mal”; frentes parlamentares de empresários e do agro foram mobilizadas
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), voltou a ameaçar o governo na tentativa de emplacar a reforma administrativa de Bolsonaro. Lira subiu o tom: “Precisamos fazer que o governo entenda, por bem ou por mal, assim ou assado, que ele tem que entrar nessa discussão”, disse.
A declaração foi dada durante almoço no qual o presidente da Câmara recebia um documento assinado por 23 frentes parlamentares em defesa da proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020, da reforma administrativa. O Congresso tem hoje mais de duzentas frentes parlamentares e, entre as 23 que assinaram o manifesto, há algumas presididas pelo mesmo deputado, que assinou em nome de todas elas. Isso não muda o fato de que há uma mobilização capitaneada por Lira entre deputados. O manifesto pede que seja discutido “o tamanho” do Estado brasileiro, sem disfarçar que sua proposta é de Estado mínimo. O texto defende que seja feita economia por meio “da diminuição do tamanho da máquina administrativa”.
Veja aqui a íntegra.
Nos últimos meses, Lira tem percorrido entidades empresariais em articulações pela PEC 32. Representante dessa agenda no Congresso, ele tem pedido aos empresários que pressionem o governo Lula (PT), que desde a campanha eleitoral tem se afirmado contrário à proposta. Dessa vez, não foi diferente. Em sua declaração, Lira reiterou o pedido por “novos gestos do setor empresarial” e disse que “se houver pressão suficiente” o texto pode ser aprovado, conforme matéria do jornal Valor Econômico. Ou seja: Lira, que incorpora os interesses do mercado financeiro como agente público, quer dos empresários que estes se movimentem em torno da pauta que eles próprios querem ver avançar.
Por outro lado, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, declarou durante entrevista ao programa Roda Viva, que foi ao ar na noite do dia 24, que a proposta da reforma administrativa (PEC 32/2020) que está na Câmara representa a “destruição do serviço público”. O ministro foi incisivo: “Aquilo que foi feito pelo governo anterior, pelo ministro Paulo Guedes, eu nem chamo de reforma”, disse.
Ataque a concursos públicos, estabilidade e precarização
Se para os servidores a PEC 32 é uma tragédia, para a população é muito pior. Na prática, a proposta acaba com concursos públicos e substitui servidores que ingressam pela porta da frente por contratos temporários de até 10 anos, facilitando a entrada de apadrinhados nos municípios, estados e na União, piorando a qualidade dos serviços públicos e multiplicando cabides de emprego para cabos eleitorais.
Lira quer aprovar a PEC 32 para mudar os regimes de contratações para rebaixar salários e ao mesmo tempo reforçar nacionalmente a privatização e terceirização de serviços básicos como a saúde e a educação através de Organizações Sociais ou diretamente para empresas, como já ocorre em diversos municípios brasileiros.
A reforma administrativa afeta servidores e servidoras das três esferas, dos três poderes, atuais e novos, da ativa e aposentados. Mesmo que, em um primeiro momento, somente os novos não teriam direito à estabilidade, os atuais servidores e servidoras seriam submetidos a avaliações de desempenho que poderiam, por exemplo, ser negativadas por participação em greves ou por perseguições políticas. Importante lembrar que a atual legislação já prevê a demissão de servidores e servidoras estáveis, mas a PEC 32/2020 inclui ferramentas que favorecem a pressão, o assédio e a ameaça nos locais de trabalho. Os atuais aposentados e pensionistas que têm direito a paridade e integralidade também seriam atingidos, pois estariam vinculados a carreiras em extinção.
Extinção da Justiça do Trabalho, ataque à Previdência, congelamento de salários e reforma trabalhista: quem são alguns dos signatários do manifesto?
Alguns dos principais signatários do manifesto têm longo histórico de ataques aos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, aos serviços públicos e ao Judiciário. Seu apoio à reforma, portanto, nada mais é do que uma renovação a suas posições favoráveis à agenda que foi derrotada nas eleições do último ano.
O manifesto é assinado, entre outros, pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR); o presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE), Joaquim Passarinho (PL-PA), o presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP); e o presidente da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços, Domingos Sávio (PL-MG).
Joaquim Passarinho (PL-PA) tem, em seu histórico recente na Câmara, votos a favor da reforma trabalhista de 2017, da reforma da Previdência de 2019, do teto de gastos e do congelamento de salário de servidores públicos durante a pandemia. Ele também assinou a proposta de emenda à Constituição do deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-RJ) para acabar com a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Perfil do deputado traçado pelo site De Olho Nos Ruralistas conta que Passarinho é o autor do PL 6432/2019, que autoriza empresas a comprarem ouro diretamente da atividade predatória, e que, com essa credencial, “foi o escolhido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para comandar o Grupo de Trabalho de Revisão do Código de Mineração (GT Minera)”. Ainda conforme a reportagem, “o parlamentar mantém uma relação próxima com Raul Jungmann, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), e com lobistas como José Altino Machado, o Zé Altino, e Dirceu Frederico Sobrinho. É também um interlocutor frequente de políticos locais. Um deles, o deputado estadual eleito Wescley Tomaz (MDB-PA), tem acesso livre à alta cúpula do governo federal (Bolsonaro, à época). Conhecido como o ‘vereador dos garimpeiros’, Tomaz exercia mandato na Câmara Municipal de Itaituba (PA)”. Suas relações vão além. A reportagem do De Olho Nos Ruralistas também conta que, em novembro do ano passado, Passarinho “recebeu em seu gabinete na Câmara o terrorista George Washington de Oliveira Sousa, de 54 anos, que um mês depois tentaria explodir um caminhão com querosene perto do Aeroporto Internacional de Brasília”. E mais: “Uma semana antes da visita, Passarinho esteve no quartel-general (QG) do Exército, na capital federal, e posou para fotos ao lado de golpistas. ‘Todos juntos pela democracia e pelo Brasil’, escreveu”.
Quem também assinou a PEC para acabar com a Justiça do Trabalho e o MPT foi o deputado Domingos Sávio (PL-MG), outro signatário do manifesto pela reforma administrativa. Ele é outro que votou a favor da reforma trabalhista, da reforma da Previdência, do teto de gastos, do congelamento de salário de servidores públicos durante a pandemia e da MP da “Liberdade Econômica”, uma espécie de “minirreforma trabalhista” que, entre outras medidas, removeu barreiras para o trabalho aos domingos.
Sávio está na lista de parlamentares da Câmara e Senado que receberam recursos de empresários com terras sobrepostas a terras indígenas, de acordo com o relatório elaborado pela ONG “De Olho nos Ruralistas”
Também signatário do manifesto, Pedro Lupion (PP-PR) é deputado desde 2019, de forma que não estava na Câmara para votar nos ataques que o governo de Michel Temer (MDB) desferiu contra a população. Mas estava, sim, para votar a favor da reforma da Previdência de Bolsonaro e do congelamento de salário de servidores e servidoras durante a pandemia. Também votou a favor da Medida Provisória da “Liberdade Econômica”.
Para se eleger, Lupion teve entre seus doadores de campanha Cirineu de Aguiar, sócio da Agropecuária Calupa Ltda. Conforme reportagem do site De Olho Nos Ruralistas, “a empresa é a dona da Fazenda São Tomé, que tem a totalidade de seus 2.500,83 hectares sobrepostos à TI [terra indígena] Apiaká do Pontal e Isolados, no município de Apiacás (MT)”. A mesma reportagem aponta que Lupion é filho do ex-deputado federal Abelardo Lupion, fundador da União Democrática Ruralista (UDR) do Paraná; e bisneto do ex-governador do estado Moysés Lupion, responsável por um dos maiores esquemas de grilagem da história brasileira. Em entrevista ao Brasil de Fato, a professora Regina Bruno, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ), aponta que “os integrantes da UDR têm perfil conservador, são contrários à garantia de direitos àqueles que divergem dos seus interesses e agem em sintonia com as bancadas da bala e da bíblia – que representam no Congresso, respectivamente, o lobby militarista e fundamentalista cristão”.
Deputado desde 2007, Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) não esteve nas votações da reforma trabalhista e do teto de gastos, mas, como seus colegas de manifesto, votou a favor da reforma da Previdência, do congelamento de salário de servidores públicos durante a pandemia e da MP da “Liberdade Econômica”
O mesmo Cirineu de Alencar que contribuiu com a campanha de Pedro Lupion também doou para a campanha de Jardim sócio da Agropecuária Calupa, empresa proprietária da Fazenda São Tomé, em Mato Grosso, que sobrepõe mais de 2,5 mil hectares das terras indígenas Apiaká do Pontal e Isolados.
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FACES DA MESMA MOEDA
Congresso que acaba de votar “déficit zero em 2024” do arcabouço pode abrir mão de cerca de R$ 20 bi em renúncias fiscais; estrangulamento de receita prepara o terreno da votação da PEC 32, entenda
A desoneração da folha de pagamento de 17 setores avança na Câmara dos Deputados ao mesmo tempo em que aumenta a pressão sobre o governo para reduzir as despesas com serviços públicos e programas sociais. O anúncio do início da semana, de que haveria somente R$ 1,5 bi para reposição das perdas salariais dos servidores do Executivo federal faz parte desse cenário de estrangulamento das fontes de recursos para atender as demandas da população. Enquanto isso, Lira “aproveita” a falta de recursos para, “por bem ou por mal”, forçar a votação da PEC 32 (da reforma administrativa), em nome da “falta de dinheiro”.
O projeto de lei da desoneração teve urgência aprovada nessa terça-feira, 29, e pode ser votado já nesta quarta, 30. Conforme reportagem do site Congresso em Foco, a discussão encontra certa dificuldade por conta de uma emenda, acrescentada no Senado pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA), que também desonera a folha de municípios. A emenda é voltada a municípios com população inferior a 142 mil, que chegam a 3 mil e que poderão ter a alíquota da contribuição previdenciária sobre a folha de salários reduzida de 20% para 8%.
Entenda
A desoneração da folha é um mecanismo que permite às empresas dos setores beneficiados pagarem alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários. Não há garantia de criação de novos postos de trabalho ligada a esta proposta. Essa permissão foi introduzida há 12 anos para algumas áreas e há dez anos já abrange todos os setores hoje incluídos. A desoneração alcança 17 setores da economia e, apenas no ano passado, quando já vigia, custou R$ 9,2 bilhões à União. O custo pode aumentar com a emenda relacionada aos municípios: conforme estimativa do jornal O Estado de S. Paulo, essa medida pode custar mais R$ 11 bilhões aos cofres públicos, totalizando cerca de R$ 20 bi em apenas um ano, segundo fontes da imprensa.
Os 17 setores beneficiados são os seguintes: Confecção e vestuário, Calçados, Construção civil, Call center, Comunicação, Empresas de construção e obras de infraestrutura, Couro, Fabricação de veículos e carroçarias, Máquinas e equipamentos, Proteína animal, Têxtil, Tecnologia da Informação (TI), Tecnologia de Comunicação (TIC), Projeto de circuitos integrados, Transporte metroferroviário de passageiros, Transporte rodoviário coletivo, Transporte rodoviário de cargas.
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