Processo de municipalização do EF
Entenda o processo de municipalização do ensino fundamental defendido pelo governo do Estado
Entidades e secretarias expressam preocupação quanto ao pagamento dos funcionários, atendimentos especializados, transporte e repasse de recursos
Desde o início de agosto, quando a secretária de Educação do Estado, Raquel Teixeira, disse em entrevista à GZH que a municipalização seria a marca de sua gestão, o debate sobre o tema tem tido destaque entre as entidades vinculadas à pauta no Rio Grande do Sul. No último dia 29, o Cpers-Sindicato realizou um ato contra o projeto, enquanto a Federação das Associações de Municípios (Famurs) e a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/RS) se reuniam para um debate sobre o assunto.
O processo de municipalização consiste na migração da responsabilidade pelo ensino fundamental para as escolas das redes municipais. O governo do Estado implanta o modelo gradualmente, a partir de acordos com municípios, priorizando, no momento, os anos iniciais da etapa. No projeto, os municípios receberiam os professores que seguiriam sendo pagos pelo Estado até a aposentadoria. Os recursos federais, antes enviados para o Estado, seriam repassados aos municípios.
Em 2022, o ensino fundamental contava com cerca de 1,2 milhão de estudantes no Rio Grande do Sul. Por volta da metade (52,7%) desses estavam alocados em instituições municipais, enquanto 33,2% integravam a rede estadual e o restante dividia-se entre a rede privada e a federal.
Um estudo realizado pela Undime/RS junto a prefeituras mostrou que mais de 60% dos secretários de educação se preocupam com o pagamento dos funcionários com a transferência da responsabilidade para os municípios. Quase a metade dos ouvidos pontuou que haviam questões não esclarecidas quanto aos Atendimentos Educacionais Especializados (AEE), para pessoas com deficiência e com transtornos globais do desenvolvimento, às rotas de transporte escolar e ao repasse geral de recursos.
Fátima Ehlert, presidente do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (CEEd/RS) e coordenadora da área Técnica de Educação da Famurs, reforça que a municipalização só deve acontecer após um acordo entre as duas partes envolvidas, ou seja, o Estado e o Município. Ela acrescenta que a motivação mais importante no momento para que se concretizem projetos de municipalização é o financiamento do Ensino Médio.
“Se realmente quiser atuar na perspectiva de melhorar a oferta do ensino, dos cursos técnicos, a estrutura das escolas, o turno integral, tudo isso requer um financiamento maior. Se hoje o Estado atua em torno de um quarto dos anos iniciais, fazendo essa distribuição com os municípios, ele vai ter mais condições de priorizar o ensino médio”, avalia.
Segundo o governo, a movimentação para a municipalização é uma tentativa de adequar o Estado à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), dividindo as competências do ensino fundamental entre as esferas. De fato, o 211º artigo da Constituição Federal define as competências quanto à educação da União, dos estados e municípios. Sendo que os últimos devem atuar prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil e os estados no ensino fundamental e médio, com o fundamental em regime de “colaboração”.
Entretanto, o artigo 216 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul define que “todo estabelecimento escolar a ser criado na zona urbana deverá ministrar ensino fundamental completo”. Isso significa que não poderiam existir escolas que ofertem somente as etapas iniciais ou finais.
A presidente do CEEd afirma que o Estado deve rever esse artigo para adequar o projeto. “O que está acontecendo hoje é um termo de colaboração em que o Estado pode utilizar parte da escola. Esses termos de parcerias e colaborações são regulamentados mas não são propriamente a municipalização”, relata.
Quanto aos locais onde a municipalização deve acontecer, Ehlert explica que não há áreas prioritárias. Devem ser ouvidas as realidades individuais das diversas regiões do Estado e suas particularidades, como os recursos orçamentários para sustentar a mudança e o contingente maior de estudantes.
“Não é só transferir a mantença, tem que ter condições de dar conta desse aumento também na sua rede e só o Fundeb não não dá conta disso, é a estrutura, o professor, a formação, o material, a alimentação escolar, o transporte. Todo o contexto tem que ser analisado nesse sentido”, afirma.
Foto: Divulgação/CPERS
A presidente da Undime/RS, Maristela Guasselli, concorda. “Não podemos esquecer das peculiaridades de cada município e região que certamente fará sua análise sobre as condições para fazer essa gestão, principalmente no que se refere a infraestrutura, professores, vagas e financiamentos. Para além dos recursos financeiros, físicos e de pessoal, é preciso pensar para quê e para quem é a municipalização”, ponderou, na reunião com a Famurs.
O Cpers-Sindicato argumenta que, antes da municipalização, a administração pública deve investir na infraestrutura de escolas, na valorização dos professores e funcionários, assim como aposentados, além de respeitar a gestão democrática das instituições de ensino. “A municipalização representa muito mais do que uma troca de gestão, ela acarreta a descontinuidade do processo pedagógico, rompe vínculos e desestimula estudantes, contribuindo para a evasão escolar”, afirma a entidade.
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