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Rede privada: “professores se tornaram produtores de conteúdo digital da noite para o dia”

Desde o início da pan­demia – que já passa dos 90 mil mortos – e as pri­meiras sus­pen­sões de ati­vi­dades con­vi­vemos di­a­ri­a­mente com in­cer­tezas em re­lação ao ano le­tivo, assim como vemos a pre­ca­ri­zação da ati­vi­dade dos pro­fes­sores e edu­ca­dores nas redes pú­blicas. No setor pri­vado não é di­fe­rente, os tra­ba­lha­dores têm so­frido cortes de sa­lá­rios, au­mento de ta­refas e fun­ções, além de in­cer­tezas em re­lação à re­a­li­zação do pro­cesso de apren­di­zado. Para en­tender me­lhor esta ca­te­goria es­pe­cí­fica dentro da edu­cação e o que pensam a res­peito do mo­mento, en­vi­amos per­guntas para o Co­le­tivo de Pro­fes­sores Au­to­con­vo­cados* do en­sino pri­vado, for­mado em 2017 em São Paulo, que nos res­pondeu co­le­ti­va­mente.

“A maior pre­o­cu­pação agora é com o re­torno às aulas mar­cado para 8 de se­tembro no es­tado de SP. Se pro­gramar para um re­torno das aulas pre­sen­ciais em um con­texto as­cen­dente de mortes e de am­pli­ação de casos de in­fec­tados é uma in­sa­ni­dade. Não há jus­ti­fi­ca­tivas para pro­mover a ex­po­sição de tantas pes­soas. É ne­ces­sário lem­brar que cada pro­fessor en­trará em con­tato com pelo menos 30 a 35 es­tu­dantes por hora de aula. Serão os mais ex­postos”, ana­lisam os pro­fes­sores.

Sobre o atual re­gime ‘mam­bembe’ de edu­cação re­mota, exaus­ti­va­mente co­lo­cado na im­prensa e pelas au­to­ri­dades, são en­fá­ticos ao dizer que isto não é En­sino a Dis­tância (EaD), uma vez que de­man­daria uma adap­tação sob di­versas or­dens. Ao longo da en­tre­vista de­sen­volvem o ar­gu­mento sempre em pa­ra­lelo com a ‘opor­tu­ni­dade’ que os em­pre­sá­rios en­con­traram para jus­ti­ficar sua pre­ca­ri­zação, jo­gando sobre pro­fes­sores e tra­ba­lha­dores o ônus das di­fi­cul­dades im­postas pela pan­demia no setor.

“Apro­vei­tamos o es­paço para fazer uma de­núncia: es­colas de elite, de grande porte, co­lo­caram seus pro­fes­sores na MP 936 (da sus­pensão do con­trato de tra­balho), re­du­ziram sa­lá­rios ou sus­pen­deram con­tratos de tra­balho tendo uma di­mi­nuição de re­ceitas com as men­sa­li­dades muito pe­quena, mas apro­vei­tando para co­locar sua folha sa­la­rial na conta do Go­verno Fe­deral. As es­colas en­con­traram seus ca­mi­nhos para se­guir ge­rando lucro mesmo nesse con­texto de pan­demia”.

Leia a en­tre­vista com­pleta a se­guir.


Foto ti­rada em uma es­cola pú­blica, a E.E. Maria José (São Paulo, centro), em 2015, du­rante a ocu­pação es­tu­dantil ocor­rida por lá. Está aqui, fora do seu con­texto ori­ginal, apenas como ilus­tração de uma sala de aula vazia.

Cré­ditos: Raphael Sanz/Cor­reio da Ci­da­dania

Cor­reio da Ci­da­dania: Como tem sido o dia-a-dia de vocês, pro­fes­sores da rede pri­vada, desde que a pan­demia se ins­talou?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: Pri­mei­ra­mente, cabe in­formar aos lei­tores que não per­tencem à área da edu­cação que a re­a­li­dade de cada rede, es­cola, etapas da es­co­la­ri­dade e até mesmo de acesso a re­cursos como a in­ternet é muito di­versa e temos muita di­fi­cul­dade em ter co­nhe­ci­mento do que acon­tece em ou­tros es­paços por conta da di­fi­cul­dade que o iso­la­mento so­cial impôs para uma maior ar­ti­cu­lação entre os pro­fes­sores. O es­forço que fa­remos agora em des­crever al­guns fatos se re­fere a um con­texto muito es­pe­cí­fico que está re­la­ci­o­nado aos co­lé­gios de médio a grande porte e de uma fatia muito es­pe­cí­fica e eli­ti­zada dentro do mer­cado das es­colas pri­vadas da ca­pital pau­lista.

Sobre o dia-a-dia, pro­cu­ra­remos ge­ne­ra­lizar al­gumas das si­tu­a­ções e muitas vezes re­fe­ren­ciar nossas ex­pe­ri­ên­cias como pro­fes­sores dentro da re­a­li­dade da rede pri­vada na ci­dade de São Paulo.

Desde o início das no­tí­cias de casos de covid-19 na ci­dade de SP al­guns es­tu­dantes apre­sen­taram sin­tomas ou ti­nham pa­rentes di­ag­nos­ti­cados. Ao sur­girem os pri­meiros casos entre os do­centes, as es­colas de­mo­raram a es­ta­be­lecer me­didas pro­te­tivas e em muitas uni­dades foi ne­ces­sária a mo­bi­li­zação dos pro­fes­sores no in­tuito dos co­lé­gios aten­tarem para a ur­gência em in­ter­romper as aulas pre­sen­ciais.

Em me­ados de março, a partir da ter­ceira se­mana, a mai­oria dos co­lé­gios já es­tava atu­ando no sis­tema de edu­cação re­mota, com es­tu­dantes em casa, mas exi­gindo a pre­sença de parte do corpo do­cente ainda nas es­colas. Foi ne­ces­sária a in­ter­rupção de forma ins­ti­tu­ci­onal por parte do Go­verno do Es­tado para que os pro­fes­sores também pu­dessem deixar de se expor ao pe­rigo da pan­demia.

O pro­cesso de edu­cação re­mota varia muito de acordo com a es­tru­tura dis­po­ni­bi­li­zada pelas es­colas. Existem es­colas que estão pro­mo­vendo aulas por meio de lives, que ocorrem obe­de­cendo a grade ho­rária das aulas pre­sen­ciais, ou­tras es­colas op­taram por dis­po­ni­bi­lizar ma­te­riais em pla­ta­formas on­line e pro­mover lives em ho­rá­rios e dias es­pe­cí­ficos para cada dis­ci­plina e série (por exemplo, a aula de Língua Por­tu­guesa ocorre às 7h da manhã com todas as turmas do 8º ano, e assim por di­ante com ou­tros anos e ma­té­rias) e também há es­colas que não con­se­guiram en­con­trar uma fer­ra­menta para pro­mover um sis­tema de aulas sín­cronas (que são as lives), ofe­re­cendo apenas ví­de­o­aulas pro­du­zidas pelos pro­fes­sores, que se tor­naram pro­du­tores de con­teúdo di­gital da noite para o dia, sem trei­na­mento ade­quado para isso.

Os prin­ci­pais pro­blemas en­fren­tados pela ca­te­goria podem ser lis­tados de forma sin­té­tica pelos se­guintes pontos (mas cada es­cola está atu­ando de uma ma­neira di­fe­rente): so­bre­carga de tra­balho, grupos de co­mu­ni­cação (what­sapp e se­me­lhantes) com men­sa­gens fora do ho­rário de tra­balho, ex­cesso de obri­ga­ções com o trato em novas fer­ra­mentas para vi­a­bi­li­zação das aulas, di­reitos tra­ba­lhistas atro­pe­lados com a re­dução sa­la­rial (muitas vezes sem a re­dução efe­tiva da jor­nada de tra­balho), medo cons­tante em re­lação a cortes e de­mis­sões ou sus­pensão dos con­tratos de tra­balho, pressão exa­ge­rada sobre os pro­fis­si­o­nais pelo “su­cesso” do tra­balho à dis­tância, al­te­ração do ca­len­dário de fé­rias, horas de tra­balho não re­mu­ne­radas, uso de imagem dos pro­fis­si­o­nais sem os de­vidos termos dis­cu­tidos entre a ca­te­goria ou ex­pres­sados em con­trato, a in­vasão da pri­va­ci­dade de todos os en­vol­vidos no pro­cesso edu­ca­tivo, longas horas em frente à lu­mi­no­si­dade de telas (ainda que con­tra­ri­ando re­co­men­da­ções de es­pe­ci­a­listas), entre ou­tros pontos.

O Sin­di­cato dos Pro­fes­sores (Sinpro) na ci­dade de SP não está atu­ando como acre­di­tamos que de­veria ser o papel de um sin­di­cato. Há re­latos de que al­guns pro­fes­sores de­nun­ci­aram a in­tenção dos co­lé­gios em re­duzir o sa­lário dos pro­fes­sores apesar da so­bre­carga de tra­balho e o sin­di­cato se co­mu­nicou com a es­cola in­for­mando que “po­de­riam in­ter­me­diar a re­lação para fa­ci­litar a en­trada dos pro­fes­sores na MP”.

Brasil afora os sin­di­catos de pro­fes­sores têm con­vo­cado em muitos lu­gares as­sem­bleias on­line. Ti­veram al­gumas as­sem­bleias do Sinpro de BH, por exemplo, também em ou­tras ci­dades. No en­tanto, o Sinpro de São Paulo não chamou nem uma as­sem­bleia nesse pe­ríodo in­teiro. É la­men­tável.

Cor­reio da Ci­da­dania: Que ou­tras mu­danças a classe tem vi­ven­ciado no âm­bito do re­gime de tra­balho e qual o im­pacto dessas mu­danças no co­ti­diano?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: Além da quan­ti­dade de horas de­di­cadas ao re­pla­ne­ja­mento de aulas e ati­vi­dades, toda es­tru­tura do tra­balho fica aba­lada pela con­versão for­çosa a um re­gime de edu­cação em que pra­ti­ca­mente nin­guém teve trei­na­mento, nem ex­per­tise para dar se­gui­mento de ma­neira tão ime­diata ao ano le­tivo.

Al­gumas es­colas op­taram por de­cretar fé­rias di­re­ta­mente no pri­meiro mês de in­ter­rupção das aulas pre­sen­ciais, pois acre­di­tavam que seria algo pas­sa­geiro ou para se ade­quar mi­ni­ma­mente en­quanto es­tru­tura para as aulas re­motas. A an­te­ci­pação das fé­rias em muitos casos não foi de­ba­tida com o corpo do­cente, e a partir de agora muitos terão que se des­do­brar em dar aulas de maio a de­zembro sem des­canso.

Muitas es­colas estão ale­gando pro­blemas fi­nan­ceiros pois as fa­mí­lias estão com di­fi­cul­dades em arcar com as men­sa­li­dades, al­gumas es­colas têm nú­meros grandes de ina­dim­plentes e ou­tras ne­go­ci­aram a di­mi­nuição dos va­lores das men­sa­li­dades, mas esse ônus está sendo re­pas­sado aos fun­ci­o­ná­rios das es­colas por meio de re­du­ções sa­la­riais que não acom­pa­nham a re­dução da jor­nada de tra­balho que na maior parte dos casos tri­plicou. Não é raro nas as­sem­bleias au­to­con­vo­cadas e nos fó­runs de dis­cussão pro­fes­sores que apre­sentam jor­nadas diá­rias, in­cluindo fi­nais de se­mana, mai­ores que 10h, 12h de en­vol­vi­mento com ati­vi­dades es­co­lares.

Pro­fes­sores estão se con­ver­tendo em pro­du­tores de con­teúdos di­gi­tais, you­tu­bers, gra­vando e edi­tando ví­deos por horas a fio, sem ne­nhuma ga­rantia de que esse tra­balho será re­mu­ne­rado e até mesmo pro­te­gido com re­lação aos seus di­reitos de imagem.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como ava­liam a questão do EAD (En­sino A Dis­tância), exaus­ti­va­mente em pauta du­rante a qua­ren­tena?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: Não existe EaD como exaus­ti­va­mente vem sendo di­vul­gado pela mídia, go­vernos e prin­ci­pal­mente ins­ti­tui­ções edu­ca­ci­o­nais. Para clas­si­fi­carmos um pro­cesso edu­ca­ci­onal dessa ma­neira o curso, as aulas, as ati­vi­dades, o pla­ne­ja­mento, o for­mato ava­li­a­tivo, os ob­je­tivos e tipos de re­sul­tados bus­cados de­ve­riam ser ade­quados a esse pro­cesso. Nunca houve uma for­mação obri­ga­tória dentro dos cursos de li­cen­ci­a­tura para esse tipo de pro­cesso edu­ca­ci­onal. Não houve re­ci­clagem ou cursos de for­mação con­ti­nuada ofe­re­cidos para os pro­fis­si­o­nais com esse in­tuito, logo não po­demos chamar esse pro­cesso edu­ca­ci­onal de EaD. O que nós es­tamos im­plan­tando de ma­neira com­ple­ta­mente apres­sada e vazia de cri­ti­ci­dade é um pro­cesso de edu­cação re­mota da qual não temos ga­rantia da sua efe­ti­vi­dade e nem mesmo da sua exe­cu­ta­bi­li­dade.

As au­to­ri­dades se apre­sentam nesse con­texto apenas com a de­ma­gogia tí­pica de seus cargos, apre­sen­tando so­lu­ções mi­ra­bo­lantes, muitas vezes ca­rís­simas, ofe­re­cidas por grandes em­presas que estão de olho em como lu­crar com con­tratos sem li­ci­tação em seu ca­ráter emer­gen­cial, fa­zendo o que de me­lhor eles fazem: ofe­recer so­lu­ções para a edu­cação sem nunca con­sultar os prin­ci­pais en­vol­vidos na co­mu­ni­dade es­colar. São im­postas formas de tra­balho por aqueles que nunca pi­saram em uma sala de aula e muito menos pos­suem qual­quer pro­xi­mi­dade com a atu­ação do­cente ou for­mação pe­da­gó­gica.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que co­mentam sobre os vai­véns do Mi­nis­tério da Edu­cação?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: Com re­lação ao mi­nistro da Edu­cação, en­quanto existiu al­guém ali, não é ne­ces­sário le­vantar que o papel que cum­priu frente a esse cargo foi apenas de des­mo­ra­lizar a ca­te­goria dos pro­fis­si­o­nais da edu­cação, pro­mover a des­truição das uni­ver­si­dades pú­blicas, em es­pe­cial as fe­de­rais, além da au­sência com­pleta em de­bater a ur­gen­tís­sima re­no­vação do FUNDEB.

Isso se tra­tando de um go­verno que se elegeu com uma su­posta ban­deira de in­ves­ti­mentos na edu­cação de base, prin­ci­pal­mente nos anos ini­ciais, em de­tri­mento do fi­nan­ci­a­mento da edu­cação em nível su­pe­rior e fun­da­men­tal­mente em pes­quisa. Ar­ris­ca­ríamos dizer que es­tamos me­lhores sem al­guém a frente do Mi­nis­tério dentro desse go­verno que é cla­ra­mente anti-in­te­lec­tual e obs­cu­ran­tista.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como surgiu o co­le­tivo pelo qual vocês estão se or­ga­ni­zando e que al­ter­na­tivas às tele-aulas são dis­cu­tidas?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: O co­le­tivo surgiu em dis­cus­sões e ma­ni­fes­ta­ções du­rante a pro­po­sição do go­verno Temer para a MP da ter­cei­ri­zação no ano de 2017. De lá para cá, sempre se dis­cutiu em fó­runs au­to­no­ma­mente or­ga­ni­zados as con­di­ções de tra­balho e os temas re­la­ci­o­nados à ca­te­goria. No con­texto do iso­la­mento so­cial nos vimos em uma si­tu­ação ater­ro­ri­zante ao ver se mul­ti­pli­carem nos fó­runs de dis­cussão casos re­la­tados por pro­fis­si­o­nais da edu­cação que iam desde o as­sédio moral e pres­sões por en­trega de ma­te­riais di­gi­tais, ví­deos e afins, até casos de es­colas que iriam de­mitir os pro­fes­sores e es­perar a pan­demia ter­minar para re­con­tratá-los (no con­texto da MP 936 da sus­pensão do con­trato de tra­balho).

O co­le­tivo também se for­ta­leceu bas­tante na luta pela con­venção co­le­tiva em 2018; a con­venção ia perder a va­li­dade e então nos for­ta­le­cemos para pres­si­onar pela sua re­no­vação, o que for­ta­leceu nossas as­sem­bleias au­to­con­vo­cadas.

Muito se dis­cute sobre as al­ter­na­tivas a esse es­quema de aula re­mota. Entre os pro­fes­sores a questão se di­vide entre o can­ce­la­mento do ano le­tivo em 2020 bem como a sua junção ao ca­len­dário 2021, para uns. Já ou­tros pon­deram a pos­si­bi­li­dade de uma edu­cação re­mota, mas em con­di­ções de sa­lu­bri­dade e des­canso tanto para es­tu­dantes como para do­centes. Mas o de­bate não pode ser feito apenas por nós como ca­te­goria, sem con­si­derar ou­tros atores im­por­tantes que são os es­tu­dantes e o en­vol­vi­mento da so­ci­e­dade como um todo nessa dis­cussão (in­cluindo o papel in­for­ma­tivo que a mídia de­veria as­sumir).

Es­tamos com­ple­ta­mente apar­tados das uni­ver­si­dades por exemplo, que são aquelas que criam di­re­trizes que muitas vezes são ob­ser­vadas por nós, do­centes, e pelas es­colas, na pre­pa­ração dos es­tu­dantes para os ves­ti­bu­lares. Muitas uni­ver­si­dades não se pro­nun­ci­aram sobre as mu­danças que ocor­rerão nos exames de in­gresso e esse é o mo­mento de re­pen­sarmos formas mais de­mo­crá­ticas e menos con­teu­distas.

Es­tamos vendo es­colas que estão mas­sa­crando seu corpo do­cente e es­tu­dantes em jor­nadas lon­guís­simas em frente aos seus com­pu­ta­dores e ou­tros es­tu­dantes no mais com­pleto aban­dono do seu di­reito de acesso à apren­di­zagem de qua­li­dade por não terem acesso às fer­ra­mentas de co­mu­ni­cação ne­ces­sá­rias.

Cor­reio da Ci­da­dania: A Carta Aberta da ca­te­goria para a so­ci­e­dade co­meça com a fala de uma mãe de aluno di­zendo à im­prensa ser im­pos­sível con­ti­nuar o ano le­tivo. A quais di­fi­cul­dades ela se re­fere e como os alunos sentem essas mu­danças?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: Acre­dito que a maior di­fi­cul­dade que vemos é a dis­cre­pância de acesso e de efe­ti­vi­dade do pro­cesso entre as es­colas par­ti­cu­lares de elite e as de­mais, prin­ci­pal­mente as redes pú­blicas Brasil afora. Ainda que os es­tu­dantes te­nham acesso a con­teúdos, como po­demos aferir ver­da­dei­ra­mente o apro­vei­ta­mento de um pro­cesso de apren­di­zagem que não seja apenas ban­cário (fa­zendo re­fe­rência ao pa­trono da edu­cação bra­si­leira Paulo Freire), que tem como pres­su­posto um es­tu­dante inerte, apenas como es­pec­tador, mas não como parte in­te­grante e re­al­mente im­por­tante do pro­cesso de apren­di­zagem que se de­sen­volve em uma re­lação ho­ri­zontal e per­ma­nen­te­mente cons­truída. A edu­cação não pode ser me­ca­ni­zada, o es­tu­dante não está as­sis­tindo uma série, “ma­ra­to­nando” con­teúdos que devem ser me­mo­ri­zados de ma­neira acrí­tica.

Cor­reio da Ci­da­dania: Quais as prin­ci­pais pre­o­cu­pa­ções da ca­te­goria no mo­mento pre­sente?

Pro­fes­sores au­to­con­vo­cados: A maior pre­o­cu­pação agora é com o re­torno às aulas mar­cado para 8 de se­tembro no es­tado de SP. Se pro­gramar para um re­torno das aulas pre­sen­ciais em um con­texto de mortes as­cen­dentes e de am­pli­ação de casos de in­fec­tados é uma in­sa­ni­dade. Não há jus­ti­fi­ca­tivas para pro­mover a ex­po­sição de tantas pes­soas. É ne­ces­sário lem­brar que cada pro­fessor en­trará em con­tato com pelo menos 30 a 35 es­tu­dantes por hora de aula. Serão os mais ex­postos. Como fa­remos com aqueles que pos­suem algum tipo de co­mor­bi­dade? E os es­tu­dantes que não po­derão por ra­zões de saúde es­tarem nas aulas pre­sen­ciais? Não existem di­re­trizes, não há um pla­ne­ja­mento ade­quado nem há um de­bate com as co­mu­ni­dades es­co­lares ou com a so­ci­e­dade.

O ENEM mar­cado para ja­neiro de 2021 acaba exer­cendo uma pressão extra sobre os do­centes das es­colas par­ti­cu­lares, prin­ci­pal­mente em um ano atí­pico como esse. Os co­lé­gios estão aber­ta­mente que­rendo mos­trar através de ín­dices, de apro­va­ções, de re­sul­tados, uma jus­ti­fi­ca­tiva para todo ex­cesso de tra­balho que es­tamos en­fren­tando, prin­ci­pal­mente pro­fes­sores que atuam no En­sino Médio.

Não existe pos­si­bi­li­dade de re­tomar o tempo per­dido, de­ve­ríamos re­pensar a ne­ces­si­dade de dar conta de todos os con­teúdos. De­ve­ríamos ques­ti­onar o mo­delo edu­ca­ci­onal que es­tamos pro­mo­vendo, o valor do cur­rí­culo uni­for­mi­zado e en­ges­sado, a quan­ti­dade de dias le­tivos, os ob­je­tivos que bus­camos como so­ci­e­dade ao pro­mover a edu­cação.

A pa­tronal no mo­mento ajuda as es­colas a ex­trair be­ne­fí­cios dessa si­tu­ação. Apro­vei­tamos o es­paço para fazer uma de­núncia: es­colas de elite, de grande porte, co­lo­caram seus pro­fes­sores na MP, re­du­ziram sa­lá­rios ou sus­pen­deram con­tratos de tra­balho tendo uma di­mi­nuição de re­ceitas com as men­sa­li­dades muito pe­quena, mas apro­vei­tando para co­locar sua folha sa­la­rial na conta do Go­verno Fe­deral. As es­colas en­con­traram seus ca­mi­nhos para se­guir ge­rando lucro mesmo nesse con­texto de pan­demia.

Nota:
*As res­postas foram re­di­gidas co­le­ti­va­mente por um grupo de tra­balho do co­le­tivo de pro­fes­sores au­to­con­vo­cados. Os pro­fes­sores pe­diram para não serem iden­ti­fi­cados na ma­téria.

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Raphael Sanz é jor­na­lista e editor-ad­junto do Cor­reio da Ci­da­dania.

 

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