Professor está sozinho

Professor está sozinho

O professor brasileiro está sozinho em uma escola cheia

Manfred Back

Gestor de Fundos, Economista, Professor de Graduação e Pós-Graduação

A rede brasileira de educação básica conta com 2 milhões de professores que escolheram enfrentar essa profissão tão essencial quanto difícil. Para entender melhor o dia a dia deles, o Instituto Península - organização social que busca a melhoria da qualidade da educação - acompanhou professores de todo país em uma pesquisa de comportamento e cultural que reuniu mais de 3 mil horas de entrevistas e encontros. O "Observatório do Professor", realizado em parceria com a PS2P - Observatório de comportamento e cultura, esteve com docentes de diversas partes do Brasil, vivendo de perto as alegrias e dores dentro e fora das salas de aula.

Dentre vários questionamentos e reflexões que esses encontros com a realidade da vida dos docentes nos trouxeram, uma das que mais nos chamou atenção foi a de que muitos deles se sentem tão sozinhos quanto impotentes para exercer o grande propósito da sua profissão: ser um agente de transformação. Seu olhar sobre a educação navega entre a esperança de ensinar seus alunos e a frustração de não conseguir fazê-los aprender. Isso porque muitos sentem o peso de serem colocados em um pedestal em que são os únicos responsáveis por transformar a realidade das comunidades em que atuam, fazendo com que se sintam expostos e até vulneráveis com o desafio.

Tudo isso em um sistema que pouco oportuniza condições para colaboração entre educadores, alunos e a sociedade. Mesmo em escolas com um grande quadro de colaboradores, a correria entre aulas, e até entre escolas e outros empregos, dificulta a conversa entre eles.

Assim, a solidão também surge da falta de um ambiente que facilite o diálogo e a colaboração entre os colegas para troca de experiências e construção de um projeto comum de educação, ou para simplesmente desabafar com quem conhece de perto o dia a dia da escola.

Além deste cenário, ao chegar à sala de aula, o professor encontra a complexidade das comunidades brasileiras, tendo que lidar, sem o preparo adequado, com questões pessoais de seus alunos. Afinal, esses docentes, em sua maioria, não foram preparados para abordar questões importantes na vida dos estudantes, como racismo, violência, fome, entre outras. Tais questões, mesmo estando na gama de assuntos para os quais os educadores não são preparados para lidar, têm um grande impacto no cotidiano escolar e muito influenciam o processo de aprendizagem.

Somado a esse ponto, observou-se também que a falta de entendimento das realidades dos alunos gera, algumas vezes, um choque cultural tão grande que pode dificultar a construção de uma relação de confiança entre professor e aluno, o que prejudica ainda mais o ensino e a criação de movimentos em prol da aprendizagem dos estudantes. Afinal, para o aluno, é muito difícil confiar nos aprendizados passados por um professor que sequer conhece os problemas pessoais que ele tem dentro de casa.

E, para o professor, não compreender a realidade completa do aluno dificulta a passagem de conhecimento, já que abordagens pedagógicas tradicionais podem não ser totalmente eficientes na transmissão de aprendizados. E o processo de aprendizagem só tende a perder quando os dois lados não sentem a confiança necessária para ensinar e aprender.

Para acabar com esse descompasso é preciso, entre outras soluções, resgatar o papel do professor como a ponte entre os alunos e o conhecimento. Isso acontece a partir da autorreflexão e autoconhecimento do docente, aliado ao conhecimento teórico adequado. Quando eles compreendem suas qualidades e fraquezas são capazes de olhar os problemas que afetam suas relações e buscar soluções. Surge, então, a importância de desenvolver integralmente o professor, para que conheça suas emoções, entenda como seu corpo reage, saiba como sua mente pensa e tenha claro o propósito que o conduz.

Ao desenvolver diferentes competências e melhorar suas qualidades, eles se tornam mais preparados para lidar com os desafios de seus alunos, conseguem se conectar a eles mais facilmente e constroem a ponte que liga os estudantes ao conhecimento, influenciando positivamente todo o sistema educacional.

O Observatório do Professor também identificou que, quando os educadores se unem e têm o apoio do sistema e da sociedade, podem transformar a educação. Um exemplo é o grupo de docentes no interior de Pernambuco. A partir de uma comunidade escolar fortalecida, que promove uma virada conceitual em torno do paradigma escolar e da forma como os professores percebem seu trabalho, fizeram com que a escola deixasse de ser 'transmissora' para se tornar 'produtora' de conhecimento. As práticas aplicadas ali aliaram o conteúdo à realidade dos alunos, fazendo uma escola junto com eles e não apenas para eles. Assim, promoveram o desenvolvimento individual dos estudantes e, consequentemente, da comunidade, gerando uma transformação coletiva e resgatando o papel social da escola como agente de desenvolvimento sustentável.

Práticas como essa deixam clara a importância de se movimentar a educação por meio de abordagens mais humanas. Com professores, alunos e comunidade conhecendo suas próprias necessidades e se integrando para superar os desafios, o processo de aprendizagem passa a ser muito mais eficiente. Se a educação nas salas de aula brasileiras está paralisada, é urgente apoiar o movimento dos educadores. É hora de agir. Cada conquista do professor no ensino de um aluno é uma vitória de toda a sociedade.

Heloisa Morel é diretora executiva do Instituto Península, organização do terceiro setor que atua para aprimorar a formação de professores

 

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