Professor por notório saber
Professor por ‘notório saber’ não tornará o Ensino Médio mais atraente
A taxa de abandono escolar no Ensino Médio da rede pública brasileira é cerca de 6%. Mas, considerando apenas as 2 mil escolas em que o ‘notório saber’ já é prática, essa taxa cresce para 8%.
POR RODRIGO TRAVITZKI | 16.12.2023
O novo projeto de lei do Novo Ensino Médio (PL 5230/2023), que acaba de voltar à urgência em meio a reviravoltas no congresso, tem algumas diferenças importantes em relação à proposta do MEC. Muito se tem comentado sobre as horas de formação básica, mas pouco sobre o tal “notório saber”
Sem entrar agora na questão mais ampla da precarização disfarçada de flexibilização, vamos testar a lógica desse projeto de lei dentro de sua própria ótica. O objetivo seria tornar o Ensino Médio mais atraente. Um dos meios para se atingir esse objetivo seria flexibilizar (precarizar) a educação profissional e tecnológica, introduzindo na letra da lei um vago “notório saber” como qualificação suficiente para ser professor. Não parece uma boa ideia, mas vejamos o que dizem os dados.
Segundo os indicadores do INEP de 2022, das 20 mil escolas públicas de Ensino Médio, 2 mil tem mais de 10% dos professores sem qualquer formação. E isso nos dados oficiais, que devem ser mais otimistas do que a realidade, nesse caso. Ou seja, o professor por “notório saber” já existe na prática, a lei deve servir para evitá-lo, não incentivá-lo.
Mas como fica a questão do Ensino Médio mais atraente? O INEP fornece dados de abandono escolar, que não dão conta de todos os aspectos da atratibilidade, mas servem como indicador aproximado.
Assim, traduzindo em dados, a questão passaria a ser: como a formação docente se relaciona com o abandono escolar no Ensino Médio? Já fiz uma análise estatística a respeito e darei um exemplo direto. A taxa de abandono escolar no Ensino Médio das escolas públicas brasileiras é cerca de 6%. Mas se você considerar apenas as 2 mil escolas que citei, em que o “notório saber” já é prática, essa taxa aumenta para 8%.
Simplificando, escolas com professores sem formação costumam ter um Ensino Médio menos atraente. O que não é de se espantar, mas é sempre bom ver os dados quando se trata de política pública. Em resumo, mesmo dentro sua própria ótica, o projeto de de lei não tem consistência: o meio não serve para atingir o fim. O retorno do “notório saber”, que havia sido tirado na proposta do MEC, só deve tornar o Ensino Médio menos atrativo aos alunos.
Rodrigo Travitzki é professor, pesquisador, doutor em educação pela USP com pós doutorado em Portugal, e já publicou diversos estudos sobre o ENEM.
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