Professora denuncia incoerência

Professora denuncia incoerência

PROFESSORA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO RIO GRANDE DO SUL SE EXONERA EM PÚBLICO E DENUNCIA INCOERÊNCIA DO GOVERNO DE EDUARDO LEITE

 

No mesmo dia que a professora de História Carla de Moura entrega para E.E.E.F. Santa Luzia 5 mil reais em materiais pedagógicos, se exonera publicamente por ter suas solicitações de Licença Qualificação Profissional e Licença para Tratar de Interesse Particular negadas pela Secretaria da Educação do Governo Eduardo Leite. Os materiais foram escolhidos pelos professores da escola e comprados com o dinheiro que seu projeto ganhou ao tirar 1° lugar no Prêmio de Ensino de História Déa Fenelon, promovido pela Associação Nacional de História – ANPUH. As licenças foram pedidas para que a professora pudesse cursar o doutorado no Programa de Pós-graduação em História na UFRGS, para o qual também foi aprovada em 1°lugar. As reformas propostas pelo governo de Eduardo Leite para o plano de carreira do magistério, aprovadas em 29 de janeiro de 2020 pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (PL3/2020), destacam a relevância da formação continuada de professores. A remuneração diferenciada de acordo com o nível de formação dos professores – graduação, especialização, mestrado e doutorado - assim como a substituição da Licença Prêmio pela Licença Capacitação pareciam atestar a intencionalidade deste governo em valorizar a formação docente. Sobre este tema, o Governador Eduardo Leite 1se pronunciou: “Estamos propondo um processo de qualificação da educação gaúcha, com melhores incentivos e valorização do mérito dos nossos professores, incentivando a formação e, com isso, gerando impacto no ensino em sala de aula” (LEITE, 2020).

No entanto, não é isto que está acontecendo segundo a professora Carla: “Na minha opinião o governo além de estar sendo incoerente parece estar agindo de má fé. Consigo conceber que o governo negue a licença qualificação profissional se alegasse falta de recursos financeiros, mas não existe justificativa plausível para negar uma licença para tratar de interesse particular visto que essa licença não onera o Estado em absolutamente nada! Não vou ser hipócrita, estou fazendo o doutorado para ser formadora de professores de História, para ter um salário digno para sustentar minha família, mas honestamente gostaria muito de antes disso retornar o conhecimento produzido no doutorado para as minhas alunas e alunos da escola pública. Não é apenas a especialização, o mestrado e o doutorado que podem fazer de mim uma boa professora de professores, certamente a minha experiência de quase 10 anos no chão das escolas estaduais vai contribuir muito para isso.”

A Secretaria da Educação não alegou falta de recursos financeiros, mas falta de recursos humanos para indeferir os pedidos de licença da professora. Ocorre que no processo administrativo da Licença Qualificação Profissional duas professoras interessadas em aumentar suas cargas-horárias chegaram a ser designadas para substituir Carla. Ficaram 15 dias à disposição das escolas, chegaram a conversar sobre as escolas, alunos, conteúdos e projetos, mas depois foram realocadas para outras turmas ou escolas, sem maiores explicações. Além disso, a professora indicou cinco professores inscritos para contrato emergencial com disponibilidade de assumir imediatamente e a lista de professores de História inscritos para contrato emergencial na cidade de Porto Alegre conta com 419 professores.

Por meio da assessoria jurídica do Cpers, a professora tentou judicialmente obter a concessão da licença para qualificação, com pedido liminar. Entretanto o juiz Ângelo Furlanetto Ponzoni em sua decisão, com breve fundamentação, não concedeu a medida afirmando que a licença é um ato discricionário. Sendo assim, a licença para formação continuada de professores não é um direito dos professores e da população, pois o partido que está no governo pode ou não conceder a licença conforme julgar conveniente e oportuno. Mas é preciso destacar que, em recentes julgados e no entendimento de doutrinadores, quando a administração pública declara a motivação de um ato administrativo discricionário, e no caso da professora Carla declarou a falta de recursos humanos, a validade do ato fica vinculada à existência e veracidade dos motivos apresentados como fundamentação. Conforme documentos apresentados pela professora, não há falta de recursos humanos.

Segundo a professora: “A Secretaria da Educação do atual governo deveria afirmar publicamente que não considera conveniente e oportuno conceder uma licença para que uma professora da rede estadual de ensino possa cursar o doutorado na sua área de atuação, ou seja, que não reconhece o trabalho dos professores. E não reconhece porque sequer conhece. E o que é um projeto que pretende ‘Avançar na Educação’, mas que não reconhece o trabalho dos professores, senão um arremedo, uma chacota de mau gosto? Quem está defendendo o interesse de Estado? A professora que quer estudar e qualificar sua ação docente ou o governador que quer investir em uma escola modelo para que ele possa tirar foto, postar nas redes sociais e usar na sua campanha eleitoral para presidência da República em 2022? Não quero ser injusta, a desvalorização do trabalho docente não é um problema só deste governo. No entanto é o que não o diferencia de outros governos cujos projetos políticos para a Educação são medíocres porque se sustentam por determinações e decretos delirantes e distantes das realidades escolares.”

Carla de Moura é especialista em Estudos Culturais nos currículos da Educação Básica pela Faculdade de Educação da UFRGS, Mestra em Ensino de História pelo ProfHistória da UFRGS, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. É professora da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul desde 2012, atuando nas Escolas Santa Luzia e Duque de Caxias. Há quase dez anos desenvolve um projeto de Educação Patrimonial na E.E.E.F. Santa Luzia, que atende a comunidade da Vila Maria da Conceição em Porto Alegre. Este projeto toma o patrimônio da comunidade como ponto de partida para a construção de conhecimento histórico escolar situado e significativo. Em sua etapa mais recente produziu com suas alunas, alunos e comunidade escolar, o documentário As Marias da Conceição – Por um Ensino de História Situado. Sem qualquer tipo de apoio da Seduc/RS, este percurso pedagógico foi reconhecido como o melhor projeto de Ensino de História do país pela Associação Nacional de História – ANPUH, através do Prêmio de Ensino de História Déa Fenelon.

Por fim a professora Carla declara: “Eu sei que o salário dos professores é de fome, que estamos há sete anos sem aumento, que as escolas têm problemas estruturais graves, que a evasão escolar com a pandemia foi enorme porque a busca ativa ficou sob responsabilidade apenas dos professores, não houve um trabalho de rede, envolvendo a assistência, a saúde, os conselhos tutelares. Que não temos EPIs e condições de oferecer segurança para o retorno presencial dos alunos, sobretudo os menores de 12 anos não vacinados. Sei que estamos cansadas e adoentadas, sobrecarregadas com aulas presenciais e remotas, atendendo estudantes que estão em pontos diferentes de aprendizagem porque alguns acompanharam as aulas remotas e outros não tiveram condições para isso. Sei também que o governador quer descontar o vale transporte durante o período em que trabalhamos em casa, mas não considera nos pagar pela luz, internet, uso dos nossos aparelhos celulares e computadores pessoais, horas trabalhadas acima da nossa carga horária, pois atendemos alunos e familiares à noite, nos finais de semana e nos feriados. Tudo isso é um absurdo e precisa ser denunciado. Mesmo assim decidi tornar pública a minha exoneração, criar um fato político para discutir a formação continuada como um direito dos professores e das comunidades escolares. A formação continuada de professores impacta diretamente a qualidade do trabalho em sala de aula, constrói redes entre professores de diferentes escolas, universidades, comunidades escolares e movimentos sociais; dá visibilidade, reconhecimento e dignidade para o trabalho realizado pelos professores das escolas públicas; e por fim, mas não menos importante, impacta no nosso orçamento familiar, seja pela alteração de nível no plano de carreira, pela possibilidade de ter uma bolsa para estudar ou ainda de realizar outros trabalhos e prestar serviços que possam complementar o salário vergonhoso que recebemos. A discussão com a sociedade sobre formação continuada de professores como um direito precisa acontecer e envolver a população, o executivo, o legislativo e o judiciário, não existe educação de qualidade sem investimento nos professores.”

Assista ao vídeo completo em https://youtu.be/tM3KjSupBt4

OBRIGADA, CARLA!

Apoena da Silva

O 39° Trigésimo Nono Núcleo do CPERS/Sindicato te agradece por este depoimento altamente educativo, pedagógico, politicamente engajado!

Parabéns por teu trabalho e coragem!

 

https://www.facebook.com/neivaines.lazzarotto.5 




ONLINE
6