Professores endividados e deprimidos
Estamos todos endividados e deprimidos
Conheça a história de Elbe Belardinelli professor de História que complementa a renda como motorista
Elbe Rafael Marques Belardinelli, 40 anos, Santa Cruz Do Sul (RS), professor de História na EE Bruno Agnes, em Santa Cruz do Sul (RS), e motorista de aplicativo
RENDIMENTOS: R$ 1.250 como professor; R$ 1.000 como motorista
Sou professor concursado e faço parte da direção do sindicato [Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS)]. No ano passado, de- pois de uma greve, reduziram minha carga em 20 horas. As outras 20, não tiraram porque não podem. Perseguição? Eles tinham esse direito, mas a gente acredita que a greve pesou. Meu salário reduziu-se pela metade. Aí eu tive que buscar alternativas. Como tenho carro, fiz meu cadastro na Uber. Preciso trabalhar ao menos 20 horas para ganhar mil reais e compensar a perda. Mas o pior não é isso.
O nosso “desgovernador” [refere-se ao governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (MDB)] parcela o nosso salário. Ele acha que a culpa pela crise no estado é dos funcionários públicos. O governo faz o que quer. Quem ganha menos, recebe nos primeiros dias [do mês], quem ganha mais, depois. Mas sem previsão nenhuma.
A gente termina pegando adiantamento no banco e pagando juros. É um desastre. Estamos todos endividados. Esta semana já se suicidou mais um professor. É o terceiro este mês. Os professores estão depressivos. Alguns fazem [carga horária semanal de] 60 horas. É desumano. Tenho um amigo que está entrando na justiça contra isso. Ele tentou suicídio também. E, para completar, o tratamento psíquico é caro e o convênio não cobre. Não quero deixar a docência. Felizmente, consigo suportar bem a situação. Sou militante, estou acostumado. Resistimos. Quatro anos fazendo oposição, denunciando as barbaridades. Nos organizaremos politicamente e continuaremos resistindo ao próximo governo.
De pedreiro a Uber: o malabarismo para viver com os salários do magistério
Com contratos precários e remuneração insuficiente, professores enfrentam longas jornadas e buscam ocupações fora da escola para sobreviver
Cícero Ferreira de Lima, 40 anos Guanhães (MG) Professor de Educação Física na EE Alberto Caldeira.
RENDIMENTOS
R$ 1.600 como professor
R$ 700 como pedreiro e motorista
"Minha filha, aqui a gente dá uns pulos.” Assim, Cícero Ferreira de Lima assume seu malabarismo para fechar as contas do mês sendo professor de Educação Física na EE Alberto Caldeira, em Farias, distrito de Guanhães (MG). Quando não está dando aula, ele assenta pisos de cerâmica, chapisca paredes e dá o acabamento com reboco em casas da cidade. Apareceu um problema com a bomba hidráulica ou o chuveiro encrencou? Lá está Cícero. O professor também faz corridas com seu Corsa até Guanhães, a 45 quilômetros por estrada de terra, levando e trazendo seus conterrâneos. Cobra 100 reais pelo trajeto total. “Falar pra você que compensa esse valor, compensa não”, diz. “Aqui a gasolina é cara, a estrada de chão não presta, faço mais para ajudar quem precisa.”
Confira os dados: 29% dos professores têm uma atividade extra para incrementar a renda
O guanhanense fala como se necessitado não fosse. Mas, aos 40 anos, tem apenas um cargo como contratado. São 17 aulas por semana, pelas quais ganha 1,6 mil reais. Professor há quase uma década, ele afirma que, financeiramente, seria melhor se concentrar na função de pedreiro, ofício que aprendeu do pai. “Mas eu adoro estar com os meninos na escola, é a melhor coisa que existe”, afirma. A mulher, Danúbia da Costa Teixeira, 34 anos, leciona na mesma instituição, mas como concursada, e nos períodos da manhã e da noite. Suas aulas de Português lhe rendem 2 mil reais, que são pagos em três parcelas ao longo do mês — prática exercida por Minas Gerais desde 2016 para remunerar os servidores públicos.
Danúbia da Costa Teixeira 34 anos Guanhães (MG) Professora de Língua Portuguesa na EE Alberto Caldeira
RENDIMENTOS
R$ 2.000 como professora
R$2.000 como revisora (anual)
Acontece que a soma salarial dos dois professores não garante o sustento do casal nem dos filhos, de 11 e 4 anos. Então, quando aparece, Danúbia faz palestra para o Sebrae sobre a importância da argumentação para aumentar as vendas, pelas quais recebe em média 150 reais. Também corrige redações do Enem e presta assessoria em trabalhos de conclusão de curso. De olho numa melhor formação, ela faz doutorado em Linguística Teórico-Descritiva na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Como o governo cortou as bolsas da Capes, Danúbia vende bananas verdes fritas na faculdade para custear a viagem e aceita a guarida dos professores para dormir na casa deles, na capital. “Quase todo colega meu da escola pública faz alguma coisa por fora, vende cosméticos, lingerie, dá aula particular de violão ou de pintura”, lembra a mineira.
A jornada do casal reflete o jeito que os educadores brasileiros encontram para sobreviver aos contratos precários e à baixa remuneração da pro- fissão.
Para José Marcelino de Rezende Pinto, professor da Universidade de São Paulo (USP) com experiência em política e gestão educacional, o problema remonta, na verdade, ao século 19. De fato, em 1891, o médico, jornalista e historiador José Ricardo Pires de Almeida já denunciava “a função mal remunerada que não encontra na opinião pública a consideração a que tem direito muito mais que as outras”. O professor, nas palavras de Almeida, substituía em certa medida o pai e a mãe de família, inaptos para cumprir completamente seu dever social. Deveria ganhar mais, portanto.
A questão, porém, não se resolveu. “Vivemos uma crise crônica de remuneração”, afirma Rezende. Àqueles que desejam puxar o debate para mais perto, o sociólogo Ricardo Antunes, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), aponta o período da ditadura militar como um divisor de águas. “A ditadura, no seu conjunto, tinha a ideia de incentivar as escolas privadas, o que debilitou as chamadas escolas de aplicação, que ensaiavam um projeto público mais qualitativo”, afirma. Segundo Antunes, os governos que se sucederam, já no período democrático, não enfatizaram uma política de recuperação do que se perdeu em termos de excelência.
Assentando o piso
Se há conquistas a apontar é a Lei nº 11.738, de 2008, que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional e estipulou um valor abaixo do qual nenhum professor deve receber. Em 2009, ele era de 950 reais; hoje, para uma jornada de 40 horas por semana, perfaz brutos 2,455 mil reais.
“Mas atualmente apenas 66% dos municípios cumprem o piso e somente 14 estados remuneram o mínimo previsto em lei”, diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Ela explica que muitas cidades de pequeno porte têm dificuldade de arrecadação, um dos motivos para não pagar o valor determinado para o início da carreira. Já nos grandes centros urbanos o desafio é outro: em geral, cumpre-se o piso, mas ele está muito aquém de atender a condições de vida diante dos custos elevados com moradia, transporte, alimentação e acesso à cultura. Anna frisa que é preciso garantir a valorização gradual dos salários e a incorporação das gratificações, que, segundo ela, são muitas vezes utilizadas para não aumentar o salário-base.