Profissionais da educação relatam medo
Profissionais da educação relatam medo, falta de protocolo e alunos com fome
Cléberson Santos
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- Professores ainda sentem receio das aulas em meio à pandemia
- O que tem sido feito com relação à infraestrutura
- Quantos foram contaminados pelo vírus nas escolas
- Alunos com fome é um dos desafios em Heliópolis
A professora Kelly Francisco, 37, precisou ficar afastada das atividades por quatro meses. Ela dá aulas para crianças na escola municipal de ensino infantil Chácara Santa Maria, na região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
O retorno das aulas presenciais, de forma parcial em fevereiro, em meio à alta na pandemia, preocupou a docente. A mãe de Kelly está em processo de quimioterapia e não havia sido vacinada na época. O principal temor dela naquele momento era acabar levando o coronavírus para casa.
“Teve um dia que teve uma suspeita [de contaminação na escola] e foi aí que não consegui mais voltar para a sala de aula. Simplesmente tinha pânico, começava a tremer, chorava”, relata a professora.
Diagnosticada com ansiedade, Kelly obteve uma licença e iniciou o tratamento com psiquiatra e terapia. Há cerca de um mês, já vacinada e medicada, voltou a frequentar a EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) onde trabalha há cinco anos
A situação dela é um dos desafios que educadores de escolas públicas nas periferias têm vivido com a volta das aulas. Desde agosto, já é permitido que as escolas públicas estaduais recebam 100% dos estudantes, mas ainda não é obrigatório.
Professores relatam receio apesar do avanço da vacinação. Dificuldades para garantir o distanciamento e uso de máscara pelas crianças se misturam com a falta de infraestrutura de algumas escolas e o protocolo para manter as aulas seguras.
“Nós professores queremos voltar, todo mundo quer voltar à vida normal, mas não podemos. A escola é um espaço de aglomeração, fechado. Minha escola mesmo, as janelas estão enferrujadas, quebradas e muitas delas a gente não consegue nem abrir”, afirma o professor Severino Honorato, 52.
Ele atua no Jardim São Luís, também na zona sul, há 25 anos, e é conselheiro estadual da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).
Para Severino, o maior problema com os protocolos nas escolas está no próprio governo, que não contratou mais profissionais de limpeza para garantir o cumprimento das exigências.
“Existem escolas com duas funcionárias para limpar 18 salas, pátio, banheiro. Agora o governo contratou mães [de alunos], num trabalho precarizado, pagando R$ 500 por mês e dizendo que o protocolo está sendo cumprindo”, disse o professor, citando o “Bolsa do Povo Educação”, um dos programas de transferência de renda incorporado ao Bolsa do Povo, lançado recentemente.
De acordo com Kate Abreu, secretária executiva da Comissão Médica da Educação, cerca de 20 mil pais e mães de alunos foram contratados por meio desse programa. Com 5.130 escolas na rede estadual, isso equivale a quase quatro contratados por unidade escolar.
Entre as outras medidas adotadas pela Secretaria Estadual de Educação, Kate destaca o repasse de cerca de R$ 50 milhões “para as escolas efetuarem especificamente a compra de itens de higiene para o cumprimento dos protocolos”.
O dinheiro desse PDDE (Programa Dinheiro Direto nas Escolas) também pode ser usado para eventuais reparos e consertos na unidade escolar.
O estudante pode optar por seguir apenas com as aulas online ou com o formato híbrido, em que faz parte da carga horária em casa e outra parte na escola.
Em muitas escolas também foi adotado um esquema de rodízio dos alunos. A principal exigência para esse retorno é que a escola consiga cumprir o distanciamento de 1 metro entre os alunos na sala de aula.
Na rede estadual, segundo Kate, a adesão dos alunos ao retorno presencial foi de cerca de 60%. Já a Secretaria Municipal de Educação informou em nota que a adesão na cidade de São Paulo foi de 64%.
Severino, que trabalha com turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos), conta que, na percepção dele, foram estes alunos que mais aderiram à aula presencial, por serem menos familiarizados com tecnologias.
Contudo, também houve uma quantidade considerável de desistências nesse último ano e meio. “Muito aluno só vai voltar quando tudo se normalizar, só não sabemos quando”.
“A gente já teve que buscar aluno em casa, localizar estudante que desapareceu. A dificuldade foi muito grande, o governo não equipou as escolas e não deu para os alunos condições de fazer o estudo online de maneira adequada”, conta.
CASOS DE COVID
No dia 1º de setembro, o Apeoesp havia registrado 2.837 casos de Covid-19 em 1.223 escolas. Destes quase 3 mil casos, 107 morreram, sendo três estudantes.
Procurada, o Sinpeem (Sindicato dos Profissionais de Educação no Ensino Municipal de São Paulo) informou que pediu dados dos casos ao Secretário de Educação. “Ainda não recebemos, mas continuamos pressionando”, diz Claudio Fonseca, presidente da entidade.
Com base no TabNet, serviço de dados de saúde da prefeitura, até o começo de setembro, foram registrados 1.956 diagnósticos iniciais de “síndrome gripal” cujo local de ocorrência foi uma escola ou creche.
Já a Secretaria de Educação informou que no mês de agosto foram 3.668 casos “prováveis” envolvendo escolas estaduais, municipais e particulares no Estado, sendo: 2.873 de alunos, 735 de funcionários e 60 de trabalhadores terceirizados.
“Nós temos atualmente, em relação aos vacinados, 97% dos profissionais [de educação na rede estadual] com ao menos a primeira dose da vacina, e cerca de 58% com a segunda dose ou dose única”, reforçou Kate.
‘TIA, NA MINHA CASA NÃO TEM ISSO’
Além disso, um dos principais desafios é a integração desses alunos com o ambiente. A escola de Kelly atende crianças com idades entre quatro e cinco anos. No ensino infantil, o foco está na socialização e autonomia das crianças, o que, segundo Kelly, foi afetado pela falta de contato.
“Quando eles estão em casa, várias coisas os pais fazem para ser mais rápido. Na EMEI eles têm que ir para o banheiro sozinhos, comer sozinhos. A coordenação motora também está precária, pegar lápis. Às vezes nem atender pelo nome eles conseguem”, conta.
As creches, que atendem crianças abaixo de quatro anos, retornaram aos 100% da capacidade em 8 de setembro.
Em Heliópolis, outra região periférica da zona sul, o que tem angustiado a merendeira Maria Damascena de Santana, 51, é a fome das crianças.
Ela trabalha em um CCA (Centro para Crianças e Adolescentes), espaço que oferece atividades a crianças entre 5 e 14 anos no turno oposto ao da escola.
Cota, como é conhecida na comunidade, conta que está tendo que cozinhar mais para atender a demanda das crianças que frequentam o espaço atualmente.
“Eles comem de tudo que a gente põe na mesa: salada, beterraba, cenoura ralada. E eles falam bem assim ‘na minha casa não tenho isso’. Ponho duas conchas de feijão e eles pedem para colocar mais porque gostam do feijão daqui. A gente tem que respeitar”, relata.
Antes mesmo do recomeço das aulas presenciais, o governo estadual autorizou que as escolas reabrissem para oferecer merenda aos alunos. Durante o ano passado, um auxílio financeiro chamado “Merenda em casa” foi fornecido aos alunos com renda familiar de até R$ 178 per capita. O valor era de R$ 55 mensais.
Segundo Cota, o CCA Heliópolis, que é administrado pela UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região), entregou cestas básicas para as famílias durante o período em que não pode receber as crianças presencialmente.
“Tem gente que liga lá na minha casa pedindo cesta básica, fala que não tem feijão, arroz. Até pede para eu ir na casa dela [para comprovar], mas eu falo que acredito”, conta a merendeira.
No entanto, as dificuldades também atinge os próprios profissionais da educação. Gota tem enfrentado dificuldades para conseguir fazer o mercado. “Tenho uma adolescente em casa, a gente trabalha, mas tem dias que não dá nem para a gente comprar uma verdura, porque o dinheiro não dá. Está caro muitas coisas, o salário que a gente recebe não dá para acompanhar mais”.
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