Projeto de EAD
Projeto de ensino a distância na educação básica ainda pode sair do papel
No ensino médio, governo pretende oferecer 40% das aulas em plataformas online, contando com a ajuda de redes privadas de ensino; modelo, no entanto, ainda é alvo de críticas
Em maio de 2017, o governo federal emitiu uma atualização do texto do Decreto 9.507, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. O documento, divulgado no dia 26 daquele mês, deixava clara a intenção de liberar aulas no formato de Ensino a Distância (EAD) para a Educação Básica, a partir do 6º ano do ensino fundamental.
“A educação básica e superior poderão ser ofertadas na modalidade a distância nos termos deste Decreto, observadas as condições de acessibilidade que devem ser asseguradas nos espaços e meios utilizados”, trazia a redação, em seu Artigo 2º. A resolução, porém, teve vida curta e foi revogada no mesmo dia. Em nota, o Ministério da Educação (MEC) disse que houve um erro no material.
Ainda assim, a ideia de adotar o modelo de aulas online para todos os alunos não está sepultada. O Planalto nega a possibilidade, mas as discussões sobre o assunto seguem firmes no Conselho Nacional de Educação (CNE) e na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado. A proposta está em consonância com a Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017.
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No projeto, o tempo de aula é dividido, com as disciplinas obrigatórias tomando 60% da carga horária e aplicadas de modo presencial. Os outros 40% integram o chamado itinerário formativo, no qual o aluno opta por aprofundar temas de alguma área de conhecimento específica – seria nesta especialização que entraria em campo o formato EAD.
Atualmente, as aulas virtuais para a educação básica são liberadas em alguns casos específicos. A oferta é legal, por exemplo, para estudantes impossibilitados de frequentar as aulas em razão de problemas de saúde ou que estejam em viagem ao exterior. Também pode utilizar o modelo quem reside em localidades sem atendimento escolar presencial ou foi transferido compulsoriamente para regiões de difícil acesso. A abordagem é válida, ainda, para pessoas em situação de privação de liberdade.
O EAD já pode ser classificado como uma realidade educacional no Brasil, especialmente no Ensino Superior. Entre 2005 e 2015, por exemplo, o número de pessoas estudando online passou de 1,2 milhão para 5 milhões – um aumento de 500%, de acordo com o Anuário Brasileiro de Educação a Distância, feito pela Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed). O Censo do Ensino Superior, organizado pelo MEC, confirma a escalada do ensino a distância. A pesquisa demonstrou que a modalidade cresceu mais de 20% entre 2015 e 2016, enquanto o ingresso nos cursos presenciais caiu 3,7%.
Caminho sem volta
Ativa no debate da inclusão do EAD na Educação Básica, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) não vê alternativa para o futuro da educação. “A utilização dessas ferramentas representa um caminho sem volta”, afirma Ademar Pereira, presidente da entidade. Ele acredita que a análise não pode cair na armadilha da discussão ideológica e deve levar em conta os recentes avanços tecnológicos relacionados ao setor. “A tecnologia deve ser aplicada com critério, mas pode agregar qualidade ao ensino. É possível usar o recurso com bastante eficiência.”
O presidente da Fenep diz que o governo precisa enxergar a rede privada de ensino como parceira no processo de inclusão do EAD. Se as escolas públicas ainda não estão amplamente habituadas ao modelo de ensino, as instituições particulares – que já atuam há vários anos nesse sistema – podem colaborar na geração do conteúdo online.
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“Não vejo dificuldade em o Estado fazer plano de ensino para EAD e algumas disciplinas serem oferecidas pelo sistema privado. Sai muito mais barato”, pondera. A redução de custos está relacionada, entre outras coisas, ao fato de a modalidade demandar menor estrutura física e de pessoas em relação à abordagem presencial.
Um dos temores de especialistas em educação é de que a qualidade das aulas teria uma queda significativa. Isso, para Pereira, não se confirma. “Com o novo Ensino Médio proposto pelo governo federal, temos que possibilitar uma parte a distância, pois trata-se de um ensino híbrido, que vai dar mais acesso e qualidade à educação.”
Conforme Pereira, as escolas particulares já estão preparadas para esse novo modelo de aula. O ensino híbrido, citado por ele, é um conceito que mescla aulas presenciais e a distância. A metodologia está presente em diversas escolas da rede privada. O Colégio Dante Alighieri, de São Paulo (SP), utiliza o sistema desde 2014. Já o Colégio Prudente de Moraes, também da capital paulista, implantou o método em 2015.
Em caso de adoção do EAD, as instituições de ensino superior públicas poderiam contribuir para o aprimoramento da tecnologia nas escolas estatais. Para Paulo Corbucci, pesquisador em educação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as universidades públicas já estão experimentando diversas opções de aulas online. Esse conhecimento técnico, portanto, poderia ser repassado à Educação Básica.
“Não vejo o aspecto técnico como barreira de implementação do EAD. O problema maior é como desenhar um sistema de monitoramento e avaliação que minimize as fraudes”, avalia.
Aqui, Corbucci se refere à possibilidade de a plataforma online abrir brechas a condutas ilícitas – um aluno utilizar a senha do colega para realizar uma prova em seu lugar, por exemplo. Também devem ser pesados os riscos comuns enfrentados pelos sistemas em rede, como ataques de hackers, roubo de senhas e troca de dados. Assim, a segurança virtual seria um dos pontos principais da estratégia.
Exemplo na Amazônia
No Amazonas, o Centro de Educação Tecnológica (Cetam), autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino (Seduc), é uma referência na oferta de ensino online para jovens. A entidade elabora cursos técnicos em parceria com instituições públicas e privadas. Atualmente, o Cetam disponibiliza 58 opções de capacitação.
Os programas de formação profissional, por exemplo, têm carga horária mínima de 800 horas/aula e são voltados para estudantes que estão cursando ou já concluíram o Ensino Médio. A seleção ocorre por meio de provas, anunciadas em editais. Em 2018, a autarquia abriu 10 mil vagas para cursos gratuitos de qualificação profissional em EAD. O número é maior do que a soma de vagas ofertadas nessa modalidade nos últimos dez anos. Ao todo, o Cetam atua em 62 cidades amazonenses.
Prejuízo no aprendizado
Apesar do crescimento, o EAD ainda é visto com desconfiança por alguns especialistas. É o caso do educador e cientista político Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE) – uma rede de organizações dedicadas a promover a qualidade do ensino no país. Cara é radicalmente contrário à ideia e a considera mercantilista.
“Em vez de consagrar o direito à educação, o que o governo quer é fazer negócio”, critica. Para ele, o modelo representa uma péssima política de aprendizagem para os alunos e só irá beneficiar empresas de tecnologia e produtoras de conteúdo.
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Segundo o educador, o estudante precisa ter autonomia intelectual para utilizar plataformas a distância. “A qualidade da educação depende do direito dos professores de ter condições de trabalho para ensinar e da busca do direito de aprender por parte dos estudantes”, define. Na visão de alguns especialistas, a inclusão do EAD na Educação Básica vai contra as diretrizes educacionais brasileiras. Essa é a opinião de Cesar Callegari, sociólogo e membro do Conselho Nacional de Educação. “Considero um verdadeiro atentado à educação brasileira”, dispara.
As novas tecnologias, defende, devem ser colocadas a favor das instituições educacionais, e não como um substituto aos professores e ao ambiente de ensino real. “Escola é relação social presencial, uma interação que desenvolve elementos fundamentais do caráter, como respeito às diferenças e trabalho colaborativo”, argumenta. O sociólogo discorda frontalmente do modelo e pede o cancelamento da proposta: “Precisamos revogar esse dispositivo”.