Público versus privado

Público versus privado

Público versus privado

   
O ataque ao setor público em geral e aos setores de interesse social em particular, como educação e saúde, depende bastante da disseminação da ideia, falsa, de que o setor privado é mais eficiente do que o público. Isso simplesmente não é verdade. Vejamos alguns exemplos.
    
Na educação básica pública, os investimentos, por estudante, variam entre, aproximadamente, 250 e 500 reais por mês (1). Esses investimentos são destinados ao pagamento de pessoal (professores e demais trabalhadores), às despesas com água e esgoto, telefonia, eletricidade etc., à compra de insumos (livros, alimentação, material didático e escolar etc.), à manutenção e construção de prédios e demais equipamentos, ao pagamento de serviços de terceiros e tudo o mais, Os valores mais baixos correspondem ao piso do FUNDEB e os mais altos aos estados e regiões mais ricas, onde os custos também são mais altos.
    
Qualquer sistema privado de ensino com recursos tão baixos como esses e atendendo a grupos sociais e econômicos equivalentes seria, como regra, pior do que o sistema público. Uma escola privada com desempenho equivalente a uma escola pública custa, por aluno, pelo menos duas vezes mais. Em resumo, a escola pública tem melhor desempenho que a escola privada com a mesma quantidade de recursos por estudante para seu funcionamento.
    
O mesmo vale no caso do ensino superior. Comparando-se um mesmo curso e com igual qualidade, o custo em uma instituição privada é maior ou mesmo muito maior do que em uma instituição pública (2). Ou seja, com a mesma quantidade de recursos, o setor público formaria mais pessoas do que o setor privado.
    
Na área de saúde, ocorre o mesmo. Por exemplo, o sistema universal de saúde brasileiro, SUS, incluindo-se recursos federais, estaduais e municipais, dispõe de pouco mais do que R$ 100 por mês e por habitante. Nenhum sistema de saúde privado conseguiria oferecer os mesmos serviços que o sistema público com tão pouco recurso. 
    
Além das evidências brasileiras, há diversas evidências internacionais que confirmam a maior eficiência do setor público em comparação com o setor privado. Um exemplo marcante é fornecido pela análise dos gastos e dos indicadores de saúde dos EUA com os de outros países equivalentes. 

Naquele país, os gastos totais com saúde (públicos e privados) por habitante estão entre os maiores do mundo, tanto em valores como em percentual da renda per capita. Entretanto, os indicadores de saúde estão bem abaixo daqueles de países equivalentes. Talvez uma das razões disso é que nos EUA os gastos privados com saúde correspondem à metade dos gastos totais, enquanto na enorme maioria dos demais países industrializados e com renda per capita equivalente, os gastos com saúde são majoritariamente públicos. 

Para ilustrar isso, a tabela mostra alguns dados comparando os EUA com o Reino Unido, países similares inclusive no que diz respeito à relação habitante por médico. Apesar de os EUA gastarem, por habitante, praticamente o dobro do que gasta o Reino Unido, seus indicadores de saúde estão aquém do que se observa neste país.

 

Gastos com saúde por ha­bi­tante e por ano (US$)

Por­cen­tagem dos gastos to­tais feitos pelo setor pú­blico

Ex­pec­ta­tiva de vida ao nascer

Mor­ta­li­dade de cri­anças com até 5 anos (por mil)

EUA

10.000

50%

79,3

6,6

Reino Unido

4.000

80%

81,2

4,3

Fontes: The Sta­tis­tical Portal; OMS, 2016; Unicef, 2018.


Por causa da alta taxa de pri­va­ti­zação da saúde nos EUA, ainda que os gastos por ha­bi­tantes sejam muito ele­vados, seus in­di­ca­dores de saúde estão entre aqueles ob­ser­vados em países como Cuba e Costa Rica, quanto à ex­pec­ta­tiva de vida, e Hun­gria e Sérvia, no que diz res­peito à mor­ta­li­dade in­fantil.

Além dos exem­plos ci­tados, há inú­meros ou­tros que mos­tram a maior efi­ci­ência dos gastos pú­blicos em re­lação aos pri­vados e não apenas em edu­cação e saúde. Além da maior efi­ci­ência, ainda é ne­ces­sário con­si­derar que o setor pú­blico pode ofe­recer seus ser­viços onde eles são mais ne­ces­sá­rios, en­quanto o setor pri­vado não, pois de­pende da exis­tência de uma cli­en­tela com ca­pa­ci­dade para pagar por eles. 

Em re­sumo, com a mesma quan­ti­dade de re­cursos, o setor pú­blico ofe­rece me­lhor aten­di­mento, tanto em saúde como em edu­cação; como co­ro­lário, o mesmo ser­viço custa menos quando ofe­re­cido pelo setor pú­blico do que pelo pri­vado. 

Os nossos já ex­tre­ma­mente pri­vados sis­temas edu­ca­ci­onal e de saúde pi­o­rarão, e muito, com o au­mento dessa pri­va­ti­zação, pro­posta que vin­gará nos pró­ximos anos se não houver uma enér­gica, rá­pida e bem or­ga­ni­zada ação da po­pu­lação em de­fesa de seus di­reitos e em opo­sição aos in­te­resses da­queles que veem na so­ci­e­dade apenas uma forma de ga­nhar di­nheiro, in­de­pen­den­te­mente do fato que isso au­men­tará as mortes pre­ma­turas de cri­anças, as ex­clu­sões es­co­lares e o baixo de­sem­penho dos es­tu­dantes.

Notas: 

1) Va­lores de me­ados de 2018.

2) Veja de­ta­lhes no texto http://​blo​goli​tica.​blo​gspo​t.​com/​2016/​06/​quanto-​custa-​usp-​quanto-​custa-​um-​aluno.​html e em ou­tros lá ci­tados.

Ota­viano He­lene, pro­fessor da Uni­ver­si­dade de São Paulo, é autor dos li­vros “Um di­ag­nós­tico da edu­cação bra­si­leira e de seu fi­nan­ci­a­mento” e “Aná­lise com­pa­ra­tiva da edu­cação bra­si­leira: do final do sé­culo 20 ao início do sé­culo 21” e mantém o blog blo­go­li­tica.​blo​gspo​t.​com.​br    




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