Quando loucos conduzem cegos
Quando loucos conduzem cegos
Além das trincheiras físicas, enfrentamos desde o início dos anos 2000 a guerra cibernética
Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e integrante do Jornalistas pela Democracia
A humanidade enfrenta duas guerras no século 21. A convencional, que utiliza mísseis de longo alcance em ações rápidas, como as desencadeadas pela Rússia contra a Ucrânia, e aquelas do passado recente, quando os norte-americanos, por razões controversas, atacaram o Iraque, Líbia, Síria, Afeganistão e tantos outros.
Mas além das trincheiras físicas, enfrentamos desde o início dos anos 2000 a guerra cibernética. Aqui, os alvos são mentes e a estratégia é de guerrilha. As armas são a mentira, a disseminação do ódio. Nessas trincheiras virtuais, os inimigos da democracia usam sofisticadas táticas de guerrilha, com o alcance ampliado exponencialmente por redes sociais e aplicativos de mensagem – inclusive e especialmente os que se furtam ao alcance da lei.
Essa guerra é bem conhecida dos brasileiros e, por estas bandas, culminou com a bem-sucedida campanha da extrema direita, alçada ao poder com o apoio de vários militares da ativa e da reserva, dos setores mais refratários da sociedade - em muito ressentidos e inconformados com os avanços sociais; sem falar da valiosa colaboração de um famoso estrategista estrangeiro.
O correspondente Jamil Chade alerta em seu artigo “Antes de mísseis, 'gabinete do ódio' de Putin fez ofensiva de desinformação”, publicado no UOL desta sexta-feira (25/02), que membros da Comissão Europeia têm evidências robustas de que nos campos de batalha da desinformação, o governo russo esparramou nos últimos dias mentiras para justificar a invasão da Ucrânia.
A máxima do Ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, de que uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade, é cada vez mais contemporânea. Conta hoje não só com os veículos de comunicação tradicional, mas também com os poderosos algoritmos da internet, que reproduzem à exaustão informações falsas e, lançando mão de intrincados conceitos de psicologia comportamental, os viéses cognitivos, transformam as mentiras mais absurdas em verdades inquestionáveis. E assim são criados os inimigos imaginários, os medos incontroláveis e outras simulações engenhosas. Shakespeare, na peça Rei Lear, escreveu que o castigo do tempo é serem os cegos guiados por loucos.
Na modernidade, o castigo do tempo é ainda mais severo: cegos, guiados por loucos, encantados por serpentes