Quando um professor deixa uma escola
O que se perde quando um professor deixa uma escola
Rotatividade de profissionais traz impactos que vão além de questões financeiras, e incluem o rompimento de laços com a comunidade e a interrupção de projetos pedagógicos
por Tracy Edwards, para o EdSurge 20 de julho de 2023
“A professora dela pediu demissão na última sexta-feira. Assim, do nada, ela se foi”, disse uma amiga para mim, há apenas algumas semanas, arrasada pelo fato de que a professora de segunda série da filha – sua professora favorita – saiu antes do final do ano escolar.
Com a voz embargada, minha amiga disse: “Ela tem chorado por dias. Todas as crianças estão abaladas. Os pais estão indignados, e a nova professora, uma substituta, continua a enviar tarefas de matemática para crianças da educação infantil”. Conforme os Estados Unidos testemunham uma grande rotatividade de professores, famílias como a do meu amigo precisam lidar com as emoções causadas pela perda que estão vivenciando.
Enquanto eu processava minhas próprias emoções depois de ouvir essa história, comecei a refletir sobre as consequências do êxodo de professores que está ocorrendo atualmente em vários estados do país. Em oito estados, as taxas de rotatividade de professores estão no nível mais alto em cinco anos, afetando especialmente as escolas que atendem famílias com altas taxas de pobreza. E em uma pesquisa realizada pela National Education Association (Associação Nacional de Educação, em tradução livre. É a maior instituição sindical de educadores os EUA) em 2022, 55% dos professores e profissionais de apoio que responderam indicaram que estão pensando em deixar a profissão mais cedo do que o planejado.
O fluxo de professores não está apenas diminuindo. Com a queda nas matrículas em programas tradicionais de formação de professores nos últimos anos, ele está regredindo em um ritmo alarmante
Enquanto os Estados Unidos enfrentam os efeitos profundos desses desafios nas comunidades escolares, o termo “perda de aprendizado” tem ganhado destaque. Essa expressão é comumente usada em histórias que descrevem o que as crianças em todo o país não aprenderam durante o ensino remoto. Ele se concentra principalmente em como os alunos ficaram para trás em áreas acadêmicas essenciais, como leitura e matemática, o que, claramente, é algo sério. No entanto, o problema é que o termo não representa a complexidade do que os alunos, famílias e comunidades escolares experimentam com a rotatividade de professores.
Como educador veterano, com mais de 20 anos de sala de aula, eu vi as consequências da rotatividade de professores. Quando um professor sai, a perda é múltipla – há perda do senso de comunidade, continuidade e, em muitos casos, de recursos financeiros. Isso pode mudar tudo para crianças que mais precisam de apoio, tanto acadêmico quanto social. Essa é a perda que deve estar no centro dos debates nacionais.
Perda dos laços de comunidade
Recentemente, encontrei uma mãe cujo filho eu ensinei alguns anos atrás. Ela me agradeceu pela minha flexibilidade em apoiar seu filho durante um período extremamente difícil e volátil para a família. Lembro-me dela bem. Ela tinha vários filhos em nossa escola, e enquanto sua família enfrentava uma crise, seus filhos passavam por diversos desafios acadêmicos e sociais.
Vários professores da nossa escola se uniram para apoiar a família dela. Passamos tempo discutindo o progresso de cada um dos filhos, compartilhando estratégias e estabelecendo conexões com organizações da comunidade. Quando seus filhos passaram para a próxima série, nos reunimos com seus novos professores para compartilhar o histórico escolar e criar uma continuidade de apoio. Sua família se beneficiou da força e colaboração da nossa equipe. Relacionamentos sólidos entre professores, famílias e a comunidade podem fazer uma grande diferença, e a perda de professores que estão profundamente envolvidos com as famílias não é facilmente recuperada.
Na escola, os relacionamentos muitas vezes começam com os professores, e quando eles saem, as conexões que eles têm com os alunos e as famílias são irreparavelmente rompidas.
O envolvimento forte das famílias e da comunidade pode melhorar os resultados de aprendizagem e ajudar a criar um senso de pertencimento. Os relacionamentos são fundamentais para envolver os alunos e as famílias de maneiras significativas e culturalmente apropriadas, e estão associados a uma maior aquisição de habilidades de leitura, taxas de evasão mais baixas e melhora na frequência escolar. Na escola, os relacionamentos muitas vezes começam com os professores, e quando eles saem, as conexões que eles têm com os alunos e as famílias são irreparavelmente rompidas.
As relações entre a equipe da escola também são fundamentais. À medida que os professores em uma unidade escolar se tornam mais coesos e colaborativos, eles desenvolvem normas e abordagens para rotinas, comunicação, conflitos e disciplina. Considerando as questões urgentes de saúde mental dos estudantes e problemas comportamentais, as escolas em que os educadores são capazes de aprender, crescer e permanecer juntos podem ser uma força poderosa na transformação da cultura escolar e no impacto sobre o desempenho dos alunos.
Além disso, a conexão com os alunos, famílias e comunidades do entorno facilita o acesso das escolas ao conhecimento e à integração curricular culturalmente relevante, unindo a aprendizagem com as experiências dos estudantes em casa. Quando perdemos professores, perdemos também as pontes que eles construíram, que são essenciais para o crescimento dos estudantes.
Perda de continuidade
A rotatividade de professores, especialmente no meio do ano letivo, cria interrupções que podem ter um impacto devastador na aprendizagem dos alunos, especialmente daqueles com necessidades mais urgentes. Isso inclui o diagnóstico acadêmico frequentemente chamado de “perda de aprendizado”, mas vai além disso, atingindo o conhecimento institucional e a cultura escolar.
Pesquisas mostram que a qualidade do professor é o fator mais importante relacionado à escola que influencia o desempenho dos alunos. Os professores possuem conhecimentos valiosos de práticas instrucionais adquiridos por meio da participação na cultura escolar, no desenvolvimento profissional e no coaching pedagógico. Isso não é facilmente substituído. No caso da história que compartilhei sobre minha amiga, por exemplo, ela imediatamente percebeu uma diminuição drástica na qualidade do desempenho escolar da filha. Isso não é incomum, pois muitas escolas têm dificuldades para preencher as vagas devido à escassez persistente de profissionais, frequentemente contratando substitutos e, em alguns casos, professores inexperientes que podem não ter o conhecimento e a formação em currículo e pedagogia para ministrar aulas de forma tão eficaz quanto o professor que saiu.
O conhecimento institucional perdido, que engloba valores, normas e rituais de toda a escola, não é facilmente replicado.
Esse tipo específico de perda é significativo, e o impacto pode ser acumulativo em escolas onde a rotatividade persiste ano após ano, deixando nossos alunos mais marginalizados com lacunas acadêmicas que se ampliam a cada ano.
Perda de recursos financeiros
Taxas persistentemente altas de rotatividade também acarretam um custo financeiro significativo para os distritos escolares. De acordo com um relatório publicado em 2017 pelo Economic Policy Institute (um centro de pesquisas sobre trabalho nos Estados Unidos), os grandes distritos urbanos investem aproximadamente US$ 20.000 (R$ 100 mil) para contratar cada novo professor. O custo da rotatividade inclui despesas relacionadas ao rompimento de contrato de trabalho, recrutamento, contratação e treinamento de novos professores para substituir os que saem. Para escolas com as maiores taxas de rotatividade – geralmente aquelas que atendem a uma grande população de estudantes de famílias de baixa renda e estudantes negros – essa perda afeta diretamente a qualidade de ensino e do apoio que os estudantes recebem.
A rotatividade de professores cria uma saída constante de recursos financeiros. Quando as redes escolares com dificuldade de contratação gastam parte de sua folha na rotatividade, eles têm menos dinheiro disponível para currículo, programas de reforço, apoio à saúde mental, equipe de apoio escolar e outros recursos que podem apoiar os alunos. Essencialmente, os estudantes pagam o preço pelo contínuo êxodo de professores.
Felizmente, existem medidas que os líderes escolares e formuladores de políticas podem adotar para começar a reparar o dano.
Reparando o dano
É possível fazer com que os professores fiquem, mas isso requer uma grande mudança sistêmica. É fundamental investigar o que leva à rotatividade de professores e o que pode ser feito para resolver o problema, que tem muitas camadas, incluindo condições de trabalho, remuneração, autonomia e um senso de segurança na comunidade escolar.
Melhoria das condições de trabalho
Para manter os educadores, suas condições de trabalho devem mudar. Isso pode incluir garantir tempo adequado para planejamento, reduzir o tamanho das turmas, eliminar burocracia excessiva e fornecer os recursos necessários para serem eficazes. Também envolve oferecer pacotes de remuneração com salários competitivos e outros incentivos, como anistia de empréstimos estudantis, moradia acessível e assistência para creche.
Ampliar o número de funcionários, incluindo profissionais como conselheiros e psicólogos escolares para lidar com questões comportamentais, também é um fator significativo para aumentar a satisfação dos professores. Garantir ambientes de ensino e aprendizagem seguros e de apoio também é visto da mesma forma. Isso é especialmente importante à medida que os professores continuam enfrentando a violência nas escolas, ameaças aos educadores que se identificam como membros de comunidades historicamente marginalizadas ou subrepresentadas – como professores negros e professores LGBTQIAP+ – e ataques crescentes que impactam o senso de bem-estar e segurança no ambiente de trabalho, para aqueles professores dedicados à inclusão da justiça social e da história.
Convencer professores a permanecerem é possível, mas requer muitas mudanças sistêmicas.
Apoiar professores por meio da construção intencional de comunidades
Como a maioria dos professores abandona a profissão dentro de cinco anos, é crucial examinar como estruturar programas voltados para sua retenção. A inserção de professores envolve componentes como orientação, desenvolvimento profissional e aconselhamento para aqueles que estão ingressando na área. Programas de inserção de professores de alta qualidade demonstraram melhorar a retenção dos professores e apoiar uma cultura de colaboração e comunidade entre todos os professores em um prédio escolar, tornando-se uma ferramenta poderosa para reter professores de forma geral.
Cultivar relacionamentos sólidos com outros professores aumenta a probabilidade de os professores permanecerem em sua escola atual. Incentivar os professores a colaborar, orientar e mentorear outros também pode melhorar o clima, a cultura e a retenção.
Preparação de líderes escolares
A melhoria das condições de trabalho e a construção de comunidades começam com a liderança. Formar e apoiar os líderes escolares pode ser uma das estratégias mais eficazes que um distrito pode adotar para melhorar a retenção de professores. Múltiplos estudos mostraram que o clima – estabelecido pelos líderes escolares – é uma maneira eficaz de minimizar a rotatividade de professores, especialmente para professores negros.
Os professores são menos propensos a sair quando confiam nos administradores e os veem como líderes instrucionais de apoio e colaborativos.
Nesse sentido, as secretarias de educação devem apoiar e avaliar regularmente diretores, promovendo pesquisas de clima nas escolas e examinando as taxas de rotatividade para determinar quais líderes precisam de apoio intensivo e formação continuada. Como os diretores têm um impacto significativo na satisfação dos professores e, em última análise, no desempenho dos alunos, o desenvolvimento profissional deve ser uma prioridade. Assim como os professores, eles devem receber apoio, mentoria, orientação e avaliação regular para garantir o máximo sucesso.
Depois de ter trabalhado na profissão por mais de duas décadas, admito que muitas escolas me perderam ao longo dos anos. Elas me perderam quando a liderança se recusou a ouvir minha voz e respeitar minha autonomia. Elas me perderam quando não conseguiram cultivar uma comunidade na qual eu sentisse que realmente fazia parte de algo maior do que eu mesmo. Elas me perderam quando o clima se tornou tão insuportável que até os professores mais dedicados se afastaram.
Agora faço parte de uma comunidade escolar próspera, onde compartilhamos uma visão e um conjunto de valores. Abraçamos nossas famílias e passamos a maior parte do tempo ensinando nossos alunos. Eu sou a prova de que nem tudo está perdido. Há espaço para reparação, mas precisamos prestar atenção à perda dos professores mais dedicados e qualificados em nossas salas de aula.
Este artigo foi originalmente publicado por EdSurge, veículo jornalístico sem fins lucrativos que cobre a educação por meio de reportagens originais e pesquisa. Inscreva-se para receber newsletters.
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