Que você seja um Robô
Os bilionários Brasileiros não precisam que você seja um Robô
Rodrigo Lages
Você se lembra que teve uma época em que você queria alterar uma passagem de avião e entrava num chat com alguém na página da internet e resolvia a situação em poucos minutos? Agora é um Robô.
E quando, por um breve período, depois de pressão do justiça do consumidor, você ligava para a operadora de telefone e no máximo em duas opções de número e poucos minutos de espera estava falando com um atendente? Agora é um Robô por muito tempo e muitos menus de opção e muitos minutos de navegação em looping para, com sorte, falar com alguma pessoa.
Lembra aquele promotor de tele-vendas que ligava no sábado de manhã cedo, lhe acordava e você podia xingar, constranger, ou passar um contra-trote e dizer algo do tipo: não posso falar com você, estou num velório, passei a noite acordado. Agora é um Robô. Ele está sempre feliz, não é capaz de comiseração.
Porque eu estou falando em Robôs? Porque no fundo quero falar sobre políticas públicas. O Grupo Globo que tem dado suporte às políticas econômicas anti-pobre, anti-minoritárias, anti-trabalho do governo Bolsonaro, que, no fundo, são políticas anti-econômicas também, pois a economia monetária precisa do trabalho dos pobres e do consumo das minorias - e a economia produtiva precisa da sua criatividade, da sua beleza, da sua vitalidade (mais aí já é outro papo em que não vou entrar) - enfim, isso que eles chamam de politica econômica mas que no fundo é politica de rentismo, ou seja, um modo de facilitar a vida de quem não trabalha, não produz, e apenas aposta no grande cassino chamado Brasil em que a banca sempre paga desde que você já seja um homem-branco-rico; o grupo Globo decidiu atacar funcionários públicos, a pretexto de defender a saúde e a educação. Em realidade, defendem o rentismo dos bilionários brasileiros que pouco ou nada trabalham.
Como filho de funcionários públicos e também funcionário público. Escolha que eu realizei não em nome da dita “estabilidade” per se, mas por não ter que vender nada para ninguém, já que quando eu estava entrando no mercado de trabalho passávamos por aquela dita reestruturação produtiva em que todo mundo queria ser empresário de si mesmo, todo mundo tinha que ter alma de vendedor. E deusmelivre ser um desses psicólogos (sem indiretas a ninguém) que ficam vendendo sua imagem constantemente. Não sei fazer e não quero fazer isso. Pensar que mesmo um professor universitário precise ter uma imagem comercial para ter empregabilidade avilta a imagem que eu sempre tive (e aceito que seja idealizada) do fazer universitário. Então busquei o serviço público, também porque ele estava valorizado a partir dos governos Lula e Dilma. Eu sempre soube, contudo, que o serviço público entraria num longo período de precarização, seguindo o pêndulo que eu vi acontecer desde a minha infância. Economia boa e os salários privados superam, e muito, os públicos; economia estável e os funcionários públicos ganham aumento; economia em declínio e os salários públicos começam a superar os privados. E daí começam os ataques. Como se fosse o salário do funcionalismo público o agente da montanha-russa da economia, como se ele fosse o culpado, e não o funcionamento em rede de interesses políticos, econômicos, junto com condições naturais e as flutuações de globais dos valores . Em suma, em períodos de crise os economistas esquecem como funciona a economia, e o grande público, ao contrário viram expert no assunto. Ambos passam para a fase de shitstorming contra funcionários públicos. É o gasto com o salário deles que está nos afundando! No primeiro caso, o dos economistas, costuma ser interesse próprio, eles são pagos pra pensar assim; no segundo caso é burrice mesmo.
O argumento do grupo Globo de que o gasto com o funcionalismo 14% do PIB superar o da Educação (em tordo de 6%) e o da Saúde ( em torno de 13%) é uma falácia tão absurda que mereceria ser enquadrado na lei das fake news. Já que os gastos com funcionalismo integram!!! os gastos com educação e saúde! Ou é possível fazer educação e saúde com Robôs?
É simples assim. Todo o empresário sobe que o insumo mais caro do setor produtivo é o preço do trabalho. Por que seria diferente com o Estado? Você quer um professor, um médico ou um enfermeiro que faça Uber ou entregue Ifood no contraturno (muitos professores da rede básica, muitos mesmo, já fazem isso)? Você quer um trabalhador da saúde ou da educação extremamente precarizado? Que pode ser demitido a qualquer momento que o Bolsonaro resolver comprar mais cloroquina para as emas ou gastar no cartão corporativo e faltar dinheiro para fechar a regra orçamentária ou fazer superávit? Você quer um auditor fiscal, que é responsável por vigiar e cobrar o pagamento de impostos dos mega-empresários brasileiro sendo mau-remunerado? Já pensaram a perda de arrecadação que significaria deixar os trabalhadores do tesouro nacional precarizados? Proteger o salário do funcionalismo é proteger as políticas públicas dos descaminhos da politica. É proteger os seus serviços públicos também, não apenas o salário dos trabalhadores do serviço público.
Não é possível fazer saúde, educação, segurança e mesmo justiça, assistência social e outras políticas públicas e de Estado com Robôs ou com trabalhadores autônomos. Se você está descontente com a qualidade do serviços, saiba que as escolas e universidades federais, junto com as escolas militares, que dentre a educação pública são as melhores financiadas, têm o melhor desempenho nos rankings, inclusive melhor do que a média das escolas privadas - universidades nem se fala. Isso prova que se os demais gastos (com infra-estrutura, com materiais pedagógicos, e também com salários no caso da rede básica) forem elevados, a educação pública entrega resultados. Há subfinanciamento e não sobrefinanciamento da educação. O SUS é o melhor exemplo -mesmo com desvios localizados e que precisam ser combatidos - o SUS é uma política audaciosa que vale cada centavo investido. Quem tem mais de 30 anos há de lembrar dos vergonhosos índices de mortalidade infantil da geração pré-SUS. O investimento em segurança na PF nos últimos anos (governo Lula e Dilma, mais uma vez) demonstrou que se bem financiada a polícia também apresenta resultados.
A fase em que o ascensorista de não sei onde ganhavam mais que um engenheiro em uma empresa privada passou. Esse ascensorista ainda ganha isso, se for vivo. Mas depois que ele morrer acabou. O setor público sequer tem essas carreiras de suporte atualmente. Esse setor já vem sendo reestruturado há muito anos e restaram apenas as carreiras essenciais, provavelmente menos do que as essenciais. O resto é terceirizado. É verdade que o trabalho dos terceirizados é muitas vezes de excelência a considerar as condições de trabalho e de remuneração que eles enfrentam. Mas o serviço como um todo, costuma deixar a desejar, não por culpa do trabalhador, quase sempre, mas porque fazer um serviço de portaria ou de limpeza ser lucrativo não é fácil, de um jeito ou de outro o lucro vai sair da qualidade do serviço. Retirar o custo do trabalho qualificado - e, sim, hoje a rede pública conta com trabalhadores muito qualificados - dos serviços públicos é jogar sua qualidade para o abismo. É parte do projeto ultraprivatista dos bilionários brasileiros que não querem sair do cassino Brasil com sua roleta viciada para correr os riscos do capitalismo que eles tanto defendem da boca-para-fora. Eles adoram o capitalismo para os outros, desde que o Estado continue trabalhando para eles. Eles são os verdadeiros funcionários fantasmas! Nunca apareceram para trabalhar, mas entra governo e sai governo, desde as capitanias hereditárias, como o Gregório Duvivier mostrou no seu programa sobre heranças, os ricos brasileiros têm um Estado para chamar de seu.
Cobrar resultados do setor público é importante. Defender interesse econômico de rentistas é burrice. Eles podem pagar pelo seu lobby não precisam que você haja como um Robô.