Quem alfabetiza, tchê?

Quem alfabetiza, tchê?

Quem alfabetiza, tchê?

Os alunos que não aprendem a ler e a escrever não aprenderão com incentivo de gratificação a suas escolas

Por Esther Pillar Grossi, doutora em psicologia cognitiva pela Universidade de Paris

11/05/2023

 

Eu sei que minha voz é ainda de quem clama no deserto sobre como se ensina. Mas, como João Batista, que soube antes que os demais que Jesus viria à terra, vou clamar!

“Alfabetiza Tchê”, provavelmente, alfabetizará os que já se alfabetizariam sem o programa anunciado pelo governo do Estado. A não alfabetização na pandemia e fora dela é imensa no mundo. É imensa porque as metodologias utilizadas, ainda massivamente não servem para os filhos de analfabetos, que são muitíssimos.

Não conseguir alfabetizar não tem nada a ver com escola em turno integral, nem com mais investimento financeiro para a educação.

Frequentar escola e dela sair analfabeto depois de três anos em média, como já constatou Darcy Ribeiro, é questão de equívoco no jeito de ensinar. No jeito de ensinar que desconhece as fantásticas contribuições de Emilia Ferreiro e de Gérard Vergnaud, que geraram uma eficiente proposta que ensina a ler a todos os alunos, particularmente, os de escolas públicas das periferias urbanas, em pouco tempo.

Os alunos que não aprendem a ler e a escrever não aprenderão com incentivo de gratificação a suas escolas

Eles não aprendem porque lhes falta o que, tão bem, Piaget já apontava – as experiências com aquilo que eles querem conhecer –, a escrita.

Com mais de 60 milhões de analfabetos adultos no Brasil, o que, em famílias nas quais há uso frequente de computadores, jornais, revistas, livros, etc., acontece desde que seus filhos são bebês não acontece nas famílias de 60 milhões de adultos que estão à margem dessa competência – compreender a escrita.

Então essas pessoas chegam à escola incapazes de aprender com o método fônico. Incapazes porque ainda não se deram conta de que se escreve com letras que têm a ver com a fala, como duas alunas que estou alfabetizando no Morro da Cruz. Ambas pensavam que se lia nas imagens e que se escrevia com desenhos. Uma delas com 66 anos e a outra com 56.

“Alfabetiza Tchê” tem tudo para ser mais um dos muitos projetos brasileiros que deixará de lado aqueles que realmente são excluídos da premente utilidade e da ventura que é ler e escrever.


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