Racismo e capitalismo
Racismo e capitalismo de perversão
"Enquanto existir capitalismo não haverá chance para a maioria da população humana na Terra", afirma Marcia Tiburi
(Foto: Reuters/Brendan McDermid)
É o capitalismo que produz o racismo.
As pessoas vítimas de racismo fazem parte do contingente humano a ser eliminado pela política da morte que se alastra a cada dia. Ela não foi inventada hoje. Ela retoma o antigo tanatopoder, o poder da matança, no contexto em que muitos acreditam que o biopoder (o cálculo do poder sobre a vida) se sustentaria apenas no capitalismo de sedução pelo qual cada um se deixaria dominar em troca de conforto e diversão, apesar do trabalho pesado, da precarização da vida e da aniquilação da subjetividade.
Enquanto houver capitalismo haverá racismo mesmo naquele capitalismo que finge negociar com as pessoas que ele mesmo racializa, proscreve e vitimiza.
O racismo é a forma moderna da xenofobia que já estava presente nas mais antigos impérios políticos e sistemas de pensamento. A xenofobia não foi superada, ao contrário, foi intensificada em racismo.
George Floyd, assim como o vendedor ambulante nigeriano morto na Itália ou o grupo de africanos assassinados pela polícia espanhola em Melila, assim como Moïse Kabagambe, o jovem congolês morto a pauladas em um quiosque da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, não são exemplos fortuitos, mas casos de assassinato dentro de um projeto explícito dos Estados autoritários a serviço do capitalismo neoliberal e que tanto mais mira os corpos negros, quanto mais esses corpos lutam por emancipação contra o capitalismo.
A matança de pessoas afrodescendentes nas favelas brasileiras, as chacinas produzidas pela polícia em nome do Estado são, além de extermínio racial, terrorismo que visa implantar o medo antes da morte chegar. O terrorismo é utilitário para o capitalismo de perversão que assedia o mundo hoje.
No capitalismo de perversão não basta matar, é preciso ameaçar e aterrorizar, garantindo assim, o gozo perverso dos agentes do capital. Esses agentes do racismo são agentes do fascismo.
De forma muito direta: a matança é projeto do capitalismo neoliberal. O racismo leva à matança, ou melhor, ele é um com a matança.
O ódio racista tem algo em comum com o machismo, um tipo de autoritarismo naturalizado na sociedade patriarcal. Ambos servem para alimentar uma economia psíquica que faz parte da produção do poder contemporâneo e que gera uma economia real e material. Nessa economia, pessoas afrodescententes são tratadas como corpos para o trabalho, assim como mulheres. Justamente diante disso é que, no capitalismo, a revolução das mulheres negras é a mais importante e significativa, porque, seus corpos estão na mira do capital, tanto por sua raça quanto por seu gênero.
Ora, não há neoliberalismo sem racismo, machismo e outras formas de autoritarismo que fazem parte da estrutura do capitalismo. Só por isso já podemos dizer que o neoliberalismo, como forma contemporânea do capitalismo que gera tudo isso, é gêmeo do fascismo. Não é por acaso que neoliberalismo e fascismo compartilham seu nascimento e avanço na história do século 20. Ambos produzem subjetividades cínicas que obsedam subjetividades escravizadas pelo racismo, os racistas que são também fascistas.
Não interromperemos a matança de pessoas (negras, mulheres, indígenas, ativistas, LGBTs e tanto outros), sem a análise e a desativação da máquina do capitalismo neoliberal que é a mesma que gera o fascismo. Para isso, precisamos assumir que o capitalismo é um totalitarismo. Ele é um sistema de opressão completo que ilude sobre a liberdade, o bem-estar e a verdade, numa eterna e repetitiva distorção e perversão do sentido de todas as coisas.
Por fim, é um erro tratar a questão da opressão como questão de poder, como se o poder não fosse uma questão do capital. Não se deve esquecer que o capitalismo, por sua vez, é racista e patriarcal. Precisamos, portanto, questionar o capitalismo e buscar maneiras de desmontá-lo, o que não acontecerá sem a desmontagem do racismo e do machismo.
Na sua forma de ser, o capitalismo ocupa todos os espaços e visa o domínio total do mundo e dos corpos.
Enquanto existir capitalismo não haverá chance para a maioria da população humana na Terra.
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